A situação da previdência social dos advogados


A CPAS tem garantido as reformas de várias gerações de advogados, mas desde o seu actual regulamento que se encontra a funcionar de forma distorcida, sobrecarregando os advogados com valores exageradíssimos de contribuições.


Há muito tempo que os advogados possuem um sistema próprio de previdência social, que actualmente é assegurado pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), instituição de previdência criada pelo decreto-lei 36 650 de 22 de Outubro de 1947. Essa instituição tem garantido as reformas de várias gerações de advogados, mas desde o seu actual regulamento, aprovado pelo decreto-lei 119/2015, de 29 de Junho, que se encontra a funcionar de forma distorcida, sobrecarregando os advogados com valores exageradíssimos de contribuições que a maior parte deles não consegue suportar, gerando uma enorme insegurança no exercício da advocacia. Segundo refere o preâmbulo desse diploma, a razão para a sua aprovação estaria num estudo de 2010 em que a CPAS teria chegado à extraordinária conclusão de que os advogados e solicitadores teriam uma esperança de vida superior em 11% à média da população portuguesa, estudo esse que o Governo de então aceitou pacificamente, sujeitando assim todos os advogados a um valor mínimo de contribuições insustentável.

Efectivamente, enquanto no regime anterior se estabelecia um valor mínimo de contribuições correspondente a 17% do valor de dois salários mínimos, o novo regime previu a sucessiva elevação dessa taxa para 19% em 2017, 21% em 2018, 23% em 2019 e 24% em 2020. Uma vez que o valor do salário mínimo tem vindo a ter igualmente uma enorme subida nos últimos anos, estas subidas constantes do valor das contribuições tornaram praticamente insustentável o exercício da advocacia, obrigando os advogados a descontar com base numa ficção de rendimento que muitos efectivamente não auferem.

A insustentabilidade da situação levou a que a mesma viesse a ser revista através do decreto-lei 116/2008, de 21 de Dezembro, que alterou o regulamento, substituindo a indexação ao salário mínimo nacional por um novo indexante contributivo, actualizável com base no índice de preços ao consumidor. Esse indexante contributivo foi fixado em 581,9 euros (art.o 4.o do D. L. 116/2018). O diploma previu ainda, porém, a aprovação de factores de correcção anuais, tendo fixado logo até 31 de Dezembro de 2019 um desconto de -14% ao indexante aprovado (art.o 5.o, n.o 1 do D. L. 116/2018), o que permitiu pela primeira vez em muitos anos uma pequena descida da contribuição mínima a pagar pelos advogados à CPAS.

Sucede, porém, que em relação aos anos subsequentes, designadamente em 2020, o diploma não prevê qualquer desconto ao indexante contributivo, determinando antes que “a direção, suportada em estudos atuariais que garantam a sustentabilidade da CPAS e após pronúncia favorável do conselho geral, pode propor aos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da segurança social a adoção de um fator de correção do Indexante Contributivo que venha a ser apurado nos anos 2020 e seguintes” (art.o 5.o, n.o 2 do D. L. 116/2018). Uma vez “recebida a proposta referida no número anterior, os membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da segurança social fixam, por portaria, o fator de correção do Indexante Contributivo” (art.o 5.o, n.o 3 do D. L. 116/2018).

Sucede porém que, demonstrando muito pouca consideração pelas dificuldades de tantos dos seus contribuintes, a direcção da CPAS apresentou ao seu conselho geral uma proposta de redução do indexante contributivo para apenas -8%, o que, agravado com a sua actualização resultante da inflação e a subida da taxa para 24%, faria novamente disparar o valor mínimo das contribuições em 2020. Apesar do apoio que teve de alguns dirigentes da Ordem dos Advogados, esta proposta não veio a ser aprovada no conselho geral da CPAS, devido à oposição de outros dirigentes da Ordem dos Advogados e da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Mas a não aprovação dessa proposta não constitui qualquer alívio para os advogados, antes pelo contrário, dado que a consequência dessa não aprovação é a inexistência de qualquer desconto ao indexante contributivo em 2020, o que fará elevar ainda mais o valor das contribuições para a CPAS no próximo ano.

Daqui resulta que é necessário reformar profundamente o actual sistema de previdência dos advogados, realizando uma verdadeira auditoria sobre a sua efectiva sustentabilidade e criando um quadro estável e justo de contribuições que não esteja sujeito a subidas constantes e muito menos dependente de um desconto que pode variar todos os anos, mediante a discricionariedade de quem o propõe e de quem decide ou não aprová-lo. Mas, para já, é preciso garantir que não haja qualquer subida das contribuições dos advogados para a CPAS em 2020. Compete ao Governo e à Ordem dos Advogados resolverem imediatamente esta situação.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990