António Bagão Félix, Eduardo Catroga, João Duque e Filipe Garcia são os economistas contactados pelo SOL que avaliam as medidas apresentadas por Mário Centeno e os riscos que comportam.
‘Vamos ter de pagar a fatura’
Existem várias formas de olhar para a proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano. Se, por um lado, há quem garanta que vem aumentar o rendimento das famílias portuguesas, há também quem sublinhe que é preciso saber ler os números com atenção. Eduardo Catroga explica que estamos perante «metas que estão em linha com o que era previsível»: «Viemos de um défice muito grande nos últimos anos, agora está em processo de caminhar para o zero e quanto mais depressa chegarmos lá melhor».
Até porque, para este ex-ministro das Finanças do PSD, a conjuntura da Europa não está a ser aproveitada como devia. «Já devíamos estar em excedente orçamental. Devíamos ter aproveitado a onda. Foi o que fizeram outros países», explica o economista, alertando ainda para alguns dos riscos deste OE para 2019. «A despesa continua a subir e nem sequer se justifica. Não se pode crescer em termos reais. A despesa tem de estar congelada. Nenhum OE pode ter uma dívida pública excessiva. É aqui que aparecem os maiores riscos», sublinha. Porque, «quanto maior for a despesa pública, pior. A nossa é um excesso e é insuportável».
Além de tudo isto, a proposta reveste-se, no entender de Eduardo Catroga, de uma carga fiscal igualmente excessiva. «A carga fiscal, em Portugal, é demasiado elevada. Se virmos em função do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, o esforço é muito elevado. A despesa pública é uma das variáveis mais importantes e talvez até represente a chave» para o equilíbrio.
No entender do economista, é ainda de notar a falta de investimento em medidas que ajudem as empresas. Se temos um OE que aumenta a carga fiscal aos empresários, «estamos a ser inimigos das empresas. E assim não somos competitivos, nem seremos amigos do investimento. Mas as empresas não dão votos».
A opinião de Eduardo Catroga vai de encontro à de tantos outros economistas que encontram neste Orçamento do Estado para o próximo ano um exercício eleitoralista. «É um OE que visa contentar o eleitorado, mas não é um orçamento com um crescimento de boa qualidade», afirma. E o economista deixa um aviso: «Vamos ter de pagar a fatura a prazo».
A maior carga fiscal aplicada
Olhando para todas as metas e medidas apresentadas pelo Governo, Bagão Félix considera que estamos perante «um crescimento que tem subjacente um cenário macroeconómico e, deste ponto de vista, não é um orçamento irrealista. Aceita-se o crescimento do produto e a taxa de desemprego, por exemplo. Em situação de normalidade, é realista. É possível».
No entanto, os riscos existem, porque está muito dependente «de coisas que não dependem de nós. Basta uma pequena coisa para que haja mudanças nas exportações, por exemplo. A questão do preço do petróleo, o que pode vir do problema orçamental italiano, o Brexit, a guerra entre Europa e EUA e até as mudanças no turismo, que já começa a não ser o que era porque estão a aparecer mais destinos». Basta uma surpresa em qualquer uma destas variáveis e o cenário já não é de normalidade. As metas passam a estar comprometidas.
Uma das críticas que Bagão Félix deixa à proposta apresentada por Mário Centeno está «na despesa que se reflete sempre como é o caso do aumento das pensões. Estas medidas podem acomodar-se em 2019, mas basta uma ligeira crise e deixa de haver receita para esta despesa. Estamos a financiar um aumento da despesa estrutural com receita que é cíclica».
Em relação à carga fiscal, o economista também garante que há muito a dizer. Entre os que dizem que há uma alívio e os que reclamam uma das maiores cargas fiscais de sempre, Bagão Félix defende que «cada português vai trabalhar, nos primeiros meses do próximo ano, 128 dias úteis para o Estado». Até porque, sustenta, «é certo que é a carga fiscal mais elevada que alguma vez foi aplicada. Há um fenómeno de sedação fiscal. As taxas já atingiram milhões nos últimos anos. Além do IVA, do IRS e do IRS, as taxas são o que pagamos mais. E a vantagem das taxas é que não têm de ser aprovadas pelo Parlamento. É preciso notar que nas taxas está desenhado um aumento de 25%».
Entre outros pontos que o economista destaca, está o facto de estarmos perante um OE que não olha pelos interesses das empresas como seria de esperar. Bagão Félix vai mais longe e sublinha mesmo que, para ajudar os empresários, bastava «saldar a dívida não financeira que o Estado tem às empresas. É uma reforma muito importante. Fazer isso, seria pôr o contador a zeros. Não ia implicar muito no défice porque já aparece nos custos».
No fundo, no entender do economista, falamos de um orçamento que, «do ponto de vista macro, não é eleitoralista. Está quase no equilíbrio. É eleitoralista no retalho. Nas medidas micro como é o exemplo das pensões ou todas as medidas para agradar à Função Pública».
Problemas do país esquecidos
Os principais problemas económicos do país não têm resposta no Orçamento do Estado para o próximo ano. A garantia é dada pelo economista João Duque, que dá como exemplo a dívida pública, lembrando que a redução em 2019 será ainda inferior ao que se verificou nos últimos dois anos. «Em 2017, a dívida pública foi reduzida em 4,5%, este ano sofreu uma redução ainda menor e o mesmo irá acontecer em 2019. E este não é um pequeno problema, aliás é um dos grandes problemas da economia nacional, principalmente numa altura quando nos aproximamos de aumentos das taxas de juro», refere. Um cenário que, a acontecer, irá inevitavelmente subir o custo da dívida: «Com os juros baixos já pagamos 7500 milhões de euros por ano em juros. Qualquer pessoa que tem bom senso e que faça a gestão de uma casa a longo prazo tem de ter estes fatores em conta».
Outro problema, segundo João Duque, diz respeito à falta de medidas direcionadas às empresas, o que no seu entender revela que «o Governo não liga à produtividade do país». E vai mais longe nas críticas. O economista diz que o Executivo tem «supimpa lata de pôr no sumário do Orçamento três vezes a palavra empresa, mas duas delas não falam em medidas concretas. Uma é para elogiar a descida do endividamento das empresas, mas isso é uma constatação. A outra é para dizer que a descida do rating vai ser positiva para a empresas e a única medida concreta que, segundo o Governo, é para melhorar a competitividade do tecido empresarial é a eliminação do Pagamento Especial por Conta». Uma medida vista como insuficiente, porque não representa uma redução dos impostos. «Não paga agora, mas paga depois. Ficam com um pouco mais de dinheiro na tesouraria, mas no final vão ter de pagar e não é isso que vai permitir melhorar a sua competitividade», diz o responsável ao SOL.
O economista também dá cartão vermelho à meta de investimento previsto no documento e que aponta para um crescimento de 7,%%. «Então o investimento anda a cair consecutivamente. Este ano estava previsto crescer 5,2% e até agora aumentou 4%. Como é que vai conseguir atingir esse valor», questiona João Duque. Mas responde: «É porque decidiram pôr esse número no excel porque achavam que ficava bem».
O mesmo risco poderá existir na meta das exportações. O responsável lembra que a maioria dos países para onde Portugal exporta está a crescer menos, o que terá impacto na balança comercial nacional.
Outra crítica diz respeito à reposição de rendimentos. «Até tolero que se remunere mais as pessoas, entendo que se reponham os rendimentos, agora façam isso de uma forma diferente, que seja mais inovadora». E qual a solução? Uma das hipóteses, segundo o economista, era sugerir aos pensionistas e aos funcionários públicos o pagamento do 15º mês em detrimento dos aumentos salariais, mas sempre numa lógica de «vamos ver como é que isto corre».
A ideia é seguir o que já se pratica no setor privado, em que os trabalhadores poderão ser beneficiados no final do ano consoante os resultados obtidos. «É preciso todos os portugueses se associem ao risco, senão estoira. Tudo dependeria do comportamento da receita dos impostos variáveis e se o IVA subisse um x por cento, o Governo daria o 15º salário». E deixa uma garantia: «Não me envergonho de apresentar este tipo de propostas que acho que fazem todo o sentido nesta época».
‘Clientes de esquerda beneficiados’
O economista Filipe Garcia vê esta proposta de OE como sendo «equilibrada», mas lembra que ao subir a despesa «há que compreender que serão os contribuintes a pagar integralmente e, no imediato, esse aumento».
Ao mesmo tempo, chama a atenção para os riscos que este documento comporta. «As previsões para o crescimento, e sobretudo para o investimento, parecem arrojadas, tendo em conta as revisões em baixa que esta componente já sofreu em 2018. Provavelmente, só um forte investimento público permitirá chegar ao crescimento dos 7% que estão previstos» e lembra que, ao não ser um Orçamento virado para as empresas, as metas de investimento serão inevitavelmente penalizadas porque é o tecido empresarial que investe.
Por outro lado, o economista diz que ainda não é certo que a Caixa Geral de Depósitos possa distribuir dividendos «e, talvez o mais importante, os riscos de uma desaceleração económica e a alteração de política monetária por parte do BCE, coloquem em risco a meta do défice de 2019», refere ao SOL.
Filipe Garcia critica ainda a distinção que é feita entre setor público e privado. E deixa uma conclusão: «Os clientes dos partidos de coligação é que saem beneficiados porque é dado aos funcionários públicos um conjunto de benesses, como é o caso dos aumentos salariais, dos descongelamento de carreiras, entre outras».
Quanto aos privados defende que «só mesmo quem usa transportes públicos é que poderá sair beneficiado com a redução do preço dos passes». Já quem opte por usar transporte privado continua a sair penalizado. «Nem a redução do adicional do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos foi revisto».
O fosso entre público e privado agrava-se ainda mais, de acordo com o responsável, com a manutenção dos escalões de IRS. «No caso dos trabalhadores cujos salários sejam atualizados consoante a inflação e, desde que estejam no limiar de um dos escalões, automaticamente passarão a pagar mais».