A Idade do Plástico

A Idade do Plástico


A nossa “fome” de plásticos não mostra sinais de abrandar e a poluição tem aumentado de forma gritante. Serão os bioplásticos a alternativa de que precisamos?


Vivemos na Idade do Plástico. As vantagens tecnológicas destes materiais versáteis e omnipresentes nas nossas vidas esbarram, no entanto, em duas limitações importantes: os plásticos são derivados do petróleo e a sua acumulação no ambiente afeta cada vez mais ecossistemas, comprometendo a vida selvagem e, no limite, a saúde humana. Os bioplásticos têm sido apontados como uma solução possível para este dois problemas. No entanto, para que seja possível estabelecer uma discussão produtiva sobre os méritos e deméritos de plásticos e bioplásticos, é importante perceber exatamente do que falamos quando utilizamos a palavra bioplásticos.

Os plásticos como o polietileno e o PET são polímeros orgânicos sintetizados a partir de derivados do petróleo, facilmente moldáveis pela pressão e calor. Criados e desenvolvidos essencialmente a partir dos anos 50 do séc. xx, os plásticos constituem a matéria-prima para o fabrico de embalagens, têxteis, materiais de construção e componentes de dispositivos médicos, computadores, eletrodomésticos, mobiliário, carros, aviões, etc. A nossa “fome” de plásticos não mostra sinais de abrandar – em 2016, e na senda de crescimentos anuais da ordem dos 10%, a produção mundial atingiu os 335 milhões de toneladas.

A prevalência do plástico nas sociedades modernas é justificada pelas suas inúmeras vantagens: durabilidade, baixo custo, resistência à água, leveza e uma manufatura pouco exigente em termos energéticos. No entanto, existem (ou deveriam existir) duas limitações importantes à sua utilização. Em primeiro lugar, a produção de plástico está fortemente dependente do petróleo, uma matéria-prima não renovável cuja abundância declinará expetavelmente no futuro. Em segundo lugar, a poluição pelo plástico tem aumentado de forma gritante, como bem ilustram, por exemplo, as recentes imagens divulgadas pelos média de praias invadidas por marés de plástico flutuante. Esta acumulação exponencial de resíduos plásticos (e dos microfragmentos derivados da sua erosão) nos ecossistemas, que afeta a vida selvagem e, muito provavelmente, a saúde humana, resulta da sua elevada resistência à degradação natural e da nossa incapacidade de gerir de forma eficaz os milhões de toneladas que produzimos anualmente (apenas 9% do plástico produzido até 2015 foi reciclado [1]).

Os bioplásticos têm sido apontados como uma solução possível para minorar os dois problemas mencionados. O termo bioplástico designa uma grande família de materiais diversos, com propriedades e aplicações diferentes. De acordo com a Associação Europeia de Bioplásticos, um material é designado de bioplástico se for bioderivado, biodegradável ou ambos. O termo bioderivado significa simplesmente que o bioplástico é produzido a partir de biomassa, através de processos químicos e/ou biológicos. Partindo de recursos renováveis como o milho, a cana-sacarina ou a celulose, é possível assim obter não só novos plásticos, mas também alguns dos plásticos originalmente produzidos a partir do petróleo (p. ex., o PET). Já a designação biodegradável refere-se a um processo de degradação através do qual microrganismos existentes no ambiente convertem em tempo útil (semanas/meses) o material em substâncias como a água, dióxido de carbono e compostos inorgânicos. Esta propriedade depende da estrutura química do material, e não da matéria-prima que lhe deu origem. Por outras palavras, um plástico bioderivado pode não ser necessariamente biodegradável, e um plástico derivado do petróleo pode ser biodegradável.

Em teoria, os bioplásticos que são simultaneamente bioderivados e biodegradáveis (p. ex., o ácido poliláctico) permitirão reduzir a dependência do petróleo e a poluição dos ecossistemas pelo plástico. No entanto, não podemos esquecer que a pegada ecológica (i.e., a quantidade de terra e água) associada à geração da biomassa necessária à produção de bioplásticos pode ser significativa. Não é também clara qual a melhor forma de integrar os bioplásticos nos circuitos de reciclagem tradicionais. Idealmente, deveriam ser separados dos plásticos tradicionais para então serem reciclados ou depositados em aterros onde rapidamente se decomporiam (se as condições ideais fossem estabelecidas). Todavia, a separação por tipo de plástico não é óbvia para o consumidor nem é praticada nas estações de reciclagem atuais. Existem evidências de que misturas com determinados tipos de bioplásticos podem criar incompatibilidades com a reciclagem tradicional, originando plásticos reciclados de baixa qualidade que acabam por ser recusados e depositados em aterros.

O mundo moderno de hoje não existiria sem os plásticos. Não sendo de todo expetável que venhamos a prescindir destes materiais versáteis num futuro próximo, urge procurar alternativas sustentáveis que contribuam para minorar os problemas da poluição pelo plástico. Os bioplásticos, que hoje constituem apenas cerca de 1% da produção de todos os plásticos, poderão certamente contribuir para esse desiderato.

 

Professor do Departamento de Bioengenharia do Instituto Superior Técnico

 

[1] Geyer, R., Jambeck, J.R., Law, K.L. (2017) Production, use, and fate of all plastics ever made. Science Advances, 3: e1700782.