Porque o interior do país está condenado ao desprezo


Aldeias, vilas e cidades médias, que deveriam funcionar como satélites e planetas, respetivamente, têm vindo a ser sugados por grandes buracos negros chamados áreas metropolitanas.


Em qualquer sistema planetário, os vários planetas e satélites que o compõem agregam-se numa hierarquia harmónica em órbita de uma estrela. No nosso caso (sistema solar), a estrela agregadora é o Sol, a Terra é um dos planetas, e a Lua um dos satélites. Após milhões de anos de existência, algumas dessas estrelas massivas colapsam e originam buracos negros, regiões do universo onde a força da atração gravitacional é suficiente para sugar luz e matéria. Curiosamente, a organização urbana do território também pode ser vista recorrendo à analogia destes dois modelos divergentes: no primeiro modelo, tal como um sistema planetário, as aldeias, vilas e cidades organizam-se em torno de uma capital para formar um sistema urbano hierárquico e harmónico. As grandes cidades possuem equipamentos e serviços para servir a escala nacional ou regional (ministérios, hospitais centrais, universidades, estádios, etc.) e, à medida que descemos nessa hierarquia urbana, a dimensão, quantidade e grau de especialização destas infraestruturas vai diminuindo. No segundo modelo, o centro urbano principal é de tal forma massivo, poderoso e aglutinador que funciona como um buraco negro, absorvendo tudo o que se encontra na sua esfera de influência. O primeiro modelo é baseado na hierarquia e cooperação regional, o segundo modelo é baseado na supremacia e na competição global. Portugal tem vindo cada vez mais a adotar o segundo modelo: aldeias e vilas no interior do país, assim como cidades médias (essencialmente capitais distritais), que deveriam funcionar como satélites e planetas, respetivamente, têm vindo a ser sugados por esses grandes buracos negros chamados áreas metropolitanas (especialmente a Área Metropolitana de Lisboa). O resultado está à vista: com a erosão económica, demográfica e política de estruturas urbanas pequenas e médias do interior e a sua absorção pelas áreas metropolitanas, origina-se igualmente a erosão da massa crítica humana que deveria zelar pelos interesses desses baluartes da interioridade, potenciando, através da negligência e do abandono, catástrofes como os incêndios. A ausência de massa crítica permite ainda que pequenos nepotismos autárquicos ou grandes negócios concebidos para servir interesses metropolitanos se imponham aos interesses das comunidades locais. Dos pequenos nepotismos, temos relatos de empresas e de ajustes diretos consignados indiscriminadamente a apaniguados do poder; dos grandes interesses metropolitanos, os mais recentes são as concessões mineiras de vastas áreas do interior do país. Na realidade, ainda que poucos o percebam, o país chamado Portugal cada vez mais vai desaparecendo e, no seu lugar, vai emergindo uma cidade-Estado chamada Lisboa (até a linguagem é sintomática dessa tendência centralizadora sempre que falamos da “Terceira Travessia do Tejo” quando o Tejo tem já 15 travessias). O modelo de cidades-Estado tem antecedentes históricos relevantes desde a Antiguidade (Atenas, Esparta, etc.) e a Renascença (Florença, Veneza, Milão, etc.) até à atualidade (Dubai, Singapura, etc.), havendo quem defenda que este é o modelo mais apropriado para competir num mundo dominado por grandes metrópoles (megalópoles), essencialmente asiáticas. Parag Khanna, por exemplo, é um dos teóricos que defende o modelo das cidades-Estado como a melhor forma de implementar governos tecnocráticos, o seu paradigma de governação ideal para o séc. xxi. Em Portugal, é bom que se perceba que é para aqui que caminhamos; no entanto, poucos parecem estar interessados em debater as consequências dessa opção radical, uma das quais a submissão do interior do país a interesses metropolitanos e a sua condenação à irrelevância política e social.

 

Mestre em Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental

Escreve quinzenalmente