A primeira avaliação da aplicação da convenção europeia sobre violência contra as mulheres em Portugal salienta que as condenações por violação continuam muito baixas e os processos legais expõem as vítimas a “uma vitimização secundária” por causa dos estereótipos sociais. Além disso, falta apoio e proteção às vítimas e coordenação entre os tribunais criminais e os tribunais de família.
“Os níveis muito baixos de denúncias e condenações pela ofensa de violação demonstram a necessidade premente de concentrar atenções na ausência de consentimento da vítima”, lê-se no primeiro relatório de avaliação da aplicação da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, habitualmente denominada como Convenção de Istambul em Portugal.
O relatório do GREVIO (Grupo de Especialistas na Ação contra a Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica), a que o i teve acesso, elaborado com base em dados recolhidos até outubro de 2018, salienta o empenho das autoridades em combater a violência contra as mulheres e o seu trabalho pioneiro para acabar com a mutilação genital feminina. No entanto, identifica a existência de “algumas lacunas importantes ainda existentes”.
Nomeadamente, o facto de a violência doméstica continuar a ser encarada como de “natureza subsidiária” em relação a outros crimes. “Quando foi cometido um crime mais grave numa relação íntima, como a violação, a acusação geralmente é a da ofensa mais grave”, diz o relatório. Algo que os especialistas consideram que acaba por “obscurecer a dimensão de género da violência doméstica”.
É por isso que, referem os dez especialistas independentes do GREVIO, “as condenações por violência doméstica continuam a ser baixas e a pouca informação disponível em relação à violência contra as mulheres confirma essa tendência”.
A somar a isso, os processos legais “continuam a expor as vítimas ao risco de vitimização secundária”, isto é aos estereótipos de uma sociedade, “transmitindo a noção de que as vítimas mentem sobre a violência doméstica e/ou o abuso sexual dos seus filhos e alienam os seus filhos do familiar violento”.
De acordo com o relatório, Portugal ainda tem muito a fazer no que diz respeito “à proteção das vítimas e ao apoio durante o processo legal”. Nomeadamente em relação a ordens de restrição e de proteção, de acordo com as exigências da convenção, especificadas nos Artigos 52.º e 53.º.
Tribunais de família
Outro dos pontos salientados pelos especialistas do GREVIO prende-se com a coordenação entre os tribunais criminais e os tribunais de família.
“Apesar dos passos iniciais dados pelo legislador para assegurar a coordenação entre os tribunais criminais e os tribunais de família, o relatório descobriu que as decisões dos tribunais de família sobre a custódia e os direitos de visita não dão a devida consideração aos direitos das vítimas e ao impacto da violência contra as mulheres no testemunho de crianças na determinação do melhor interesse da criança”.
Os especialistas dizem que é uma “necessidade urgente” de assegurar que as instituições envolvidas, incluindo os juízes dos tribunais de família, seguem uma abordagem unificada que dê prioridade à necessidade de proteção e segurança das vítimas de violência doméstica e que reconheça que as crianças que assistem à agressão de um dos pais são tão vítimas de agressão quanto os pais.