As máquinas partidárias estão oleadas, as estratégias definidas e as narrativas na ponta da língua, mas nem sempre tudo corre pelo melhor nos debates televisivos, considerados momentos fundamentais para conquistar o eleitorado indeciso e se ultrapassar, pela esquerda ou direita, os adversários. A poucos dias das eleições legislativas, a 28 de abril, Espanha parou para ver o primeiro de dois debates entre os principais partidos espanhóis – Ciudadanos, PP, PSOE e Unidos Podemos. E, como não poderia deixar de ser num país cada vez mais polarizado entre esquerda e direita, espanholistas e independentistas, o debate ficou marcado por acusações e contra-acusações. Ontem, os líderes tiveram o segundo debate, já depois desta edição fechar.
Num ataque cerrado ao primeiro-ministro e líder do PSOE, Pedro Sánchez, tanto Pablo Casado, presidente do PP, como Albert Rivera, líder do Ciudadanos, não perderam tempo a garantir que votar nos socialistas é “dividir” o país cedendo às exigências dos catalães. Chegaram inclusive a acusar Sánchez de trair o país para se manter no Palácio de Moncloa, em Madrid, com os votos dos deputados bascos e catalães, não esquecendo os dos deputados do Unidos Podemos, liderado por Pablo Iglesias. “Ele não quer saber, compactua com as 21 medidas inaceitáveis com Quim Torra [presidente da Generalitat]. É uma emergência nacional colocá-lo na oposição”, criticou Rivera. Em sua defesa e com um tom conciliador, saiu Iglesias ao dizer que “a Catalunha só é administrada com diálogo, diálogo e diálogo”. Por sua vez, Sánchez reforçou que também defende o diálogo com os catalães, garantindo, no entanto, que não haverá “nem um referendo nem independência”.
Sob fortes ataques, Sánchez passou mais tempo a dar-lhes resposta do que a apresentar as propostas do seu partido. Iglesias desafiou Sánchez a recusar um acordo governativo pós-eleições com o Ciudadanos – o PSOE está à frente nas sondagens, mas precisará de parceiros para ter maioria no Parlamento –, mas o socialista esquivou-se e deixou a pergunta no ar.
Na estratégia do Unidos Podemos, a formação do futuro governo é tema primordial, mostrando que votar em si é, acima de tudo, obrigar o PSOE a governar à esquerda – narrativa similar à do Bloco de Esquerda em Portugal. Por um lado, essa estratégia de apelo ao voto útil pode beneficiá-lo, mas, por outro, pode apenas fortalecer o PSOE. O facto de estar no Governo tem beneficiado Sánchez, que há dez meses, diz o El País, está em campanha permanente, aprovando medidas de cariz social com apenas 84 deputados até a sua proposta orçamental ser chumbada. Os catalães retiraram-lhe o apoio parlamentar, fruto do impasse nas negociações sobre o independentismo, despoletando legislativas antecipadas numa Espanha dividida e com a extrema-direita a crescer, nomeadamente o Vox.
Quem saiu ao ataque foi Rivera, mas não contra quem se esperava. Casado foi o grande alvo dos Ciudadanos, que acusou os populares de corrupção e de votarem 127 projetos-lei ao lado dos nacionalistas bascos. “De que cor tem as mãos manchadas de sangue?”, criticou Rivera em alusão aos atentados terroristas da ETA. “O milagre económico do PP está na cadeia”, voltou a criticar o líder dos Ciudadanos, depois de Casado ter dito que o seu partido criou “mais de seis milhões e meio de empregos” quando esteve no Governo na última vez, sob a liderança de Mariano Rajoy.
As críticas fazem parte da estratégia do Ciudadanos para superar o PP como líder do centro-direita, posição há muito disputada entre os dois partidos – o Vox entrou de rompante na política espanhola e, ainda que tenha pouco peso eleitoral, conseguiu impor a sua narrativa ao bloco de direita e marcar a agenda política. Ao fazê-lo, o Ciudadanos espera conquistar mais votos para, no pós-eleições, ter mais força para porventura negociar com o bloco vencedor: o PSOE, fazendo um acordo de apoio parlamentar, como o Unidos Podemos acusa, ou com a direita, tornando-se indispensável num Governo de coligação alargada de direita com o PP e o Vox.
Uma estratégia que criou fortes anticorpos junto dos populares, mostrando que a tensão, ainda que possa estar limitada ao período de combate eleitoral, tem subido. “Rivera fez o trabalho sujo para Sánchez”, acusou o secretário-geral do PP, Teodoro Garcia Egea, acrescentando que o líder do Ciudadanos “ainda não aprendeu que o inimigo se chama Pedro Sánchez”. Os ataques de Rivera foram um duro golpe a Casado por este ter mudado de abordagem no confronto com Sánchez, não esperando ataques dos seus aliados.
Nos últimos tempos, o líder popular tem assumido uma postura mais moderada, evitando os ataques pessoais contra Sánchez, na esperança de conquistar o eleitorado mais indeciso e que não vê com bons olhos esse género de estratégia. Espera conquistar votos ao eleitorado indeciso que possa votar nos socialistas, mas, por outro lado, pode perder votos para o Ciudadanos por passar uma imagem de líder pouco agressivo, principalmente quando o seu projeto de liderança é o de reformar o centro-direita.
Acusações ignoradas e, numa estocada para fragilizar o PP, a candidata do Ciudadanos por Barcelona, Inés Arrimadas, enfatizou que Rivera é o “único capaz de mostrar ser uma alternativa” ao líder socialista. Rivera não fecha a porta a se repetir a solução governativa encontrada para afastar os socialistas do Executivo andaluz, mas o PP já avisou que o seu objetivo é governar sozinho.