José Fragata, diretor do serviço de cirurgia cardiotorácia do Hospital de Santa Marta, fala de um desperdício da capacidade disponível no Serviço Nacional de Saúde. Há cinco anos começaram a fazer cirurgia de hipertensão pulmonar tromboembólica, uma resposta a doentes que têm uma forma de hipertensão em que as artérias pulmonares são bloqueadas por coágulos, mas a valência nunca foi reconhecida ao hospital. “Operamos doentes que nos são enviados de Coimbra e do S. João, mas outros são enviados para o estrangeiro”, diz o médico. Há um ano, concorreram a centro de referência nesta área, um processo tutelado pela Direção Geral da Saúde, mas o resultado ainda não foi publicado. Neste período, denuncia José Fragata, foram enviados 20 doentes para o Reino Unido, num custo de 2 milhões de euros para o SNS, já que o internamento e cirurgia no hospital de referência em Inglaterra – o Hospital Papworth, em Cambridge – custa cerca de 100 mil euros por doente.
José Fragata denunciou esta semana o silêncio em torno do concurso na RTP. “Tem havido um grande silêncio e quando há silêncios em Portugal ficamos preocupados”, disse o cirurgião. Ao i, o médico lamentou que, tendo a DGS conhecimento pelo menos desde que a candidatura foi apresentada, no início de 2018, de que realizam a intervenção “com sucesso”, os doentes não sejam enviados para o hospital. Apesar de não serem reconhecidos como tal, o serviço continuou a investir nesta área, diz o cirurgião. “Fiz a formação há cinco anos no Hospital Papworth, em Cambridge e recentemente tivemos lá uma cirurgiã do serviço seis meses em treino.”
A perspetiva, continua Fragata, era desenvolver a resposta no país nesta área, seguindo o trabalho feito na área da transplantação pulmonar. “Há 13 anos os doentes iam todos para a Corunha para serem transplantados e deixaram de ir para fora. A transplantação em Santa Marta é dos últimos casos de sucesso no SNS, passámos do zero para 30”.
Neste caso da cirurgia da hipertensão pulmonar, o cirurgião admite que possa haver até 40 doentes a precisarem de ser operados por ano. “Nunca teremos a mesma casuística de um hospital como Papworth, que faz centenas de casos, mas também na transplantação pulmonar não tínhamos. Temos pessoal treinado, temos toda as condições logísticas, mas, como não somos centro de referência, estamos dependentes de que nos enviem os doentes.” O facto de não serem reconhecidos como centro de tratamento de hipertensão pulmonar significa ainda que os doentes operados em Santa Marta têm de regressar ao serviço de origem para ser seguidos, já que não têm financiamento para dispensar medicação.
O i tentou perceber junto do Ministério da Saúde e da Direção Geral da Saúde o motivo para o envio para Inglaterra de doentes que poderiam ser tratados em Portugal, mas não teve resposta até ao fecho desta edição.
No site da DGS, a última informação disponível sobre a candidatura a centros de tratamento de hipertensão arterial pulmonar e de trombo-endartrectomia pulmonar data de março de 2018. Na altura, a DGS informou que a lista de candidatos admitidos incluía, no caso do tratamento de adultos, o Centro Hospitalar Lisboa Norte, o Centro Hospitalar Lisboa Central (onde está integrado o Santa Marta), o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho, o Centro Hospitalar do Porto, o Centro Hospitalar de S. João e ainda o Hospital Garcia de Orta. No caso do tratamento pediátrico, foram admitidos apenas o Santa Marta e o S. João.
José Fragata diz que embora atualmente não estejam incluídos na referenciação para a hipertensão de adultos, fazem o acompanhamento pediátrico e são o único serviço que dá resposta a casos que implicam a cirurgia, tanto a adultos como a crianças. Operaram até hoje 17 doentes, o último em janeiro.