Os Estados Unidos vão voltar a cair este ano no Índice Global de Felicidade das Nações Unidas, numa tendência já salientada no “Happiness Report 2018”, publicado em março deste ano referente aos dados de 2017. Quem o diz é Ludvig Lindström, fundador da Global Happiness Organization, ao i. O relatório referente aos dados deste ano só será publicado em março de 2019, mas o que se viu no último foi os EUAem 18.º, quatro lugares abaixo do que tinha ficado no anterior. O pior posicionamento desde que o índice começou a ser produzido pela ONU em 2012.
“Podemos ver que os Estados Unidos têm vindo a retroceder na última década. Têm alguns problemas, como a epidemia da obesidade, drogas e doenças mentais, que se reforçam mutuamente”, explicou Ludvig Lindström. “O sistema político norte-americano também produz muita desigualdade e as condições socioeconómicas são um fator de risco para a saúde mental e física, a que se soma o facto de a saúde ser muito cara”. E, ao contrário do que tinha prometido com o slogan “Make America Great Again”, a situação não mudou desde que Donald Trump chegou à Casa Branca, bem pelo contrário, piorou.
Uma imagem que não deixa de contrastar com a dos países que ocupam o topo do ranking mundial: os nórdicos. A liderar está a Finlândia, que este ano conseguiu ultrapassar a Noruega. “Têm riqueza, liberdade individual e Estado social, pouca corrupção e grande confiança no Estado e suas instituições, mas também entre cidadãos”, explica Lindström, que é sueco. Além disso, continua, há décadas que não vivem uma guerra. Já Portugal está no 61.º lugar, com o relatório a dizer que o país “mostra uma ligeira melhoria” a partir de 2015, depois de anos em que a felicidade caiu na sequência da crise económico-financeira e das políticas de austeridade.
No entanto, nem tudo é um mar de rosas na Europa do Norte: a depressão e a ansiedade são as grandes preocupações sociais numa região onde o sol não abunda. “O combate à depressão e ansiedade é muito importante se quisermos aumentar a felicidade, porque as doenças mentais são uma das principais causas da infelicidade do mundo”, explica o especialista. Não poucas vezes, as causas da depressão e ansiedade estão relacionadas com a condição socioeconómica, mas nos países nórdicos esse não parece ser geralmente o caso, o que não deixa de surpreender. No resto do mundo, esse problema é comummente relacionado com relações laborais débeis e baixos salários, ambientes familiares fraturados e poucas oportunidades de vida, culminando em pobreza. O aumento das doenças mentais, continua Lindström, “precisa de ser uma prioridade para os governos”, ressalvando que “pouparia imenso dinheiro às sociedades” se o trabalho de prevenção fosse feito.
É precisamente esse o principal contributo que o relatório pretende dar a todos os governos e suas populações: “Permitir saber quais as políticas públicas que aumentam a felicidade e quais as que não funcionam”. E, questionado sobre se a atenção dos governos a este indicador aumentou, o especialista não tem dúvidas que estão a “ficar mais interessados” em consequência de a comunidade científica, os média e as pessoas comuns estarem a referir-se a ele mais vezes.
A felicidade não chega a todos Quando surgem nas notícias não o são pelas melhores razões: guerras civis, genocídios, golpes de Estado, instabilidade política, casos de corrupção ou pobreza extrema. E raramente se sabe como as populações veem o seu futuro e se sentem. O ranking veio tentar emendar essa situação mostrando quais os países mais infelizes do mundo. O cenário já era expectável, mas nem por isso deixa de ser curioso: Síria, Togo, Ruanda, Costa de Marfim, Comores, Sudão do Sul, Guiné Conacri, Geórgia, Benim, Níger e Afeganistão estão na cauda do pelotão da felicidade.
“Podemos dizer que os mais infelizes são os africanos e os da Europa de Leste”, considera o especialista, explicando: “Em África temos guerras civis e falta de alimentos e abrigo e desigualdades sociais em que uns são muito ricos e outros muito pobres”. A corrupção é outro dos fatores, fragilizando a confiança das populações nos governos e instituições do Estado. Todavia, há certos países omissos no relatório por falta de dados, como é o caso da Coreia do Norte.
A ideia da felicidade Há muito que os governantes dizem querer fazer as populações felizes, mas só recentemente começou a surgir a ideia de se medir a felicidade como indicador do bem-estar das populações. Começou no pequeno reino do Butão, em 2011, substituindo o tradicional Produto Interno Bruto (PIB) como principal indicador da prosperidade de um país – curiosamente o Butão ficou este ano no 97.º lugar.
O PIB pode crescer quase ininterruptamente, como foi o caso da Colômbia entre 1960 e 2015, excetuando em 1999, mas não quer dizer que as populações sejam mais felizes e as desigualdades sociais menores, mostrando-se como indicador débil só por si, ainda que útil à falta de outros. O conceito de PIB foi desenvolvido por Simon Kuznets em 1934 e desde essa altura, principalmente depois da II Guerra Mundial, que se tornou no principal indicador económico.
Foi neste contexto que o relatório das Nações Unidas começou a ser produzido em 2012. Para medirem a felicidade, os especialistas usaram seis variáveis: PIB per capita, apoio social, expectativa de vida saudável, liberdade social, generosidade e ausência de corrupção. A informação é recolhida pela Gallup World Poll e analisada por uma série de especialistas independentes usando uma medida chamada “escada cantril” – os inquiridos são convidados a colocarem a sua “melhor vida possível” entre 0 e 10. A opção da Gallup, explica Lindström, que não participou no relatório mas que o leu com atenção, foi por ter “mais dados do que outras empresas”.
É, no entanto, de ter atenção aos resultados do relatórios, alerta o especialista, por parte da definição de felicidade (ver entrevista) depender de um fator subjetivo dos inquiridos. “As pessoas pensam em geral que o mundo está a ficar um lugar mais perigoso e isso acontece porque os média estão sempre a dar más notícias”, afirmou Lindström, acrescentando que na realidade é o oposto que acontece: “Está a ficar melhor e melhor; cada vez há menos pessoas a morrerem à fome e menos guerras e conflitos; mais pessoas sabem ler e escrever”. “Há altos e baixos, mas se virmos a tendência a longo prazo podemos ver que há cada vez mais pessoas a ficarem felizes”, garantiu.