Vários socialistas não gostaram de ouvir a ministra da Cultura, na sua primeira intervenção no parlamento, afirmar que a tauromaquia “não é uma questão de gosto, é de civilização”. Graça Fonseca abriu uma guerra com os movimentos taurinos, que já pediram a sua demissão, mas entre os deputados socialistas também há quem não tenha gostado de ouvir a ministra condenar as touradas. Pedro do Carmo e Luís Testa, deputados do PS, partilharam, nas redes sociais, uma publicação que serviu como resposta às palavras da ministra. “Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa, Ernest Hemingway ou Federico García Lorca. É desta civilização que eu faço parte, mas também da de Goya, Dalí ou Picasso e de tantos outros, como o padre Vítor Melícias, Jorge Sampaio ou Manuel Alegre”. Ao i, o deputado socialista Luís Testa explica que a publicação foi “só para alertar que há uma determinada visão da cultura que necessita de ser preservada, apoiada e compreendida”. O deputado acredita que a declaração da ministra, em resposta a uma deputada do CDS sobre a redução do IVA para espetáculos culturais, se justifica por “o debate parlamentar, muitas vezes, compreender exageros que não queremos cometer e expressões que não queremos utilizar”. Luís Testa alerta que “não pode ser o Estado a afastar a tauromaquia por decreto. Nem sequer por decreto fiscal”.
A questão foi levantada pelos centristas no debate sobre o Orçamento do Estado para 2019. A deputada Vânia Dias da Silva acusou o governo de impor uma “ditadura do gosto” por excluir a tauromaquia da redução do IVA para as atividades culturais. “Senhora deputada a tauromaquia não é uma questão de gosto, é uma questão de civilização e manteremos como está”, respondeu a ministra da Cultura.
O ataque mais violento à ministra da Cultura foi feito pelo histórico socialista Manuel Alegre. “É este tipo de intolerâncias que cria os Bolsonaros”, disse, em declarações ao jornal “Público”, o ex-deputado socialista. Para o histórico do PS, o que está em causa é a liberdade de “uma grande” tradição ibérica. “Agora são as touradas, depois há-de ser a caça e depois o livro que podemos ou não ler ou o filme que podemos ou não ver”, afirmou.
A declaração de Manuel Alegre não ficou sem resposta dos defensores dos animais. “Aquilo que pode criar os Bolsonaros é a apologia da violência. A tauromaquia é um exercício de normalização da violência”, diz ao i a presidente da associação Animal. Rita Silva defende que a declaração da ministra merece “todo o apoio”. Ativistas dos direitos dos animais de “vários países” estão a enviar mensagens de “apoio e solidariedade” para o ministério da Cultura, revela Rita Silva.
Aficionados pedem demissão A Federação Portuguesa de Tauromaquia defendeu a demissão da ministra da Cultura. “A senhora ministra, ao dizer que discriminar a tauromaquia não é uma questão de gosto, mas uma questão de civilização, está a insultar os portugueses e particularmente os mais de três milhões que todos os anos assistem livremente a espetáculos tauromáquicos. Nós pertencemos à civilização de Picasso, Hemingway, Vargas Llosa, Amália [Rodrigues], Lobo Antunes, Júlio Pomar, Pedro Cabrita Reis, Marcelo Rebelo de Sousa, Jorge Sampaio, Manuel Alegre, entre muitos outros cidadãos e artistas apreciadores das touradas”, afirmou Hélder Milheiro, secretário-geral da Pró-Toiro.
A Associação Nacional de Grupos de Forcados também manifestou “o seu total repúdio pelas afirmações que a senhora ministra da Cultura efetuou na casa da democracia”.
A abolição das touradas foi discutida há menos de seis meses na Assembleia da República. A maioria dos deputados socialistas votou contra o fim das corridas de toiros. O deputado socialista Hugo Costa defendeu, no debate parlamentar, em julho, que as touradas são “parte da cultura popular portuguesa” e é “dever do Estado” proteger as manifestações culturais.
O projeto do PAN para acabar com as corridas de toiros em Portugal foi rejeitado com os votos contra da direita, PS e PCP. Bloco de Esquerda, PEV e oito deputados socialistas votaram a favor do diploma.