Montepio. Permanência de Tomás Correia nas mãos de Vieira da Silva

Montepio. Permanência de Tomás Correia nas mãos de Vieira da Silva


A Associação Mutualista Montepio Geral continua a ser tutelada pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social, que poderá dar a indicação, nem que seja informal, para que Tomás Correia saia da liderança ou que sejam convocadas eleições antecipadas


A permanência de Tomás Correia à frente da liderança da Associação Mutualista Montepio Geral (ANMG) depende de uma decisão política, apurou o i junto de várias fontes do setor. A explicação é simples: apesar de já ter entrado em vigor o novo código das mutualistas, o ministério do Trabalho e da Segurança Social continua a tutelar a entidade. O i sabe que Tomás Correia está nas mãos de Vieira da Silva, que “informalmente poderá dar a orientação de que este pode não continuar no seu cargo”, de modo a fechar estas polémicas em torno da associação antes das próximas eleições para que o tema não entre na agenda política.

Ainda na sexta-feira, a Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) admitiu que ainda não podia pronunciar-se sobre a sua idoneidade, uma vez que continua sem a pasta de supervisão da Mutualista.

O responsável pelo regulador dos seguros explicou também que só após o período de convergência, que pode demorar até 12 anos, da mutualista com o setor segurador é que caberá à ASF essa competência. Uma interpretação que vai ao encontro do que tem sido dito pelo presidente da Mutualista. “Durante o período de transição não cabe à ASF fazer essa avaliação”, revelou na sua tomada de posse.

Uma garantia que foi afastada pelo governo, ao afirmar que caberá à Autoridade de Seguros cumprir essa tarefa. Ainda assim, deixa a porta aberta para o facto Executivo continuar a ser responsável pela área da segurança social. “Nos termos do novo código das Associações Mutualistas (CAM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2018, de 2 de agosto, e em particular após a emissão do Despacho n.º 11392-A/2018, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões passou a dispor de poderes relativamente à AMMG, sem prejuízo das competências do membro do governo responsável pela área da segurança social”, disse o ministério do Trabalho e das Finanças, em comunicado conjunto, acrescentado ainda que “estas disposições incluem a análise sobre matéria da idoneidade dos membros dos órgãos de administração das associações mutualistas abrangidas pelo regime transitório de supervisão previsto no CAM”.

A verdade é que o regulador está em mudanças em termos de direção. José Almaça terminou o seu mandato há mais de um ano e será substituído por Margarida Corrêa de Aguiar, ex-secretária de Estado da Segurança Social de Bagão Félix e consultora do Banco de Portugal. Esta será acompanhada pelo ex-ministro da Economia do atual governo, Manuel Caldeira Cabral, agora deputado do PS, para vogal da administração. Ou seja, duas nomeações feitas pelo Executivo.

Também o Banco de Portugal (BdP) está afastado desse papel, já que apenas supervisiona as instituições financeiras, nomeadamente o banco da Mutualista.

Em causa está a condenação, por parte do BdP, de Tomás Correia, que terá de pagar uma multa de 1,25 milhões de euros, depois de o regulador ter detetado falhas enquanto exercia o cargo de presidente do agora denominado Banco Montepio, entre 2008 e 2015. O responsável já revelou que vai recorrer da decisão e que não vê motivos para sair da liderança da Associação Mutualista. Este processo começou em 2014, com a auditoria forense à Caixa Económica Montepio Geral.

Entre os crimes, além de falhas no controlo interno, o Banco de Portugal aponta o não respeito pelas normativas definidas nos regulamentos, que justificaram a concessão de crédito de financiamentos de elevado montante a alguns clientes, nomeadamente a Paulo Guilherme e a José Guilherme.

As relações de Tomás Correia com o empresário da construção civil José Guilherme também foram investigadas pelo Ministério Público. Tomás Correia é suspeito de ter recebido 1,5 milhões do construtor, uma transferência que estará relacionada com a aprovação de um financiamento de 74 milhões da caixa económica, sob a sua liderança, para a compra do Marconi Parque, na Serra de Alfragide, Amadora. Para já, ainda não é conhecida nenhuma decisão por parte do Ministério Público.

Além de Tomás Correia, outros sete administradores executivos também foram condenados, assim como a instituição financeira do Montepio, que terá de pagar uma multa de 2,5 milhões de euros. Ao todo, foram identificados sete tipos de ilícitos. A par das multas, a entidade liderada por Carlos Costa decretou ainda a inibição de atividade no setor financeiro.

Novas eleições O ministério de Vieira da Silva também pode intervir na matéria de revisão de estatutos, dando orientação política para que sejam convocadas novas eleições na Mutualista ainda este ano. Esta hipótese já tinha sido avançada pelo semanário “Sol”, ao revelar que a entidade pode ir novamente a eleições já em 2019 devido aos novos estatutos, que terão de ser aprovados e publicados até 2 de setembro de 2019, tal como está previsto por lei, em resultado da promulgação do novo código mutualista.

Ao mesmo tempo, terá de ser criada uma comissão de revisão dos estatutos. E, para isso, poderão ser convocadas várias assembleias-gerais no decorrer do próximo ano. Terá ainda de ser criada uma assembleia de representantes para assegurar a “adequada representação dos associados por áreas geográficas, locais de trabalho ou grupos profissionais”, segundo o novo código. E é aqui que surgem as incertezas. Tal como o “Sol” avançou, os novos estatutos poderão obrigar a que sejam realizadas novas eleições, uma vez que o atual presidente foi eleito ao abrigo dos antigos estatutos. O mandato dura três anos, ao passo que, com as novas regras, a duração se estende para quatro anos. Este novo órgão poderá querer levar a cabo um novo ato eleitoral para legitimar o novo presidente da mutualista.

Esta assembleia de representantes terá o poder não só de aprovar e alterar estatutos como também de fixar a remuneração dos membros dos órgãos sociais, aprovar contas e ainda fiscalizar os órgãos sociais, entre outras competências. E aqui surgem mais incertezas. O novo órgão vem substituir o conselho geral agora eleito. A lei permite a existência das duas estruturas, mas o “Sol” sabe que a associação admite não fazer sentido manter uma duplicação de funções e de custos. Isto significa que os novos elementos do conselho geral – Maria de Belém (lista A), Costa Pinto (lista B) e Alípio Dias (lista C) – poderão nem sequer fazer um ano de mandato.

E as alterações não se ficam por aqui. Vai também passar a existir uma limitação no número de mandatos (três). Além disso, são introduzidos critérios de elegibilidade mais exigentes para os titulares dos órgãos sociais. Para reforçar e garantir a sustentabilidade dos produtos das mutualistas são introduzidos mecanismos automáticos de reequilíbrio entre quotas e benefícios das modalidades que os associados podem subscrever.

Opositores pedem saída Face à condenação por parte do Banco de Portugal, as listas derrotadas nas últimas eleições já vieram defender eleições antecipadas na Associação Mutualista Montepio Geral. “Era a forma de repor a legitimidade, de repor a confiança, em defesa da instituição, dos associados e dos trabalhadores”, disse António Godinho, que no ato eleitoral de dezembro ficou em segundo lugar (com 36,3% dos votos), atrás da Tomás Correia, que com 43,2% dos votos assumiu o seu quarto mandato à frente da mutualista.

Para o candidato derrotado, esta condenação vem alterar os pressupostos de Tomás Correia quando se recandidatou, uma vez que o fez dizendo que “tinha a certeza de que não seria condenado e que tinha toda legitimidade ética para se candidatar”. “Hoje sabemos que não é assim”, disse Godinho, que defendeu que haja uma “posição do governo, das entidades oficiais, sobre o tema” para afastar Tomás Correia.

Também Fernando Ribeiro Mendes, que pertenceu à administração de Tomás Correia, de quem se afastou e concorreu nas eleições de dezembro (tendo conseguido 20,5% dos votos), defendeu eleições internas. “São 600 mil pessoas que depositam as suas poupanças ali e como vão manter a confiança na organização que tem como presidente uma pessoa que o Banco de Portugal não considera idónea para gerir bancos? O que seria decente era [Tomás Correia] sair, mas como já deu sinal de que não o fará tem que haver um sobressalto interno para o afastar, novas eleições”, afirmou.

No entender de Ribeiro Mendes, tendo a assembleia-geral o poder para convocar eleições antecipadas, os órgãos de governo interno da mutualista deveriam reunir-se para se entenderem numa linha de ação. E considera que meterem “a cabeça na areia é o caminho para o desastre”.

E em relação à ASF, o ex-administrador não tem dúvidas. A supervisão “não pode ficar 12 anos à espera de exercer poderes na idoneidade”.