O Conselho da Europa avaliou o que se passa nas cadeias dos países europeus e Portugal integra a lista dos números negros em muitos pontos. Há cada vez menos presos na Europa, diz o organismo – entre 2016 e 2018, a taxa de reclusão caiu 6,6%. No entanto, Portugal surge em sétimo lugar entre os países com maior excesso de pessoas detidas por estabelecimento prisional – são 105,9 reclusos por cada 100 celas.
Estes dados vêm agora contrariar os números divulgados no final do ano passado pelo Governo. De acordo com a Direção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP), em dezembro de 2018 estavam nas prisões portuguesas 12 934 reclusos. A DGSP fez as contas e, no final, a taxa de ocupação dos estabelecimentos prisionais rondava os 98,9%, ou seja, dois pontos percentuais abaixo do limite. Os números do ano passado transmitiam a ideia de que o problema estaria resolvido, mas o estudo encomendado pelo Conselho da Europa à Universidade de Lausanne veio colocar novamente o assunto em cima da mesa.
Ao i, Vítor Ilharco, presidente da Associação do Apoio ao Recluso (APAR), esclarece que a sobrelotação é um velho inimigo, mas a solução não está em aumentar o número de cadeias. “Portugal é dos países com taxa de criminalidade mais baixa da Europa, é o país que tem mais presos e é o país onde as penas realmente cumpridas são as mais elevadas”, explica. O presidente da APAR diz que o maior problema é que em Portugal “prende-se primeiro para investigar depois” e, “por isso, há tanta prisão preventiva”. A questão do tribunal de instrução de penas não é esquecida: Ilharco não hesita em dizer que este órgão “não cumpre o que está na lei, porque devia começar a conceder saídas jurisdicionais ao quarto da pena e liberdades condicionais a meio da pena, mas não faz isso a um único recluso”. Na sua opinião, é também por isso que “as cadeias estão cheias”. Quando se fala de sobrelotação das cadeias portuguesas, o exemplo mais evidente é o do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL). Esta cadeia está preparada para receber 600 presos e tem, neste momento, cerca de 1100.
As palavras do presidente da APAR são suportadas pelo relatório do Conselho Europeu. Em matéria de duração das penas, o nosso país surge em penúltimo lugar. No ano de 2017, em Portugal, a duração média da pena de prisão fixou-se nos 31,1 meses – bem acima dos 8,2 meses apontados como média europeia.
Guardas prisionais Há outro ponto sublinhado pelo presidente da APAR que merece atenção – a relação entre o número de guardas e o número de presos. “Esta é uma falsa questão, os guardas prisionais estão é mal distribuídos”, diz o responsável. Vítor Ilharco garante que o problema não está na falta de guardas prisionais, mas sim na forma como são distribuídos. Ainda assim, na relação direta entre o número de guardas prisionais e o número de reclusos Portugal volta a afastar-se da linha da média europeia – o país surge no mapa com um guarda para dois reclusos, quando a média dos países europeus é de um guarda para cada 1,6 reclusos.
Também Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional dos Guardas Prisionais, garante ao i que o problema está na distribuição dos trabalhadores. No entanto, há uma questão que não deixa de sublinhar: ainda que o número indicado pela comissão europeia seja de um guarda para dois reclusos, “na maior parte das cadeias isso não acontece”, havendo mais de dois reclusos para cada guarda. No ano a que se refere o relatório – 2018 – existiam “cerca de 13 500 reclusos para quatro mil guardas”. “Ora, isso não dá um para dois, dá mais”, diz o presidente do Sindicato Nacional dos Guardas Prisionais.
Apesar de o Governo ter, neste momento, a decorrer um processo para contratar mais 200 guardas prisionais – já a contar com as aposentações -, “na prática há em média, durante o dia, 1200 guardas para os cerca de 13 mil reclusos”.
O estudo europeu comparou também a evolução do número de reclusos num período de dez anos – entre 2008 e 2018 – e aí Portugal surge novamente a vermelho: o país é o terceiro com pior evolução – aumentou em 27,5% o número de reclusos.
Mortalidade e Suicídios aumentam As prisões portuguesas surgem nos últimos lugares da tabela quando o tema é suicídio e taxa de mortalidade.
O relatório do Conselho Europeu diz que Portugal é o quarto país da Europa com maior mortalidade na prisão – 51,3 mortes por cada 10 mil detidos. Entre 2016 e 2018, só a Moldávia, Macedónia e Bulgária apresentaram taxas de mortalidade mais altas.
Já na esfera dos suicídios, o país é o quinto com números mais elevados: 11,2 por cada 10 mil detidos. Sobre esta questão, Vítor Ilharco aponta as disparidades entre as penas e os crimes cometidos como um dos grandes motivos para o suicídio. “O crime contra a vida nunca é tão punido como o crime contra o património”, declara. E dá um exemplo: “Na Carrgueira estão uns indivíduos, que passaram cheques sem previsão, condenados a 18 anos e ao lado está um professor que violou 18 alunos e está também um indivíduo que violou a filha de 12 anos. Estes dois juntos não fazem tanto tempo de prisão a cumprir como os que fizeram os desfalques”.