Foi António Filipe Pimentel quem, há pouco mais de dois anos, alertava para a falta de condições da instituição que dirige, dizendo que «um destes dias há uma calamidade no museu». Trata-se do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), um dos principais museus nacionais, e Pimentel acusava a tutela de andar a «brincar ao património». De lá para cá pouco terá sido feito, e o historiador de arte de 59 anos decidiu pôr fim à sua comissão de serviço no início do verão, depois de quase uma década na liderança de uma equipa que desenvolveu um trabalho amplamente elogiado, apesar dos constrangimentos orçamentais, e com falta de pessoal. «São 64 pessoas», lembrava na intervenção que fez em 2016, notando que, para a totalidade das funções do museu, não apenas para a vigilância, 64 pessoas «para 82 salas abertas ao público».
Pimentel anunciou a sua decisão numa reunião no Palácio Foz, em Lisboa, que a ministra da Cultura, Graça Fonseca, convocara para que fosse discutida a proposta de decreto-lei para a autonomia destes equipamentos afectos à Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), diploma que tem sido alvo de críticas por vários profissionais do sector. Na reunião estiveram presentes os outros directores dos museus, palácios e restantes monumentos da DGPC, assim como os directores regionais de Cultura.
Em declarações ao jornal Público, o diretor do MNAA confirmou que não se vai recandidatar ao cargo quando terminar o mandatom, adiantando que tendo já tornado públicas as suas reservas relativamente àquela proposta de decreto-lei que a tutela preparou ainda com Luís Filipe Castro Mendes no ministério. Concordando com o objetivo da legislação, Pimentel considera que esta fica aquém do esperado, não dando autonomia plena aos museus e frustrando, por isso, o propósito assumido pelo líder do executivo, António Costa, de, com a maior urgência, tornar mais ágil a gestão dos museus e monumentos nacionais. Em julho de 2018, o Público revelou um comentário escrito que o director do MNAA fez chegar ao gabinete de Castro Mendes e em que expremia o seu descontentamento, sentindo que fora deliberadamente afastado do debate em torno de um decreto-lei que teria entre os seus principais objectivos o de retirar a Arte Antiga o seu estatuto de «primeiro museu nacional»
Num artigo de opinião que assinou, posteriormente, no mesmo jornal, Pimentel sublinhava o facto de, na sua atual forma, este manter os museus dependentes em termos fiscais da DGPC, não tendo número de contribuinte próprio nem autonomia nesse aspeto. «Sem autonomia fiscal, não existe autonomia, e a necessária mediação das tutelas em todo o tipo de ato administrativo irá converter o ‘novo paradigma’ numa falácia, fazendo desabar, sobre serviços depauperados e desguarnecidos de recursos técnicos e humanos, uma carga imensa, acrescida de uma desumana responsabilidade», escreveu Pimentel.
O director-adjunto do MNAA, José Alberto Seabra Carvalho também cessará as suas funções em junho «por solidariedade» com Pimentel, que o convidou para o cargo. O historiador de arte de 66 anos que integra os quadros do museu há quase 30 anos, disse ao Público que não faz sentido continuar: «Dá-se a coincidência de eu atingir, a meio do ano, a idade da reforma, mas eu nunca ficaria com responsabilidades de direcção sem o António Filipe Pimentel. Numa direcção bicéfala como esta, as funções são diferenciadas — eu assumo mais o papel de responsável pelas colecções e o António uma visão de conjunto, estratégica — mas só há um corpo.»