Palavras, leva-as o vento


Seja em eleições nacionais ou locais, chovem juras de eterno apreço; mas ao interior do interior chega apenas quem quer, e não quem pode ou deve.


O interior, esse Portugal esquecido, é sempre evocado em tempo de eleições, mas depois fica tudo como dantes, se não piorar… Da direita à esquerda, seja em eleições nacionais ou locais, todos os candidatos se mostram condoídos com o descaso que se apossou de pedaços do território, e chovem juras de eterno apreço; só que ao interior do interior chega apenas quem quer, e não quem pode ou deve. Do que depende do poder central em serviços de proximidade nada resta (escola, posto de saúde, de correios, etc.), e as autarquias, principalmente as do interior, não dispõem de recursos bastantes para dar cobertura social aos lugares mais recônditos: aldeias despovoadas (nem dão votos) onde só sobraram alguns velhos, desqualificados (pequenos lavradores, na maioria) e de baixos recursos – isto não incentiva investimento, obviamente. A sociedade do crescimento económico não se pode permitir despender fundos no desenvolvimento destas “reservas” territoriais; lá se iam as contas certas…

Cutelo, aldeia minhota anichada na encosta da Serra Amarela, às portas do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) – pertence ao concelho de Terras de Bouro, cujo território está em boa parte dentro do PNPG –, é um admirável exemplar da arquitectura tradicional serrana: casas de granito, de pedras grandes e irregulares, com pequenas aberturas, arrumadas em ruelas empedradas, também elas de piso irregular, e montadas numa espécie de anfiteatro sobre uma ampla veiga onde abundam lameiros e há campos cultivados – “Pouco adianta cultivar, vem o porco-bravo e tira tudo”, diz-nos um aldeão, e acrescenta: “Já aqui houve rebanhos de cabras, mas agora, com os lobos, que têm mais protecção que a gente, o prejuízo é muito, e o que nos dão, tarde e mal, nem sequer cobre, então há quem se vire para as cachenas (vacas)”. Perguntado se há poucos habitantes, porque muitas casas parecem fechadas, diz que os novos foram à procura de melhor vida, só ficaram os velhos e “as reformas poucochinhas que mal dão para viver”. A aldeia é tão linda quanto desolada: na calçada acumula-se bosta, praticamente não se vêem as cortininhas e os vasinhos que dão sainete a estas fachadas austeras e, no entanto, tão graciosas! Que pena desperdiçarmos assim as jóias da “ourivesaria” tradicional rural, e tantas temos…

A caminho de Cutelo, com desvio por Santo António de Mixões da Serra (Vila Verde), a aldeia da centenária Bênção dos Animais, descobrimos outra, Barral, em São João de Vila Chã (Ponte da Barca), onde o Museu de Quartzo, com uma interessante colecção de cristais, e o Santuário – uma pequena capela – da Senhora da Paz são o orgulho da terra e atracção de peregrinos. Uma surpresa. Seguindo serra acima, serra abaixo, sob um céu leitoso a desfazer-se em nuvens poisadas no cimo dos montes, a tolher a vista da paisagem, adivinhada, caminhos e estradas municipais denodadamente percorridos, apetece parar no Abocanhado, em Brufe: gastronomia regional garantida e, a não desmerecer, uma excepcional varanda sobre o vale do rio Homem, encravada em vertente da Serra Amarela. E ao chegar da tarde, as nuvens trepando a encosta, veio o tão esperado sol, o céu azul e limpo, e a majestosa paisagem tão aguardada revelou-se. Sorte a nossa…

Gestora

Escreve quinzenalmente, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

 

Palavras, leva-as o vento


Seja em eleições nacionais ou locais, chovem juras de eterno apreço; mas ao interior do interior chega apenas quem quer, e não quem pode ou deve.


O interior, esse Portugal esquecido, é sempre evocado em tempo de eleições, mas depois fica tudo como dantes, se não piorar… Da direita à esquerda, seja em eleições nacionais ou locais, todos os candidatos se mostram condoídos com o descaso que se apossou de pedaços do território, e chovem juras de eterno apreço; só que ao interior do interior chega apenas quem quer, e não quem pode ou deve. Do que depende do poder central em serviços de proximidade nada resta (escola, posto de saúde, de correios, etc.), e as autarquias, principalmente as do interior, não dispõem de recursos bastantes para dar cobertura social aos lugares mais recônditos: aldeias despovoadas (nem dão votos) onde só sobraram alguns velhos, desqualificados (pequenos lavradores, na maioria) e de baixos recursos – isto não incentiva investimento, obviamente. A sociedade do crescimento económico não se pode permitir despender fundos no desenvolvimento destas “reservas” territoriais; lá se iam as contas certas…

Cutelo, aldeia minhota anichada na encosta da Serra Amarela, às portas do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) – pertence ao concelho de Terras de Bouro, cujo território está em boa parte dentro do PNPG –, é um admirável exemplar da arquitectura tradicional serrana: casas de granito, de pedras grandes e irregulares, com pequenas aberturas, arrumadas em ruelas empedradas, também elas de piso irregular, e montadas numa espécie de anfiteatro sobre uma ampla veiga onde abundam lameiros e há campos cultivados – “Pouco adianta cultivar, vem o porco-bravo e tira tudo”, diz-nos um aldeão, e acrescenta: “Já aqui houve rebanhos de cabras, mas agora, com os lobos, que têm mais protecção que a gente, o prejuízo é muito, e o que nos dão, tarde e mal, nem sequer cobre, então há quem se vire para as cachenas (vacas)”. Perguntado se há poucos habitantes, porque muitas casas parecem fechadas, diz que os novos foram à procura de melhor vida, só ficaram os velhos e “as reformas poucochinhas que mal dão para viver”. A aldeia é tão linda quanto desolada: na calçada acumula-se bosta, praticamente não se vêem as cortininhas e os vasinhos que dão sainete a estas fachadas austeras e, no entanto, tão graciosas! Que pena desperdiçarmos assim as jóias da “ourivesaria” tradicional rural, e tantas temos…

A caminho de Cutelo, com desvio por Santo António de Mixões da Serra (Vila Verde), a aldeia da centenária Bênção dos Animais, descobrimos outra, Barral, em São João de Vila Chã (Ponte da Barca), onde o Museu de Quartzo, com uma interessante colecção de cristais, e o Santuário – uma pequena capela – da Senhora da Paz são o orgulho da terra e atracção de peregrinos. Uma surpresa. Seguindo serra acima, serra abaixo, sob um céu leitoso a desfazer-se em nuvens poisadas no cimo dos montes, a tolher a vista da paisagem, adivinhada, caminhos e estradas municipais denodadamente percorridos, apetece parar no Abocanhado, em Brufe: gastronomia regional garantida e, a não desmerecer, uma excepcional varanda sobre o vale do rio Homem, encravada em vertente da Serra Amarela. E ao chegar da tarde, as nuvens trepando a encosta, veio o tão esperado sol, o céu azul e limpo, e a majestosa paisagem tão aguardada revelou-se. Sorte a nossa…

Gestora

Escreve quinzenalmente, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990