José Aranda Silva, farmacêutico militar e primeiro presidente do Infarmed, hoje presidente da Fundação Saúde SNS, recorda que foram tempos de muita pressão para que Portugal acompanhasse os países europeus e garantisse a cobertura universal dos cuidados de saúde à população, ideia debatida nas reuniões da Assembleia do Movimento das Forças Armadas, a que pertenceu. No primeiro programa da Junta de Salvação Nacional, de 15 de maio de 1974, a referência surgia pela primeira vez na alínea g: competia ao Governo Provisório o “lançamento das bases para a criação de um serviço nacional de saúde ao qual tenham acesso todos os cidadãos”. Memórias da saúde nesse tempo? “Só 50% da população tinha acesso a medicamentos comparticipados, os beneficiários da ADSE, os militares e as pessoas que tinham acesso às Caixas de Previdência. O resto da população quase não comprava medicamentos. Mesmo a nível hospitalar, o país estava muito atrasado. As multinacionais só vêm para Portugal nos anos 80”.
O SNS surge num momento de dificuldade financeira no país, o que acabou por motivar algumas lacunas de base: saúde oral, oftalmologia e análises clínicas não foram integradas e as desigualdades no acesso entre quem podia pagar e quem não podia arrastaram-se no tempo. Do ponto de vista financeiro, Aranda da Silva aponta outro aspeto que contribuiu para poucos recursos desde o início. Além de a saúde ter passado a ser financiada pelo Orçamento Geral do Estado num período de crise económica – o país estava sob intervenção do FMI em 1977 e teria outro resgate em 1983 -, “as transferências compensatórias que deveriam ter sido feitas pela Segurança Social para o SNS, de verbas das Caixas de Previdência, nunca aconteceram”.
Depois de uma fase de crescimento nos anos 80 e 90, quando foram instalados a maioria dos hospitais distritais, Aranda da Silva vê o SNS chegar aos 40 a passar pela “maior crise desde a sua fundação”. O subfinanciamento é um dos problemas crónicos e não tem sido resolvido, aponta, citando o relatório divulgado esta semana pela Organização Mundial da Saúde que revelou que Portugal é um dos quatro países da região europeia que diminuiu a despesa pública em saúde entre 2000 e 2017, com um investimento em prevenção abaixo da média europeia. “Além de aumentar o financiamento, é preciso de uma vez por todas pensar na saúde de uma forma mais global, não como despesa para o erário público, mas como um investimento. É o SNS que mantém a sustentabilidade económica e social do país. Se não houver uma população ativa e saudável, o país não cresce”. Aranda da Silva defende ainda que existe uma necessidade premente de contrariar o centralismo de decisões que se intensificou nos últimos anos, pondo a tónica na autonomia e responsabilização dos diretores dos centros de saúde e administrações hospitalares, o que acredita que permitirá maior inovação e desenvolvimento da resposta no SNS. Por fim, a mudança de fundo: a população envelheceu e vai continuar a envelhecer. “Vamos ter cada vez mais população idosa, com muitas doenças, e o SNS tem de se organizar para dar uma resposta integrada em função das pessoas, dos doentes, e não em função de cada doença em separado”.
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