O Presidente da República chega hoje a Angola para uma visita de Estado a convite do seu homólogo angolano.
“Trata-se de uma visita com uma forte componente político-diplomática, que visa consolidar a dinâmica, muito célere e positiva, de contactos bilaterais entre os dois Estados, que se traduziu na assinatura de vários instrumentos bilaterais, nas mais diversas áreas”, indicou ontem a Presidência da República.
Marcelo visitará as províncias de Huíla e Benguela, para além de Luanda, “pretendo manter contacto com a comunidade de portugueses que vive em cada uma delas, atendendo aos laços muito fortes existentes entre os dois povos”.
Mas a visita do Presidente da República ainda mal começou e já há nova polémica entre as relações com os dois países. No centro da questão estão os incidentes no Bairro da Jamaica.
Manuel Augusto, ministro das Relações Exteriores de Angola, e o seu homólogo português, Augusto Santos Silva, apresentaram ontem versões distintas sobre uma conversa telefónica ocorrida a 15 de fevereiro, quando passavam três semanas sobre a intervenção policial no bairro.
O ministro angolano assegurou que Portugal pediu desculpas pelo sucedido no Seixal no dia 20 de janeiro e que “não existe qualquer irritante” nas relações entre os dois países. Em conferência de imprensa, antes da visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola, Manuel Augusto garantiu que as autoridades angolanas acompanharam, conjuntamente com as autoridades portuguesas, os incidentes entre os moradores angolanos do bairro da Jamaica e a Polícia de Segurança Pública (PSP).
O ministro das Relações Externas de Angola não comentou a atuação da imprensa e das autoridades portuguesas neste caso, considerando que se trata de “uma matéria interna”. Por sua vez, sublinhou que “as autoridades angolanas não se fizeram acompanhar da imprensa, nem a chamaram para se fazer acompanhar”. E acrescentou ainda: “A nossa embaixada e o nosso consulado, sob nossa orientação, acompanhou a família afetada até ao tribunal que julgou o jovem que foi indiciado [por agressões a agentes da polícia]. O resultado desse julgamento foi aceitável e o jovem está em liberdade” e, por isso, “Angola fez o que tinha de fazer”.
Foi no decurso dessa conferência de imprensa que Manuel Augusto acabou por revelar que Augusto Santos Silva lhe ligou para pedir desculpas. “Teve a hombridade de me ligar, não só para apresentar desculpas, mas também para sublinhar a forma, com sentido de Estado, como as autoridades angolanas reagiram”, disse.
No entanto, depois das declarações do ministro angolano, o Ministério dos Negócios Estrangeiros não confirmou o pedido de desculpas. Em comunicado, o gabinete de Augusto Santos Silva avançou que os dois ministros falaram, de facto, por telefone – por iniciativa de Portugal –, logo depois dos incidentes no Bairro da Jamaica, a 20 de janeiro. O ministério acrescentou ainda que os dois abordaram a questão a 15 de fevereiro, em Luanda, mas, em qualquer um dos casos, a mensagem “foi sempre a mesma”: “lamentar a ocorrência daquele incidente”, “agradecer a forma como as autoridades angolanas – quer a embaixada em Lisboa, quer o Ministério do Interior – reagiram” e ainda “comunicar que Portugal manteria Angola informada dos desenvolvimentos e conclusões dos inquéritos em curso”.
Visão da PSP
Na sequência das declarações do ministro angolano, os sindicatos da PSP fizeram ouvir-se e garantem que a posição de Santos Silva, a confirmar-se, pode ser prejudicial e pode até influenciar a decisão dos tribunais sobre o caso. “Ou o ministro tem já conhecimento de uma decisão e não deveria ter ou está a condenar profissionais que até estiveram a agir de acordo com a lei”, disse Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, ao jornal Expresso. O presidente do sindicato vai mais longe: “Se calhar podia ser o governo de Angola a pedir desculpas às polícias portuguesas”.
Recorde-se que os incidentes no passado mês de janeiro e envolveram agentes da PSP da esquadra de Cruz de Pau, no Seixal, e alguns moradores do bairro. As imagens das agressões foram divulgadas nas redes sociais e deram origem a uma manifestação – logo no dia seguinte – na cidade de Lisboa, onde várias pessoas foram detidas por atirarem pedras aos agentes da PSP. Os protestos chegaram também os Seixal e os manifestantes estavam, sobretudo, contra os constantes abusos e atos de racismo por parte dos elementos das forças policiais. Entretanto, os incidentes no Bairro da Jamaica foram objeto de um inquérito aberto pelo Ministério Público. Foi também aberto um inquérito por parte da PSP, que está a ser acompanhado Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).