Carlos Pinto. “A minha vida foi devassada de uma forma escandalosa”

Carlos Pinto. “A minha vida foi devassada de uma forma escandalosa”


Carlos Pinto garante que apresentou “imediatamente” a demissão e critica a atuação da Justiça. O ex-autarca da Covilhã admite que este caso causou “incómodo”


Carlos Pinto, vice-presidente da Aliança, foi suspenso e classifica o caso judicial em que se viu envolvido como “uma monstruosidade”. Acredita que muitos eleitores do PSD vão votar na Aliança, mas preferia uma coligação pré-eleitoral entre os partidos de direita para tentar vencer a geringonça.

Foi acusado de peculato, prevaricação e participação económica pelo Ministério Público num caso relacionado com a construção de uma casa de família. Não teve dúvidas de que a melhor solução era afastar-se da direção da Aliança?

Essa notícia surpreendeu-me. Há cerca de dois anos um agente da Judiciária perguntou-me se podia encontrar-se comigo para me perguntar sobre dois pareceres da câmara. Lembrava-me vagamente da situação e o nosso encontro durou 40 minutos. Nunca mais tive contacto com esse processo. Trata-se de uma situação perfeitamente abstrusa. Isto nasceu, em 2015, de uma denúncia anónima sobre o meu património. O que está em cima da mesa, neste caso, é que não há factos concretos. A Justiça atua devassando, sem que a pessoa saiba, para no final de tudo chegarmos à conclusão que estamos a falar de atos administrativos. Tudo isto é uma monstruosidade e teve consequências políticas.  

Sentiu-se perseguido pela Justiça? 

A minha vida foi devassada de uma forma escandalosa. A intervenção da Justiça não pode ser feita desta forma. Qualquer pessoa pode pegar numa carta anónima e escrever sobre alguém sem factos e a Justiça atua devassando. O que digo é que há uma utilização dos processos judiciais para uso mediático. 

Ficou confortável com a decisão da Aliança de o suspender das funções que exercia?

Estava em Itália quando isto aconteceu e falei imediatamente com o Pedro Santana Lopes. Ele tinha acabado de tomar conhecimento e eu disse-lhe que ia ponderar o que fazer. A minha ponderação foi no sentido de apresentar a demissão de funções. Sei que o poder da comunicação é de tal maneira forte que o que fica nas pessoas é a ideia de que não há fumo sem fogo. Sou desprendido dos cargos e apresentei imediatamente a demissão. Evidentemente que esta situação causou incómodo num partido que está a começar. E, portanto, foi decidida a suspensão de funções.

Afastou-se completamente da Aliança ou continua a colaborar com o partido?

Sou militante de base. Vamos ver se permaneço nessa condição.

Pode sair do partido?

Está tudo em aberto, porque considero-me bastante injustiçado. 

O líder da Aliança, Santana Lopes, admitiu que ficou incomodado com este caso. Percebe essa posição?

Manifestou-me a sua solidariedade, mas este caso surpreendeu-o e incomodou-o. Como é óbvio. Criou-se aqui uma ideia de sensacionalismo em que os factos pouco valem. Evidentemente que, se uma pessoa tem funções num partido, o partido também sofre as consequências. Estou consciente disso. Cabe aos políticos terem serenidade e não irem nessas ondas. Não estamos na Inquisição em que se acusa e está feita a prova. Não estamos na Inquisição. 

Como é que vê o momento político atual e as dificuldades que a direita está a enfrentar desde a criação da geringonça?

O grande acontecimento na política portuguesa foi o surgimento da Aliança. O PSD e o CDS não foram capazes de interpretar e de reagir à situação que o país atravessa. Conformaram-se com um país que cresce, em média, menos de 2%. Estamos a falar de um país que todos os anos perde cerca de 100 mil pessoas para a emigração. A Aliança foi capaz de entender que é preciso mudar as coisas. Em seis meses é uma realidade partidária em Portugal e tem um discurso político autónomo. 

Não está a tentar ocupar o espaço do PSD?

Quantos PSD é que nós temos? Estamos a falar do PSD de Rui Rio ou de Passos Coelho? Há uma diferença enorme entre os dois. O PSD nunca ganhou o país como muleta do Partido Socialista. O PSD continua a dizer que espera entender-se com o Partido Socialista. A Aliança recusa esse caminho e Santana Lopes até já convidou os restantes partidos para uma coligação pré-eleitoral.

Rui Rio recusou uma coligação com o argumento de que não faz sentido Santana Lopes sair do PSD e no dia a seguir ir fazer uma coligação com o partido que abandonou.

Isso é uma análise muito pobre da realidade. A questão é que a dinâmica de uma coligação pré-eleitoral pode ser uma mais-valia para se chegar aos 116 deputados. A soma das dinâmicas dos três partidos numa coligação é superior à dinâmica de cada partido. Quem não aceita esta proposta tem de assumir as responsabilidades. 

O grande objetivo da Aliança é chegar ao poder?

Sempre que falamos no futuro dentro da Aliança foi com o objetivo de conquistar a alma e o coração dos portugueses. Sem isso não há democracia. E a seguir assumir responsabilidades no Estado. A todos os níveis. Quer ao nível da Europa, quer ao nível do governo ou das autarquias. É um partido de poder, porque tem um pensamento sobre a melhor estratégia para sair deste impasse.

Foi dirigente do PSD e presidente da Câmara da Covilhã. O que é que o levou a distanciar-se do PSD?

Passos Coelho teve uma intervenção de emergência no país e teve patriotismo para assumir os custos dessa intervenção. Mas o partido fez escolhas para o poder local que rejeitei e isso resultou no meu afastamento. Mas o essencial foi a minha convicção de que o PSD deixou de ter a perceção daquilo que o país precisava. Durante a troika não concordei com a ação do PSD na área da intervenção social. Houve medidas que achei pouco sagazes e pouco adequadas.

Faltou sensibilidade social?

Houve falta de sensibilidade dos limites e falta de distanciamento em relação às imposições da troika. Tenho muitos amigos no PSD, mas não tenho saudades.

Houve muitos casos de pessoas que saíram do PSD para a Aliança?

Houve alguns casos, mas a Aliança é um projeto que tem muita gente que não estava na política. Muita gente que não se revia nos partidos existentes e que olhou para a Aliança e quis entrar. 

A Aliança tem conseguido marcar a diferença em relação aos partidos tradicionais?

O que a Aliança veio dizer é que acabou esse tempo em que a esquerda se julgava senhora do país por virtude também de uma Constituição que até fala em socialismo. A Aliança veio quebrar esses tabus sem entrar em extremismos. 

Mas esta solução encontrada pela esquerda parece estar para durar. 

O que sei é que há muito descontentamento. Não sei se o PS ganha as eleições. Assistimos a muitos protestos dos portugueses e a muitas greves. Acredito, sinceramente, a seguir às europeias, que uma coligação pré-eleitoral tinha todas as possibilidades de ficar colada à maioria absoluta. Sem isso não sei. Não vejo que a atual solução governativa seja vista como um sucesso pelos portugueses. Este governo permitiu que o Estado estivesse ao serviço da manutenção desta coligação. 

O que é que seria um bom resultado para a Aliança?

Mais próximo das eleições europeias é possível ter uma maior sensibilidade sobre o resultado da Aliança, mas não se pode pedir a um partido político que antes de duas ou três eleições se comece a afirmar com toda a força. Não ficarei eufórico se os resultados forem muito bons, mas também não ficarei deprimido se os resultados, nas europeias e nas legislativas, forem menos bons. Há cerca de um mês houve um estudo interno que dizia que o conhecimento da Aliança não passava dos 22%.  A campanha eleitoral vai ajudar a perceber melhor como é que as coisas vão correr. Julgo que vamos eleger deputados e estou convencido de que a Aliança tem um papel importante a desempenhar no país. Portugal precisa de reformas profundas para romper com o sistema atual e não há dúvida nenhuma que quem corporiza essa ideia é a Aliança. 

Espera roubar votos ao PSD?

Há muita gente descontente com o PSD e com o rumo do PSD. O PSD tem um discurso ambíguo e haverá muita gente que prefere a clareza da Aliança.