Serralves. Philippe Vergne sucede a João Ribas à frente do Museu

Serralves. Philippe Vergne sucede a João Ribas à frente do Museu


O curador francês assume o posto deixado vago em setembro passado depois da intempestiva saída de João Ribas, que acusou a admninistração de sistemática ingerências nas suas funções


O aparente vácuo na direcção artística do Museu de Serralves está sanado. O Conselho de Administração anunciou hoje a nomeação do curador francês, de 52 anos, Philippe Vergne, que assumirá funções em abril. No comunicado enviado à imprensa, a Fundação explica que a escolha se seguiu a um processo de selecção internacional, com entrevistas a candidatos de várias partes do mundo. Para esse efeito, o conselho de administração consultou um grupo de eminentes directores de museus, entre os quais alguns dos antigos directores do Museu de Serralves, como é o caso de Suzanne Cotter, actual diretora do MUDAM, no Luxemburgo, e Vicente Todoli, que hoje dirige o Pirelli Hangar Bicocca, em Milão. As outras personalidades ouvidas foram Frances Morris, diretora do Tate Modern, em Londres, Jochen Volz, diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo e Laurent Le Bon, presidente do Museu Nacional Picasso, em Paris.

Na nota enviada às redacções, Serralves diz que o novo responsável pela direcção artística do museu tem uma “carreira sólida, desde sempre ligada à arte contemporânea” e já “liderou algumas das mais prestigiadas instituições de arte dos EUA e da Europa”, vincando o quanto pesou na escolha a sua “experiência de 25 anos de liderança em várias instituições internacionais”. Depois de elaborada uma lista de candidatos, a decisão de eleger Vergne foi tomada de forma “unânime” pelo Conselho de Administração e dos seus assessores, adianta o comunicado.

“Philippe Vergne junta-se a Serralves com um profundo conhecimento da arte e cultura contemporâneas bem como da gestão de museus”, sublinha a administração. Depois da demissão de João Ribas, que abandonou a direcção do museu no dia subsequente à inauguração da exposição do fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe acusando a administração de sistemática ingerência nas suas funções, desencadeando uma polémica em que, ao fim de cinco meses, numa guerra de palavras de parte a parte, não se dissiparam inteiramente as dúvidas sobre o que levou à ruptura dentro da instituição e ficou claro que tem faltado transparência na forma como é dirigida uma instituição altamente subsidiada pelo Estado, num valor que representa mais de metade do seu orçamento. Além do das críticas de que tem sido alvo o conselho presidido por Ana Pinho, ficou claro que a exposição de Joana Vasconcelos, “I’m Your Mirror”, que chegou este mês a Serralves não fora uma opção nem de Susanne Cotter nem de João Ribas, que assumiu a direcção do museu em janeiro de 2018, também na sequência de um concurso internacional.

Sobre o novo director artístico, o comunicado da Fundação não lhe poupa elogios, descrevendo-o como “um notável curador, [que] traz uma visão artística sólida e inspiradora não só para o museu e para a colecção, mas também para o extraordinário património da Fundação de Serralves e do seu parque histórico”. Sem qualquer menção à crise dos últimos meses, período durante o qual o museu foi dirigido interinamente por Marta Almeida, e Ana Pinho prefere assinalar a abertura de um novo capítulo com esta nomeação, referindo que “Philippe Vergne é internacionalmente reconhecido entre artistas, profissionais de arte e patronos, e a sua nomeação abre um novo e significativo capítulo para Serralves, no excepcional momento em que celebramos os 30 anos da sua criação”.

Só este mês Vergne se libertou do vínculo que o ligava desde 2014 ao Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles (MOCA), instituição que dirigia há quatro anos. No passado mês de maio, depois de dois meses de intensa especulação, Vergne anunciou que, numa decisão por mútuo acordo com o conselho de administração do museu norte-americano, não iria renovar o contrato. Em abril do ano passado, um mês depois de Vergne ter demitido a sua principal curadora, Helen Molesworth, causando algum choque no mundo das artes, foi noticiado que ele tinha colocado a sua mansão em Hollywood Hills, avaliada em 4 milhões de dólares, no mercado.

Vergne tinha chegado ao MOCA, em 2014, num período bastante complicado e em que se chegou a aventar a possibilidade do museu criado por artistas fechar as portas. A contratação de Molesworth foi muito bem recebida, e ao longo do mandato o curador francês conseguiu devolver o museu a uma situação financeira estável, partindo com uma bolsa que ficara reduzida a 5 milhões de dólares, e deixando-a nos 125 milhões de acordo com museu. Ao mesmo tempo, também a equipa do museu aumentou e 40 para 60 funcionários. Mas a tensão entre Vergne e Molesworth, que acabou por conduzir ao afastamento desta justificado por “diferenças criativas”, segundo Julia Halperin (num artigo do site Artnet), esteve ligado à forma como o programa de exposições do MOCA começou a mostrar-se “bifurcado, com os projectos organizados por Molesworth a apostar em nomes menos conhecidos, com prevalência de artistas mulheres e de minorias étnicas, ao passo que as exposições organizadas por Vergne privilegiavam temas e figuras mais espampanantes e mais atractivas do ponto de vista do mercado de arte”.

Antes de liderar o MOCA, o francês passou cinco anos à frente do Dia Art Foundation, em Nova Iorque, durante cinco anos, onde ganhou reputação como um curador que criava laços fortes com os artistas e que era muito competente na hora de buscar financiamento. Antes de chegar aos grandes centros na costa leste e oeste, Vergne foi director adjunto e curador chefe do Walker Art Center, em Minneapolis, onde trabalhou durante uma década, tendo integrado a equipa que liderou o plano de expansão da instituição com projecto de arquitectura do gabinete suíço Herzog & de Meuron. Na Europa, Vergne foi o primeiro director do Museu de Arte Contemporânea de Marselha, França.
Trabalhando como director ou curador desde 1992, e tendo publicado diversos livros, catálogos e ensaios, Vergne começou por se licenciar em direito na Universidade Pantheon-Assas, Paris II, e em arqueologia e história de arte moderna pela Universidade de Paris IV, Sorbonne, onde continuou os seus estudos em história de arte, obtendo um mestrado e um Diplôme d’Etudes Approfondies. Em 2014, foi condecorado com a Légion dHonneur em reconhecimento pelos seus 24 anos de serviço à arte. Recebeu ainda a distinção de Chevalier dans l'Ordre des Arts et des Lettres, concedida pelo governo francês em 2004.