1. A probabilidade de o principal acontecimento de 2025 ser impossível de antecipar existe mesmo. Não nos podemos esquecer que a Terra é um planeta vivo em transformação permanente, do qual somos hóspedes enquanto ele quiser ou até darmos cabo do meio ambiente de que precisamos como humanos. Já aconteceu aos dinossauros, que não pareciam propriamente uma ameaça ambiental, coitados. Quanto ao ano político mundial, a maior incerteza resulta das consequências do regresso de Trump à Casa Branca, à relação que ele desenvolver com a China (a verdadeira potência liderante da atualidade), à guerra da Ucrânia, às inevitáveis eleições alemãs e francesas e aos desenvolvimentos da conflitualidade no Médio-Oriente. Na escala portuguesa, há também incertezas. As autárquicas serão determinantes, a probabilidade de não termos um Orçamento para 2026 é efetiva, as eleições na Madeira perspetivam novo impasse e a corrida a Belém vai estar em pleno lá para diante, sendo mais decisivas do que alguns querem fazer crer. A isso se junta uma conjuntura económica europeia e mundial fragilizada, da qual Portugal depende imenso. Há que esperar que o governo, apesar de frágil, consiga agir, reformando, sabendo criar consensos mínimos que não levem a uma crise política que seria dramática. Até ver, tanto Montenegro como Pedro Nuno Santos, apesar de arrufos sonoros, têm tido o bom-senso de não esticarem a corda ao ponto de partir. É desejável que assim continuem, mesmo que implique da parte de cada um a gestão cautelosa da relação com o Chega de André Ventura, definitivamente instalado como terceira força decisiva no nosso xadrez político.
2. Neste primeiro quarto de século, a comunicação geral (através das redes sociais) e a que pressupõe a intermediação dos jornalistas sofreram gigantescas transformações. Já desde o fim da década de 80, verifica-se uma ebulição ao nível da informática e da telemática. Mas nunca ninguém previu a monumental amplitude das mudanças surgidas sobretudo com o advento da internet, a estrada global. Tal como hoje não se imagina o que aí vem. Redes sociais, aplicações de inteligência artificial potenciam sistemáticas transformações, que têm tanto de positivo e desafiante como de negativo e preocupante. A aplicação da física quântica ao quotidiano já não é sequer uma miragem. Os avanços brilhantes trazem acopladas contrapartidas obscuras e evoluções perversas. Dir-se-á que tem sido sempre assim no caminho da Humanidade. Porém, nunca as evoluções foram tão rápidas, ao ponto de a novidade passar a banalidade num ápice. Nem há tempo para pensar nos potenciais de perversidade de cada descoberta. Veja-se o caso da Inteligência Artificial ao alcance de todos. Em poucos meses, o ChatGPT, glorificado umas semanas, passou a obsoleto, sendo usado para todos os efeitos e facilmente manipulável. Na sua grande sabedoria, o nosso povo costuma dizer que “adivinhar é proibido”. É mesmo. Precisamente por isso há algo que as sociedades ocidentais e democráticas devem preocupar-se em preservar por ser um filtro essencial: a informação intermediada, ou seja, a que os jornalistas produzem num quadro de pluralismo e de pluralidade geral. Por enquanto ainda subsistem alguns raros exemplos. No entanto, é cada vez mais difícil arranjar um modelo de negócio para esse bem essencial da Liberdade. As evoluções permanentes dos sistemas tendem a segmentar cada vez mais a sociedade e a fazer regredir uma comunicação transversal, precisamente numa altura em que ela se torna ainda mais indispensável. Se cada um tiver só a informação sobre o que lhe interessa, acabamos dominados por um algoritmo que nos isola. Já hoje, esse “bicho” nos controla e condiciona de uma forma ou de outra. Ganha o individualismo. Perde-se o sentido comunitário. O mundo vai-se tornando mais complicado, mais pulverizado, mais dividido e mais egoísta. A manipulação fica mais fácil. Fragiliza-se a verdadeira democracia, que só subsiste se tiver como um dos seus alicerces uma comunicação social intermediada, plural, formadora de princípios, pensada, escrutinadora, dirigida às multidões e não a um gigantesco somatório de nichos dedicados. Uma sociedade em que cada um só vê o que lhe interessa perde o sentido solidário e caritativo, favorecendo interesses ocultos e antidemocráticos, mesmo em países em que formalmente a democracia está implantada e aparentemente viçosa.
3. José Miguel Júdice desistiu do programa que durante seis anos manteve na SIC Notícias, às terças-feiras. Júdice foi muitas vezes brilhante nas suas análises e, verdade se diga, nunca disfarçou que o espaço também servia para fustigar algumas figuras de forma recorrente. Uma foi o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que sistematicamente criticou, com o cuidado de ir sempre dizendo que ele é o melhor e o mais inteligente da sua geração. O balanço que fez de Marcelo no passado dia 17 foi particularmente agressivo. Talvez seja sentido ou, então, efeito de o Presidente nunca o ter indicado para o Conselho de Estado, ao contrário do que sucedeu com Marques Mendes, uma das figuras que Júdice passou a vida a picar, ao insinuar que ele bebe do fino ao dar grandes novidades no seu programa. Apesar de ter vindo de uma direita conservadora para a social-democracia, José Miguel Júdice não aplicou a si próprio a máxima de Salazar e de alguns comentadores atuais de que nunca se pode dizer tanto bem de alguém, ao ponto de amanhã não o poder criticar, nem tanto mal que impeça depois de o elogiar. Dito isto, As Causas vão fazer falta. Muita mesmo.
4. Por falar em causas, há uma que está definitivamente perdida: a da qualidade de vida em Lisboa. A sujidade das ruas, a irregularidade dos passeios, a perceção de insegurança em algumas zonas, a falta de assistência médica e social, a ausência de habitação acessível, a ineficiência dos transportes públicos, a multiplicação de alojamentos locais e, muito pior, a sobrelotação de certas casas ocupadas por dezenas de indivíduos em simultâneo são um quadro frequente e aterrador. Mas há mais. Há, por exemplo, uma polícia municipal ineficaz, que perversamente serve sobretudo para multar automobilistas, para umas vagas fiscalizações e que, sublime requinte, está encerrada ao fim de semana. Nisso coincide com a EMEL. Durante a semana, é ver os seus funcionários a multarem e rebocarem como se não houvesse amanhã. Mas sábado e domingo nem vê-los. Vai daí, os desgraçados dos residentes ficam sem os lugares reservados, que já pagaram, em benefício de organizações de toda a espécie como feiras natalícias e eventos diversos. Tanta perseguição em dias úteis e tanto desleixo ao fim de semana é motivo de perplexidade e levanta legítimas interrogações. O somatório merecia uma atençãozinha do ativíssimo presidente Moedas, tão dado a aparecer em mundanidades. Melhor ainda era uma investigação do Ministério Público aos eventuais interesses ocultos que beneficiam deste estado de coisas.