Falando acerca da submersa e desconhecida Atlântida, Crítias mencionava a existência de montanhas numerosas, próximas da planície da cidade, ricas em habitantes, rios, lagos, florestas em tão grandes números de essências, tão variadas que davam abundância de materiais próprios para todos os trabalhos possíveis.
Viesse o tio de Platão aos dias de hoje, desembarcasse ali para os lados de Alcabideche e desse de caras com um fim de semana de corridas de motas, por certo não menos encantado ficaria com sua geografia rica em fenómenos da natureza.
Detalhemos.
Campeonatos Nacionais de Velocidade Superbike e Superstock 600, mais PreMoto3, Supersport 300, 85GP, Moto4 e MIR Moto5.
Toda esta gente carregada de ambições, sonhos, mecânicos, motas e trajetórias na cabeça.
Detalhemos ainda mais.
Copa Dunlop Motoval, Troféu SEC XX-TLC/ENI e ainda Kawasaki ZCUP, uma miríade mais de seres com as mesmíssimas geometrias espirituais e sensoriais que os ora acima incluídos.
Senhoras e senhores, aquilo é um mundo de avenidas largas carregadas de talento e ambição, cada um de acordo com sua receita e quantidade de ingredientes disponíveis.
Uma Atlântida de ruas largas, de becos estreitos, de bairros típicos e populares, de zonas nobres e menos acessíveis, de jardins a florir e a prometer futuro risonho, de vielas sábias e carregadas de histórias.
Um fim de semana recheado de batalhas curva a curva, preparadas em mil detalhes por mãos de mecânicos terra-a-terra que escutam pilotos e lhes decifram vontades.
Um mundo, meus senhores, um mundo sagrado onde não falta nada e onde por vezes falta tudo.
Onde sobra talento e falta público.
Falemos disso então.
Uma pista que ofereceu um Ivo Lopes em género Usain Bolt, disparando aos céus e às bancadas a sua velocidade mais rápida que a própria sombra, que nos trouxe de volta um Pedro Nuno que trocou as salas de cirurgia onde se sagrou campeão do mundo das reviravoltas físicas e metafísicas e regressou às trajetórias para sobredotados.
Onde encontrámos um Kiko Maria em seu périplo por velocidades e campeonatos vários, indo ao chão, levantando-se como se levantam os campeões e acabando a prova a uma mão, numa corrida ganha por um espanhol, Angel Dominguez, que assim elevou os Putos Racing Team ao patamar das equipas vencedoras neste dia.
Uma demonstração da mais louca paixão trazida por um bando de gente normalíssima, que de normal terá, afinal e se calhar, pouco, porque ninguém com os alqueires bem medidos se monta naqueles monstros de tanto cavalo e os leva a passear deitados em curvas mais expostas ao vento que o rebanho de moinhos que enxameiam Portugal inteiro.
E permitam-me especificar.
Imaginem um homem do Norte partir de Matosinhos e arribar ao Estoril, montar em sua Suzuki GSX-R nascida no longínquo ano de 2000, um homem de paixão pela velocidade chamado Ricardo Almeida a colocar em sua ferramenta de transporte, a 200 e tantos à hora, um autocolante do Topo Gigio, um ratinho mimoso que assim lhe faria companhia em épica batalha no seu Troféu.
Conceberiam harmonia mais intrínseca?
E outro doido por estas coisas, Paulo Vicente, mentor e lutador na ZCUP, onde apreciamos as curvas de um João Curva que mantém vivo aquele espírito que, quando assenta na alma, nunca mais dela voa.
Acreditem, senhores e senhoras, tanto haveria para contar se destapássemos aquelas boxes onde os pilotos explicam, os mecânicos trabalham, as famílias e os amigos, alguns, anseiam, sorriem e estalam os dedos de nervoso.
Ali, no Estoril, houve de tudo este fim de semana.
Até um cicerone, José Luís Teixeira, que também acelera nestas lides mas que neste fim de semana não correu e foi professor deste escriba, a quem apresentou os cantos à casa.
Só não houve foi público.
Repito, só não houve foi público.
E sobre isso haveremos de falar um dia.