TV, desgraças, cultura e Independência


Na luta sem tréguas para se ultrapassarem uns aos outros, os canais de TV copiam-se uns aos outros. Aquilo que, noutros domínios, produz a singularidade, resulta aqui numa uniformização e banalização insuportáveis.


1 – Na sua luta ingente e indigente pela conquista de cada vez mais audiências, as televisões submetem-se, sem pestanejar, ao constrangimento terrível que é andar à cata do scoop – notícia exclusiva e sensacional – e do score – número de pontos conquistados por cada equipa ou cada adversário num jogo. Mas esta luta infernal e encarniçada pelo “extra-ordinário” acaba por ter, regra geral, uma consequência no mínimo ridícula. Parafraseando o que tão bem explicou Pierre Bourdieu no seu ensaio “Sobre a Televisão”, o que acaba por acontecer é isto: para ser o primeiro a dar a ver qualquer coisa, cada canal de TV dispõe-se a fazer o que quer que seja; mas como os canais de TV se copiam uns aos outros, nessa luta sem tréguas para ultrapassar os outros, para fazer ver antes dos outros e para o fazer diferente dos outros, acabam todos por fazer a mesma coisa, nessa procura da exclusividade. E aquilo que, noutros domínios, produz a originalidade, a singularidade, resulta aqui numa uniformização e numa banalização insuportáveis.

2 – Havia uma “maluquinha dos incêndios” – lembram-se? – talvez em 2004, não tenho a certeza, e já não me lembro em que canal. Corria de foco de incêndio em foco de incêndio, excitadíssima, e o seu entusiasmo transbordante até parece que contagiava o fogo, que alastrava pela serra (seria a serra algarvia?) ampliando o espectáculo das chamas que as TVs exploravam com o indisfarçável prazer dum “bombeiro pirómano”. O escândalo nos bastidores deve ter sido tal que a repórter, pobre louca, foi “varrida” para sempre dos ecrãs. Pelo menos nunca mais a vi. Mas acho que “renasceu” na pele de outra repórter à qual já chamo a “maluquinha das greves e das desgraças”, entusiasmadíssima, por exemplo, com a perspectiva de haver “porrada da grossa, porrada da fina, porrada me faça ficar contentinha”… Depois da telenovela em loop permanente sobre o “caso Bruno de Carvalho”, seguiu-se a telenovela em loop permanente da pedreira de Borba (culpa deste Governo, pois claro!), mas a perspectiva de “porrada da grossa” entre polícia de choque e estivadores em greve (que não se consumou) era bem mais inquietante e entusiasmante, e daí a opção da “maluquinha das greves e das desgraças”… É verdade que nunca se viu coisa assim durante o anterior Governo de direita, o tal que empobreceu deliberadamente o País por ordem da “troika”. E que ódio é este ao actual Governo, expelido pelos sindicatos dos professores, dos enfermeiros, dos estivadores e dos juízes? Será o infeliz prenúncio de novo Governo, ainda mais duro e mais brutal, da ridícula e estúpida direita que há por cá?!

3 – Não senhor, a questão da descida do IVA de 13 % para 6 %, beneficiando esse espectáculo bárbaro e cruel que são as touradas, nunca foi para mim “questão de vida ou de morte”. Era o que mais faltava! Com quase 74 anos, gostaria de viver ainda mais uns anitos. Mas a questão é “de vida ou de morte” para os touros, e o que se discute, a pretexto do IVA, é se é justo o Estado continuar a acarinhar esse espectáculo degradante que é a tortura dos touros numa arena.

Em todo o caso, pergunto: será que valeu a pena alimentar e estimular uma cisão no grupo parlamentar do PS para defender a redução do IVA das touradas, contra a vontade do Governo de não proceder a essa redução por motivos de “carácter civilizacional”, como salientou, e bem, a actual ministra da Cultura? E será que é legítimo proibir um ministro ou ministra da Cultura de se pronunciar sobre o que considera ser civilização e barbárie? Ou será que tais conceitos são propriedade intelectual exclusiva de poetas e prosadores como Manuel Alegre e Miguel Sousa Tavares, que se consideram sempre ser mais que os outros?

Por mim, não quero ver a dirigir um Ministério da Cultura (nem qualquer outro Ministério) um político amorfo e sem ideias, que se “robotiza”, “tecnocratiza” e se alheia do mundo, comportando-se como fiel funcionário que apenas decide sobre autorizações administrativas e atribuição de verbas, mantendo o low profile de um diplomata, em vez de se comportar como um verdadeiro “agente da Cultura” com opiniões, opções e ideias próprias, que tem o direito e o dever de partilhar com o público, para que o País saiba com quem é que está a lidar.

4 – É sabido que me desfiliei do PS em Fevereiro de 2015, para poder exprimir livremente as minhas ideias, opiniões e pontos de vista, tantas vezes contrários aos das sucessivas direcções do partido, sobretudo desde o secretariado dirigido por António Guterres. E também é sabido que me aproximei bastante do BE em 2014, sobretudo quando o João Semedo me telefonou a convidar-me a participar num comício do partido, por acaso no Pátio da Inquisição, em Coimbra, durante a campanha eleitoral então em curso para o Parlamento Europeu. O BE estava, nessa altura, um pouco abaixo dos 4 % em votos e sondagens. Mas não hesitei em aceitar o convite do João Semedo por concordar com as posições que o BE defendia, designadamente em matéria de União Europeia, contra o famoso Pacto de Estabilidade, esse pacto de austeridade perpétua imposto pela chanceler Angela Merkel e o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble.

Tornei-me, assim, um cidadão independente, mas com ideias, opiniões e opções políticas claras. E até me sinto mais à vontade para apoiar a solução política de Governo adoptada pelo PS de António Costa, o BE de Catarina Martins e o PCP de Jerónimo de Sousa, pela qual me bati publicamente durante muitos anos, pelo menos desde que foi aprovado o Tratado de Maastricht, em 1992, consagrando as teses e as políticas neoliberais que tanto mal têm feito à Europa.

Hoje, considero-me equidistante dos partidos de esquerda (com óbvia tendência para votar no BE, apesar dum afastamento mútuo) e nunca me senti tão liberto de amarras como agora, que estou à beira de fazer 74 anos de vida. Mais vale tarde do que nunca, custou mas foi! – costumo eu dizer a mim próprio…

 

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


TV, desgraças, cultura e Independência


Na luta sem tréguas para se ultrapassarem uns aos outros, os canais de TV copiam-se uns aos outros. Aquilo que, noutros domínios, produz a singularidade, resulta aqui numa uniformização e banalização insuportáveis.


1 – Na sua luta ingente e indigente pela conquista de cada vez mais audiências, as televisões submetem-se, sem pestanejar, ao constrangimento terrível que é andar à cata do scoop – notícia exclusiva e sensacional – e do score – número de pontos conquistados por cada equipa ou cada adversário num jogo. Mas esta luta infernal e encarniçada pelo “extra-ordinário” acaba por ter, regra geral, uma consequência no mínimo ridícula. Parafraseando o que tão bem explicou Pierre Bourdieu no seu ensaio “Sobre a Televisão”, o que acaba por acontecer é isto: para ser o primeiro a dar a ver qualquer coisa, cada canal de TV dispõe-se a fazer o que quer que seja; mas como os canais de TV se copiam uns aos outros, nessa luta sem tréguas para ultrapassar os outros, para fazer ver antes dos outros e para o fazer diferente dos outros, acabam todos por fazer a mesma coisa, nessa procura da exclusividade. E aquilo que, noutros domínios, produz a originalidade, a singularidade, resulta aqui numa uniformização e numa banalização insuportáveis.

2 – Havia uma “maluquinha dos incêndios” – lembram-se? – talvez em 2004, não tenho a certeza, e já não me lembro em que canal. Corria de foco de incêndio em foco de incêndio, excitadíssima, e o seu entusiasmo transbordante até parece que contagiava o fogo, que alastrava pela serra (seria a serra algarvia?) ampliando o espectáculo das chamas que as TVs exploravam com o indisfarçável prazer dum “bombeiro pirómano”. O escândalo nos bastidores deve ter sido tal que a repórter, pobre louca, foi “varrida” para sempre dos ecrãs. Pelo menos nunca mais a vi. Mas acho que “renasceu” na pele de outra repórter à qual já chamo a “maluquinha das greves e das desgraças”, entusiasmadíssima, por exemplo, com a perspectiva de haver “porrada da grossa, porrada da fina, porrada me faça ficar contentinha”… Depois da telenovela em loop permanente sobre o “caso Bruno de Carvalho”, seguiu-se a telenovela em loop permanente da pedreira de Borba (culpa deste Governo, pois claro!), mas a perspectiva de “porrada da grossa” entre polícia de choque e estivadores em greve (que não se consumou) era bem mais inquietante e entusiasmante, e daí a opção da “maluquinha das greves e das desgraças”… É verdade que nunca se viu coisa assim durante o anterior Governo de direita, o tal que empobreceu deliberadamente o País por ordem da “troika”. E que ódio é este ao actual Governo, expelido pelos sindicatos dos professores, dos enfermeiros, dos estivadores e dos juízes? Será o infeliz prenúncio de novo Governo, ainda mais duro e mais brutal, da ridícula e estúpida direita que há por cá?!

3 – Não senhor, a questão da descida do IVA de 13 % para 6 %, beneficiando esse espectáculo bárbaro e cruel que são as touradas, nunca foi para mim “questão de vida ou de morte”. Era o que mais faltava! Com quase 74 anos, gostaria de viver ainda mais uns anitos. Mas a questão é “de vida ou de morte” para os touros, e o que se discute, a pretexto do IVA, é se é justo o Estado continuar a acarinhar esse espectáculo degradante que é a tortura dos touros numa arena.

Em todo o caso, pergunto: será que valeu a pena alimentar e estimular uma cisão no grupo parlamentar do PS para defender a redução do IVA das touradas, contra a vontade do Governo de não proceder a essa redução por motivos de “carácter civilizacional”, como salientou, e bem, a actual ministra da Cultura? E será que é legítimo proibir um ministro ou ministra da Cultura de se pronunciar sobre o que considera ser civilização e barbárie? Ou será que tais conceitos são propriedade intelectual exclusiva de poetas e prosadores como Manuel Alegre e Miguel Sousa Tavares, que se consideram sempre ser mais que os outros?

Por mim, não quero ver a dirigir um Ministério da Cultura (nem qualquer outro Ministério) um político amorfo e sem ideias, que se “robotiza”, “tecnocratiza” e se alheia do mundo, comportando-se como fiel funcionário que apenas decide sobre autorizações administrativas e atribuição de verbas, mantendo o low profile de um diplomata, em vez de se comportar como um verdadeiro “agente da Cultura” com opiniões, opções e ideias próprias, que tem o direito e o dever de partilhar com o público, para que o País saiba com quem é que está a lidar.

4 – É sabido que me desfiliei do PS em Fevereiro de 2015, para poder exprimir livremente as minhas ideias, opiniões e pontos de vista, tantas vezes contrários aos das sucessivas direcções do partido, sobretudo desde o secretariado dirigido por António Guterres. E também é sabido que me aproximei bastante do BE em 2014, sobretudo quando o João Semedo me telefonou a convidar-me a participar num comício do partido, por acaso no Pátio da Inquisição, em Coimbra, durante a campanha eleitoral então em curso para o Parlamento Europeu. O BE estava, nessa altura, um pouco abaixo dos 4 % em votos e sondagens. Mas não hesitei em aceitar o convite do João Semedo por concordar com as posições que o BE defendia, designadamente em matéria de União Europeia, contra o famoso Pacto de Estabilidade, esse pacto de austeridade perpétua imposto pela chanceler Angela Merkel e o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble.

Tornei-me, assim, um cidadão independente, mas com ideias, opiniões e opções políticas claras. E até me sinto mais à vontade para apoiar a solução política de Governo adoptada pelo PS de António Costa, o BE de Catarina Martins e o PCP de Jerónimo de Sousa, pela qual me bati publicamente durante muitos anos, pelo menos desde que foi aprovado o Tratado de Maastricht, em 1992, consagrando as teses e as políticas neoliberais que tanto mal têm feito à Europa.

Hoje, considero-me equidistante dos partidos de esquerda (com óbvia tendência para votar no BE, apesar dum afastamento mútuo) e nunca me senti tão liberto de amarras como agora, que estou à beira de fazer 74 anos de vida. Mais vale tarde do que nunca, custou mas foi! – costumo eu dizer a mim próprio…

 

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990