Seja café, loja de eletrodomésticos, ou barbearia, a televisão só mostra um cenário: a derrocada da antiga Estrada Nacional 255 que ligava Borba a Vila Viçosa, no distrito de Évora. “Uma desgraça”, “como é que aconteceu?”, “quem eram as pessoas?”, “era teu primo?”, “já estou a ver quem é”. São perguntas e as respostas comuns a todos os cafés de Borba – onde é impossível os moradores não se conhecerem uns aos outros. E impossível é também conseguir falar com alguém que nunca tenha passado na Estrada Municipal 255, que ruiu na passada segunda-feira. Mas é fácil encontrar quem tenha passado lá no dia do incidente que tirou a vida a pelo menos duas pessoas e fez três desaparecidos, segundo os dados oficiais já divulgados.
“Passei lá às três da tarde, fui de boleia com uma rapariga de cá”, lembra Maria José, enquanto comenta com um cliente do café “Fonte das Bicas” que conhecia duas das pessoas que estão desaparecidas. “Eu passei lá e uma hora depois passou o marido da minha prima e o cunhado, eram da minha família. Isto é uma desgraça”, continuou a dona do café, que voltou para Borba pela variante, estrada que desclassificou em 2005 o percurso que agora é apenas pó.
A estrada alternativa é, no entanto, pouco utilizada, já que era muito mais rápido deslocar-se entre Borba e Vila Viçosa pela Nacional 255. É o que diz Domingos Laranjeira, dono de uma loja de eletrodomésticos. Sempre com os olhos postos na televisão pergunta e responde de seguida: “Sabe quem perde? Somos nós, é Borba e é Vila Viçosa. Antes eram três quilómetros, agora são cerca de 15”, acrescentando que a atribuição de culpas agora não serve de nada.
“Os engravatados agora vão abrir inquéritos e dizem que já sabiam que a estrada estava em risco. Então, mas se sabiam, porque é que não nos vieram avisar?”, adverte o morador de Borba, referindo-se à abertura de um inquérito para apurar responsabilidades. O ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, garantiu ontem que esta é “uma situação em que têm de ser apuradas responsabilidades. Será aberto o devido inquérito”.
“Quando passavam lá não se lembravam”
Para muitos, o problema é que a estrada funcionava como uma espécie de ponte, já que a água passava por baixo, através das fissuras entre as pedras. Além disso, “toda a gente passava ali, até o autocarro da escola com 50 pessoas lá dentro, todos os dias”, disse a dona do café, Maria José.
Quem passava nessa estrada não via quaisquer vestígios de fissuras, ou algo que pudesse pôr em risco a sua segurança. Domingos Laranjeira tem 70 anos e garante que já perdeu a conta às vezes que passou na estrada e afirma também que “nunca ninguém ia adivinhar que isto fosse acontecer, nunca se falou em nada. Os que agora dizem que estavam à espera, quando lá passavam não se lembravam”. E volta a reforçar: “A culpa é do S. Pedro”.
Embora o que aconteceu tenha passado pelo pensamento de poucas pessoas, o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro, admite que “aquilo tinha de acontecer. A pedreira foi até aos limites” (ver texto ao lado).
Inimigos: chuva e falta de luz A chuva não deixa a cidade de Borba e o tom cinzento parece acompanhar a voz dos moradores. Durante o dia de ontem foi retirado o primeiro corpo, mas a chuva não ajudou as equipas a retirar pelo menos o segundo corpo. Cerca de 60 operacionais, entre elementos da Proteção Civil, engenharia militar, especialistas em Geologia e Minas e técnicos de extração de mármore estão empenhados nas operações de resgate.
Além disso, a Câmara Municipal contratou várias empresas locais para ajudar na extração da água de um dos poços. “Já está lá tudo, as mangueiras já estão estendidas”, disse Nuno Costa, que esteve durante a tarde a estender mangueiras para ajudar a retirar a água de um dos poços das minas, sendo que ontem foi suspensa ao início da noite a operação para tentar resgatar o segundo trabalhador.
De acordo com a Proteção Civil, durante a manhã de hoje já deverá estar tudo pronto para começar a utilizar as bombas de drenagem. “A evolução ao longo do dia veio confirmar as dificuldades previstas, um perímetro muito instável, com deslizamento de massas e precipitação”, referiu fonte oficial da Proteção Civil em comunicado aos jornalistas. O trabalho de hoje não será simples, “a chuva não ajuda, podemos estar a tirar, e a chuva a encher outra vez”, acrescentou Nuno Costa, que diz conhecer bem as minas e, sobretudo o trabalho no terreno. Para já as autoridades vão usar as motobombas para retirar a água, gruas e sensores para localizar vítimas, mediante as condições meteorológicas de segurança.
As buscas continuam e as conversas também. No fim do dia fica a pergunta: isto poderia ser evitado? As incertezas não param e os se’s também não. Mas como diz Nuno Costa, enquanto sai do café, “se soubesse que ia partir uma perna agora, não me levantava daqui”.