Governo de Maduro vale o seu peso em ouro

Governo de Maduro vale o seu peso em ouro


O executivo venezuelano tem recorrido cada vez mais ao ouro para financiar o Estado e adquirir alimentos. Centenas de milhares de garimpeiros procuram na selva o metal precioso que Caracas vende no estrangeiro, sobretudo à Turquia.


A crise aguça o engenho e o governo de Nicolás Maduro tem-se voltado para o ouro como forma de angariar as receitas que tanto necessita. Para isso conta com um exército de 300 mil caçadores de fortuna que com pás e picaretas procuram na selva encontrar o metal precioso que depois vendem ao Estado.

Desde 2016, o executivo venezuelano já comprou 17 toneladas de ouro aos seus garimpeiros (“mineiros artesanais” como lhes chama o governo), cujo valor ascende a 650 milhões de dólares (574 milhões de euros), de acordo com os últimos dados do Banco Central da Venezuela (BCV).

Maduro chegou mesmo a lançar em agosto do ano passado um plano nacional de poupança assente no ouro, vendendo o Estado pequenos lingotes de 1,5 e 2,5 gramas à população. “O Estado, toda a gente está a comprar ouro, porque é o que está a dar”, afirmou à Reuters Jhony Díaz, grossista de Puerto Ordaz.

Segundo a investigação da agência, que falou com mais de 30 pessoas envolvidas em todos os níveis do processo, desde as minas até ao BCV, o governo usa o ouro para importar alimentos e produtos essenciais. É a sua forma de conseguir as divisas que precisa, principalmente agora que os Estados Unidos resolveram impedir o executivo de Maduro de ter acesso ao dinheiro que as empresas norte-americanas pagam pelo petróleo venezuelano, passando essa autorização para Juan Guaidó, o autoproclamado presidente interino e que Washington reconhece como legítimo representante político da Venezuela.

Tal como fez com o petróleo, os EUA procuram agora também dificultar o negócio do ouro venezuelano, de modo a asfixiar as estruturas do Estado e obrigar o presidente da Venezuela a deixar o poder. A administração norte-americana está inclusivamente a pressionar o Banco de Inglaterra para que não deixe o governo de Maduro aceder aos 1200 milhões de dólares em lingotes que a Venezuela tem guardados nos cofres da instituição britânica.

Uma venda de ouro aos Emirados Árabes Unidos foi cancelada há dias e a empresa emiradense Noor Capital, que adquiriu três toneladas de lingotes a 21 de janeiro, referiu à agência que não tem prevista mais nenhuma compra.

Também a oposição tem procurado arranjar formas de contrariar este negócio, apelando aos governos e às empresas estrangeiras que não negoceiem o metal precioso com o executivo venezuelano. “Vamos proteger o nosso ouro”, afirmou à Reuters o deputado Carlos Paparoni, da oposição.

Contra isso, tem Maduro um aliado, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan: a maioria do ouro venezuelano é vendido às refinarias turcas, parte dele usado para comprar pacotes de massa e leite em pó de fabrico turco que podem ser encontrados agora nos cabazes de alimentos distribuídos pelo governo à população mais pobre. Em 2016, a Turkish Airlines começou a fazer um voo semanal entre Caracas e Istambul que, mais do que passageiros, que não são muitos, transporta o ouro.

Com o setor mineiro nacionalizado e as empresas com os mesmos problemas do executivo para se financiar, o governo recorre aos milhares de mineiros, muitos deles sem documentos, que extraem o ouro das minas. E consegue comprar o ouro porque o faz através de intermediários e pagando acima da média, evitando assim que este seja contrabandeado para fora do país. E paga utilizando como referência a taxa de câmbio do mercado negro e não a taxa de câmbio oficial que não reflete a desvalorização real do bolívar.

O ouro depois é levado para a empresa mineira pública Minerven, onde é derretido nos seus fornos, antes de ser transportado em barras para os cofres do banco central, em Caracas. Apesar do ritmo dos milhares de garimpeiros, esses novos lingotes não chegam para repor as reservas de ouro que se reduziram ao nível mais baixo dos últimos 75 anos, tal é o ritmo que o governo se vê obrigado a usá-lo para pagar as contas públicas e comprar alimentos.

Na semana passada, Maduro disse aos jornalistas que o governo está a contar triplicar a produção no primeiro semestre. “Sobram-nos os compradores de ouro”, disse o presidente. “O modelo anda muito bem”, acrescentou. Donald Trump assinou uma ordem executiva que impede os cidadãos dos EUA de adquirirem ouro venezuelano, só que a ordem não se estende a cidadãos e empresas de outros países como acontece nas sanções ao Irão.