Malgorzata Lukianow.  “Um em cada dois manifestantes tem um nível académico superior”

Malgorzata Lukianow. “Um em cada dois manifestantes tem um nível académico superior”


Um estudo do Instituto de Filosofia da Academia de Ciências revela que a maioria dos participantes nas marchas de extrema-direita é da classe média. Jovens radicais entre os 18 e os 25 anos representam apenas 20% dos manifestantes.


Normalmente tem-se a perceção de que a Marcha da Independência da Polónia é um evento violento, composto meramente por hooligans e grupos organizados de extrema-direita. Malgorzata Lukianow, investigadora no Instituto de Filosofia da Academia de Ciências Polaca, participou num estudo que analisou quem participou no evento no ano passado e noutras manifestações de extrema-direita na Polónia. Os resultados contradizem a imagem que normalmente é dada da marcha.

 

Quais foram as conclusões do seu estudo no ano passado?

A nossa maior descoberta foi que, normalmente, as manifestações de extrema-direita eram retratadas como comícios de jovens hooligans, jovens radicais. Ou pessoas que, de alguma forma, estão em desvantagem económica e social. E de que seria por isso que se tinham voltado para ideias mais radicais. Na Polónia temos este debate sobre quem perdeu com a Transformação (transição do comunismo para o capitalismo), que, devido ao processo de privatizações, ficou desempregado e perdeu economicamente. Tínhamos a ideia de que isto (a marcha e o crescimento da extrema-direita) era a consequência desse período. Mas descobrimos que é o contrário disso. Claro que há jovens radicais, mas estão à volta de 20%, entre os 18 e os 25 anos. Mas a idade média está à volta dos 40 anos. Há pessoas que ganham o dobro da média de rendimentos na Polónia, há pessoas altamente escolarizadas: um em cada dois manifestantes tem um nível académico superior. Alguns deles eram mesmo doutorados. E economicamente estão bastante bem. Basicamente, não são jovens radicais, mas sim uma classe média radical.

 

São a base da marcha?

Sim. Claro que existem aqueles grupos radicais, como os hooligans e aquelas pessoas mascaradas. Claro que existe isso e é mais difícil de os investigarmos, pois não estão tão abertos a isso. Mas a maioria é isso (a classe média radical). Também vimos isto quando observámos os comícios da Confederação Liberdade e Independência, o partido de extrema-direita que entrou no Parlamento este ano. Os participantes também eram de classe média. Tenho um colega que está a participar connosco no estudo e está a analisar o Pegida, o partido de extrema-direita alemão. As conclusões são muito, muito semelhantes. 

 

Porque acha que isso acontece? Porquê a classe média?

Acho que existem muitas razões para isso. Primeiro que tudo, há sempre a questão do que o anterior Governo (da Plataforma Cívica, partido liberal) tinha para oferecer à classe média. Esse é um dos fatores pelos quais se tornaram radicais. Mas isto é acompanhado por uma narrativa antimigrantes e de libertarianismo económico – está tudo ligado aqui.

 

Em que setor trabalham?

Ainda estamos a analisar isso. Mas não é raro ver especialistas, gerentes e administradores, os trabalhos típicos da classe média. Para lhe dar alguns números, a média nacional de rendimento é de 2500 zlótis (584 euros). Na Marcha da Independência é de 4 mil zlótis (cerca de 935 euros), o que é muito superior. Em termos de escolarização, 55% têm educação superior, enquanto a nível nacional é 30 e tal por cento. A grande maioria tem um emprego estável, a tempo inteiro. Por exemplo, as reações dos meios de comunicação de direita foram interessantes: “A sério, só descobriram isso agora? Que somos escolarizados? Surpresa, não é?” No entanto, diria que os liberais e os esquerdistas ficaram surpreendidos: “Uau, então não são hooligans”. Eles não são das margens da sociedade, não são das classes mais baixas. Mas pronto, era assim que a marcha era representada, especialmente nos meios de comunicação social. Claro que é mais dramático mostrar aquelas bandeiras vermelhas, fumo vermelho e hooligans com máscaras e as faixas muito controversas. E estão lá. Mas se olhar para o cenário macro, eles simplesmente também fazem parte. Uma parte que se faz sentir, mas uma parte mais pequena, uma minoria. 

 

O libertarianismo económico não faz parte da narrativa do Governo do partido populista de direita Lei e Justiça (PiS), pois não?

Não. O nosso Governo atual é muito orientado para desenvolver políticas sociais, ao mesmo tempo que introduz ideias muito regressivas socialmente. Temos esta espécie de mistura de ideias sociais e ideias socialmente conservadoras. Outra coisa muito interessante sobre a classe média: não era muito numerosa na Polónia nos anos 1990, ou nos países que tiveram regimes socialistas. Tivemos esta narrativa de que agora íamos ter meritocracia e uma classe média, o que estabilizaria este sistema para nós. No entanto, não é bem assim, porque o que estamos a ver é a classe média polarizada e, em muitos casos, a virar-se para as ideias de extrema-direita. O que investigámos é relativamente novo, por isso estamos à procura de uma explicação exata nos nossos dados. Também perguntámos aos participantes na Marcha da Independência onde se situavam numa escala da esquerda para a direita. E foi no sentido da autoidentificação, não sugerimos nenhum significado sobre o que é a esquerda ou a direita. Acho que o resultado médio foi de nove em dez, para a direita.

 

Pode falar-me um pouco mais sobre os valores-base das pessoas que participam na marcha, de como este libertarianismo económico de classe média emergiu com o nacionalismo de extrema-direita? 

A ideia-base é o nacionalismo étnico, a ideia de quem é o verdadeiro polaco, de muitas maneiras. É muito próximo das ideias religiosas: um casamento entre nacionalismo e catolicismo. Este ano é muito interessante, porque os organizadores queriam ter uma missa sagrada formal. Mas o episcopado disse que não, por isso disseram: “Nós queremos que a verdadeira Igreja polaca trabalhe connosco, não a colónia do Vaticano”. Todos os anos há uma discussão sobre o discurso de ódio da marcha. Claro que os organizadores dizem que tentam prevenir que o discurso de ódio emerja na marcha e têm observadores para isso. No entanto, todos os anos vemos que existe esse discurso de ódio. Vês faixas do orgulho branco, antiucranianos, antialemães. 

 

Essas faixas são carregadas pelos participantes de classe média?

É difícil dizer quem as carrega nas manifestações. Eles podem ter uma máscara e pode ser o gerente do seu trabalho. É muito difícil de estabelecer isso, digo eu. É muito interessante ver como a marcha se desenvolveu nos últimos anos.

 

Como é que a Marcha de Independência se desenvolveu durante os anos?

A primeira marcha foi em 2009 – também havia outras iniciativas independentes no feriado. Foi muito pequena mas muito visível, porque foi a primeira vez que as pessoas viram esta extrema-direita a marchar nas ruas. Em 2011 formam a Associação para a Marcha da Independência. Foi a fusão entre as duas instituições mais radicais: Campo Nacional Radical e a Juventude de Toda a Polónia. Desde aí, eles são os organizadores da marcha. Entre 2011 e 2015, a Marcha da Independência era um furacão que entrava no centro de Varsóvia, devastadora e amotinada. No entanto, muda em 2015, quando o PiS chegou ao poder. No início tentaram namoriscar com eles, ser o seu guarda-chuva. Note-se que eles também são um grupo político, eles votam em alguém. Depois acalmaram-se, entraram no mainstream político. Não precisaram mais de se rebelar. Acusaram o Governo da Plataforma Cívica de que estavam a ser oprimidos e por isso tinham de se manifestar. Agora não têm de se manifestar contra ninguém. Em 2015 crescem numericamente, mas são o mainstream político. Em 2016 e 2017, Andrzej Duda, o Presidente polaco, escreve uma carta oficial aos participantes da Marcha da Independência. Este é o tempo em que o PiS tenta adotá-la, estar do lado deles e ver os patriotas com as suas famílias a marcharem, porque não são os hooligans. Esta é a narrativa oficial. Muda em 2018. Uns dias antes da marcha nesse ano, o presidente da Câmara de Varsóvia ilegalizou a marcha. Caiu o inferno, pode dizer-se. Claro, os organizadores foram para os tribunais a dizer que esta decisão era ilegal. E ganharam. Depois, o Presidente decidiu novamente ser um guarda-chuva para eles e fazer uma marcha em comum.

 

Qual foi a reação?

Enfureceu muito alguns círculos, do tipo: “Como pode o Presidente ir lado a lado com o Campo Nacional Radical?” No entanto, não chegaram a acordo, por isso tivemos duas marchas. A do Governo, a que chamaram “Marcha Vermelha e Branca”, e a Marcha da Independência. Desde aí, a amizade mais ou menos acabou, porque decidiram que não conseguiam chegar a acordo uns com os outros. E o que também mudou a situação foi a atitude do PiS em relação à Marcha da Independência, que agora tem a competição da Confederação para a Liberdade. Conseguimos ver isto com as eleições europeias, onde o PiS tornou a sua retórica muito mais próxima da extrema-direita. A direita do PiS e a Confederação para a Liberdade estão a lutar pelos mesmos votantes. Nas eleições para o Parlamento, a Confederação conseguiu 7% dos votos, tornando-se uma ameaça política séria para o partido do Governo. 

 

Porque participaram tantas pessoas na Marcha da Independência em 2018?

Era o 100.o aniversário da independência. Queriam expressar o seu patriotismo, a sua gratidão aos seus antepassados e por aí adiante. Embora houvesse outros eventos, a marcha tomou conta das celebrações: é o evento mais vocal. 

 

Quantas pessoas entrevistaram?

Abordámos cerca de 800 pessoas. Fizemos entrevistas curtas, distribuímos inquéritos, tínhamos uma equipa de observadores a tirar fotografias. Não permitimos que os nossos entrevistadores tirem fotografias porque pode ser muito provocador. 

 

As mulheres participam na marcha?

Há um fenómeno muito interessante com que estamos muito preocupados: as organizações nacionais de mulheres. Há organizações femininas dentro da estrutura, o que é muito interessante. Em termos de participação, é dominada por homens, claro. Sete em cada dez participantes são do sexo masculino. As mulheres estavam em minoria, mas isto é muito típico nos protestos de extrema-direita.