Paços de Ferreira. Nova direção da cadeia quer arrumar casa depois de “o poder ter caído na rua”

Paços de Ferreira. Nova direção da cadeia quer arrumar casa depois de “o poder ter caído na rua”


Ontem houve uma segunda busca no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira. A nova diretora, Isabel Paulo, e a chefe dos guardas, Refina Carmo, são as mulheres que querem levar a ordem para a cadeia onde tudo estava descontrolado


As situações de indisciplina que se têm vivido nas últimas semanas no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira começaram a ser travadas pela nova diretora daquela cadeia, em colaboração com a chefe dos guardas Regina Carmo, adjunta do comissário prisional Joaquim Sousa – um oficial que continua a ser contestado pela maioria do corpo da guarda prisional.

Depois de o “JN” ter denunciado os vídeos com reclusos a drogarem-se e a festejarem com música a alto e bom som o aniversário de um deles – três filmes que desafiavam a autoridade que já não havia na cadeia de Paços de Ferreira – repor a legalidade é a palavra de ordem para a nova diretora. Isabel Paulo interrompeu a comissão de serviço à frente do Estabelecimento Prisional de Braga para tomar as rédeas de uma cadeia que “estava sem rei e sem roque”, tendo já havido duas rusgas internas em pouco mais de uma semana.

Se a primeira operação, no Pavilhão A, teve o impulso da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, levando à apreensão de 79 telemóveis, droga e até de um passaporte, a rusga de ontem partiu da própria diretora, tendo sido desta vez confiscados 18 telemóveis, seringas, drogas e equipamentos eletrónicos – diversos objetos proibidos que estavam no Pavilhão B, onde reinava indisciplina e eram muitos os desafios à autoridade.

Na primeira rusga, realizada a 15 de fevereiro, foram empenhados operacionais do Grupo de Intervenção e Segurança Prisional (GISP), quer do 1ª Esquadrão (Lisboa), quer do 2º Esquadrão (Porto), envolvendo uma centena de efetivos. Ontem foram cerca de metade os elementos da polícia destacados, sendo que em ambos os casos participaram guardas daquele estabelecimento – a operação contou ainda com o apoio de cães especialistas na deteção de vários tipos de droga.

Na busca que terminou na madrugada de ontem, já por volta das quatro da manhã, foram apreendidos, além dos telemóveis e de seis seringas, dois gramas de uma substancia que se presume ser estupefaciente, um recipiente com fruta fermentada, uma arma branca de fabrico artesanal e alguns produtos alimentares cuja posse não é permitida nas celas – bem como de alguns equipamentos elétricos autorizados, como televisões e consolas PlayStation, mas que apresentavam quebra dos selos de segurança, conforme revelou a tutela.

“A busca decorreu sem que se tivesse verificado qualquer tipo de incidentes e os reclusos em cuja posse foram apanhados os objetos e bens ilícitos serão objeto do procedimento”, acrescenta a nota ontem emitida pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

As situações anómalas que têm sido reveladas já tinham sido há muito diagnosticadas e comunicadas pelos canais próprios à tutela, sempre pelo Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, e são o culminar de um processo em que “o poder tinha caído na rua”.

Todas as fontes que o i contactou, garantem que “os guardas eram desautorizados pela direção e pela chefia”, exigindo-se agora o “afastamento imediato” do comissário prisional Joaquim Sousa, porque “estando há mais de 30 anos consecutivos sempre a desempenhar as funções no mesmo estabelecimento, de Paços de Ferreira, foi vítima de si próprio, foi apanhado pela rotina”.

O i não conseguiu chegar à fala com o comissário prisional Joaquim Sousa, para ouvir a sua versão quanto ao descontentamento generalizado manifestado por guardas prisionais.

Clima de impunidade Segundo as fontes ouvidas, foi o “clima de impunidade” reinante entre presos a permitir que se tivesse chegado tão longe, o que se terá devido a dois factos “mortais” no meio prisional: “O não despachar pela anterior direção de umas centenas de participações disciplinares devido a casos, alguns muito graves, cometidos por reclusos”; e o facto de, “nos poucos casos em que havia castigos, em vez de os detidos irem cumprir as sanções para celas disciplinares (o ‘mouco’, na gíria prisional), serem mantidos nas suas mesmas celas a ‘cumprir’ tais castigos, que levava a chacota entre eles”.

Não por acaso, a nova diretora de Paços de Ferreira, Isabel Paulo, tem passado bastantes horas a despachar processos disciplinares a reclusos, até porque havia a iminência de muitas prescrições, para além do permanente clima de impunidade.

Na semana passada a ex-diretora, Fernanda Barbosa, foi obrigada a demitir-se, para não ser afastada, não só pela indisciplina reinante naquela cadeia, como pela prestação na Assembleia da República, onde a sua inquirição terá deixado os deputados muito mal impressionados. Com o seu comportamento e com as suas “explicações”, havendo perplexidade entre os parlamentares.

Estes factos que são comentados em surdina pela “maioria silenciosa” não só dos guardas do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, foram já ontem, ponto por ponto confirmados pelo presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, Jorge Alves. “não me surpreendeu nada o caso a que aquilo chegou”, disse.

Jorge Alves confirmou todas as informações a que i teve acesso, mostrando-se “aberto a colaborar ativamente para a melhoria dos serviços prisionais, o que é bom para todos os profissionais que prestam serviço neste setor e querem o melhor”.

Por outro lado, segundo o i ouviu ontem junto de algumas fontes dos serviços prisionais, “ninguém tem memória de tanta indisciplina em tão pouco tempo num único estabelecimento prisional, todos sentem vergonha alheia do estado a que isto chegou”.

Entretanto, a direção do Estabelecimento Prisional de Braga está a ser assegurada desde esta semana em regime de acumulação pelo diretor de Guimarães, Machado Soares, como decidiu o diretor-geral da Reinserção e Serviços Prisionais, Rómulo Augusto Mateus, que recentemente substituiu Celso Manata, também ele um magistrado do Ministério Público.