O verdadeiro propósito destas homenagens


Não nos deixemos iludir demasiado pelas gravatas negras e os semblantes carregados


Sei que corro o risco de parecer cínico ou maldoso, mas tenho dificuldade em levar muito a sério homenagens como aquela que ontem foi feita em Castanheira de Pera às vítimas dos incêndios de há dois anos. Atenção: julgo que todas as homenagens e apoios são devidos. O problema é que estas iniciativas parecem ter o seu quê de encenação e destinar-se a promover (ou a limpar) a imagem daqueles que nelas participam, mais do que a honrar a memória daqueles que partiram em circunstâncias terríveis.

Claro que muitos dos responsáveis políticos que vimos na televisão a desfilar gravemente estavam ali de corpo inteiro e de coração pesado, até porque ninguém consegue ficar indiferente perante a dimensão e crueldade daquela tragédia.

Mas não nos deixemos iludir demasiado pelas gravatas negras e os semblantes carregados. Como inevitavelmente acontece nos velórios, há sempre figuras muito compostas e circunspectas que na primeira oportunidade tiram a máscara e ficam lá por fora a contar anedotas e em amena cavaqueira.

Há umas semanas numa receção às vítimas de violência doméstica, há uns dias nas comemorações do 10 de Junho na Cidade da Praia, hoje na homenagem às vítimas dos incêndios, amanhã no palco principal de uma qualquer cimeira tecnológica ou de um concerto, de tempos a tempos o “Estado-Maior” do regime lá vai marcando presença em peso nestas cerimónias. Umas vezes alegre, outras vezes carrancudo, consoante as conveniências assim o ditem.

Ora, não é pela presença de um ministro ou de outro alto responsável que estas datas – em particular o assinalar dos terríveis incêndios de há dois anos – adquirem mais ou menos significado. E ninguém tem obrigação de estar presente. Realmente imperdoável seria aparecer só para cumprir ordens, fazer número ou exibir o grande arrependimento do Governo.