Subfinanciamento crónico e promiscuidade público-privado estão destruir SNS, alerta economista

Subfinanciamento crónico e promiscuidade público-privado estão destruir SNS, alerta economista


A garantia é dada por Eugénio Rosa, que diz que as propostas de nova Lei de Bases da Saúde que estão em debate no Parlamento não respondem a estes problemas. E face a este cenário, de acordo com o economista, o negócio privado tem vindo a negociar com estas deficiências do serviço público. Só este…


O “subfinanciamento crónico” e a “promiscuidade público-privado” são dois dos problemas que estão a destruir o Serviço Nacional de Saúde (SNS). O alerta surge num estudo realizado por Eugénio Rosa, que diz ainda que “em nenhuma das propostas da nova Lei de Bases da Saúde” há resposta para estes problemas.

O economista vai mais longe e lembra que “prova disso são as dificuldades crescentes dos portugueses em aceder aos cuidados de saúde do SNS, o que determina que os hospitais públicos para poderem funcionar, mesmo com grandes dificuldades e deficiências, têm de se endividar enormemente”, salienta.

Já em relação à “promiscuidade público-privado”, Eugénio Rosa garante que não se limita à existência de Hospitais PPP (Parcerias, Público Privadas). Ainda assim, reconhece que “esta é a forma de promiscuidade mais visível e mais fácil de combater”. No entanto, há outra que considera tão grave como esta e que diz respeito à possibilidade dos profissionais de saúde trabalharem simultaneamente em hospitais públicos e privados, apesar de terem lógicas de funcionamento diferentes.

“Nos hospitais públicos, o objetivo são ganhos de saúde para a população e combate às desigualdades – todos têm direito a cuidados de saúde – nos hospitais privados, o objetivo é o lucro e só tem direito à saúde quem tem dinheiro para pagar. Esta é uma forma de apoio ao setor privado de saúde (profissionais de qualidade formados e pagos pelo SNS a quem os privados exploram e pagam à peça) e resulta do facto de o SNS (Estado) não oferecer a estes seus profissionais uma carreira e uma remuneração dignas, empurrando-os assim para a sobre-exploração privada para obterem um complemento de remuneração”, refere o estudo.

O economista admite que a remuneração base oferecida pelo público é insuficiente para pedir exclusividade aos seus trabalhadores. “A remuneração base média mensal líquida de um médico no SNS em 2019 é apenas de 1.617 euros – poder de compra inferior ao de 2011 em menos 13,8% – e a remuneração base média líquida mensal de um enfermeiro em 2019 no SNS é apenas 933 euros – menos 12,1% que o poder de compra de compra de 2011 – como será possível com estas remunerações reter e pedir exclusividade a estes profissionais? A continuar, a destruição do SNS é inevitável”, acusa.

Despesa baixa De acordo com o mesmo documento, a despesa com saúde (pública e privada) tem vindo a descer de ano para ano. Se em 2006, os gastos correspondiam a 9,9% do produto interno bruto (PIB), ou seja, acima da média da União Europeia, que era de 8,3% do PIB, no ano seguinte, essa percentagem baixou para 9% do PIB – abaixo da média europeia que era de 9,6% do PIB.

A despesa pública com saúde tem crescido muito pouco em Portugal, menos que a inflação, causando o subfinanciamento crónico do SNS. O que de tem determinado que a despesa privada e das famílias com a saúde aumente muito. Entre 2000 e 2017, a despesa pública com a saúde em Portugal aumentou apenas 49,2% (menos que a inflação), a do setor privado subiu 82,1% e a das famílias cresceu 75,8%”, salienta.

O economista chama ainda a atenção para o montante que é transferido do Orçamento de Estado (OE) face à despesa fixa do SNS. Uma situação que, no seu entender, cria o tal “subfinanciamento crónico”.

Mas vamos a números. Para este ano, as transferências previstas do OE são de 9.206 milhões de euros, enquanto as despesas previstas do SNS atingem 10.201 milhões de euros. O cenário repetiu-se em anos anteriores. Em 2017, as transferências fixaram-se em 8.628 milhões, enquanto as despesas rondaram os 9.601 milhões de euros.

“As transferências para o SNS são cada vez menores e sempre inferiores a 5% do PIB. Era necessário fixar um limite mínimo anual de transferência do OE para o SNS – por exemplo 5% do PIB – mas nenhum partido teve a coragem de incluir tal limite mínimo na proposta de lei que apresentou na Assembleia da República”, diz o estudo de Eugénio Rosa.

Ao mesmo tempo, o economista avisa que, como consequência do “subfinanciamento crónico” do SNS, a dívida aos privados “para poder funcionar é enorme”. E dá como exemplo, os valores referentes ao terceiro trimestre do ano passado, altura em que o sistema público devia 1950 milhões aos fornecedores privados, cujo pagamento não está incluído nas transferências do OE de 2019 para o SNS.

Eugénio Rosa diz ainda que, este ano, o SNS vai adquirir principalmente a privados 5.756 milhões de euros relativo a fornecimentos e serviços externos. No entanto, garante que a existência da ADSE diminuiu a pressão sobre o sistema público – de acordo com as duas contas, se não este existisse, cerca de 1,2 milhões de portugueses teriam de utilizar o SNS – mas ainda assim, contribui para o financiamento do setor privado, dando como exemplo, os 878,8 milhões de euros pagos pela ADSE a cinco grandes unidades hospitalares privados entre 2015 e 2018, em que grande parte deste bolo vai para o grupo Luz Saúde ao receber 356,4 milhões, seguido pelo grupo José Mello Saúde (192,5 milhões) e Lusíadas (172,4 milhões).