Confessava-me há dias (antes da arruada do Chiado e de António Costa ter perdido a cabeça com um idoso) um amigo militante socialista de muitos anos, admirador mas não seguidor costista, que o resultado mais desejado no PS, excluindo no círculo mais próximo do líder, era mesmo o que as urnas ontem vieram a ditar: maioria relativa com mais mandatos do que a direita toda junta e possibilidades de entendimento bastante com os partidos à sua esquerda.
A maioria absoluta que as sondagens chegaram a admitir como provável, no início da campanha eleitoral, era o cenário desejado apenas pela ala mais à direita do PS, minoritária no partido, e da qual são lídimos representantes o ministro das Finanças, Mário Centeno, o decano Augusto Santos Silva, o presidente do partido, Carlos César, e o da Câmara de Lisboa, Fernando Medina. Dir-se-ia que a ala social-democrata com alguns laivos liberais precisava de poder absoluto para impor uma inflexão na estratégia e no modelo económico do Governo, por forma a apostar no investimento público e incentivar o crescimento da economia.
Mas a ala esquerda socialista, que é hoje claramente predominante no PS e tem em Pedro Nuno Santos o seu maior representante, continua a acreditar que a ‘geringonça’ não foi apenas uma solução governativa de recurso, mas revelou-se, sim, a mais desejável forma de governação.
Tanto assim, dizem agora, que o povo não deu a maioria absoluta ao PS, penalizou a direita e manteve o BE e o PCP com representações parlamentares de peso.
Para esses socialistas, como o meu amigo, hoje claramente maioritários no partido, a maioria absoluta acarretava um sério risco, sobretudo pela conhecida tendência para a arrogância tanto de António Costa como de César, Santos Silva ou Centeno – este, aliás e apesar da sua aparência contrária, deixou-a bem patente nas suas intervenções na campanha (particularmente a última, quando falou de cátedra e em tom jocoso para o líder da oposição).
A legislatura que finda comprovou a enorme habilidade e espírito de sobrevivência política de Costa. A que agora se inicia implica resistência e uma humildade que o líder do PS não tem.
Mas veremos. Porque Costa pode sempre surpreender-nos.