Mariema (1943-2018). A deslumbrante flor amarela que furou o asfalto

Mariema (1943-2018). A deslumbrante flor amarela que furou o asfalto


A actriz morreu no domingo à noite, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Mariema Mendes de Campos ficou conhecida como a autora e voz de um dos maiores êxitos do cançonetismo da década de 1960, “O fado mora em Lisboa”


Foi a morte quem veio contar o seu segredo. Tinha 75 anos, a actriz que não gostava de os contar, por achar que era uma dessas obscenas precisões que retiram dimensão ao palco. Mariema Mendes de Campos preferia ter a idade que cada instante lhe exigisse, mesmo que fosse para representar o cansaço, o tédio infindo da vida quando mais nenhum gesto lhe cai bem e pouco há de que estar grato. Morreu no domingo, no Hospital de Santa Maria. Era noite, e o país despediu-se com a tristeza passando pela memória dos mais velhos que se lembram desta «vedeta absoluta do Parque Mayer», como dos tempos em que todo o país se deixou encantar pela sua voz, em O fado mora em Lisboa. Foi na década de 1960, e aquele foi um dos maiores êxitos do nosso cançonetismo, tendo sido interpretado pela primeira vez no Teatro Maria Vitória. no Parque Mayer.

Vivia há uma década na Casa do Artista, mas Jorge Silva Melo não deixou esquecer a eterna rapariga de Campo de Ourique. O encenador conta que Mariema começou por cantar «no modesto restaurante do pai, quando ainda pensava vir a ser desportista (andebol, creio — ou era basquete? —, no CACO, o Clube Atlético de Campo de Ourique, disso tenho a certeza)». «Felizmente», adianta, «alguém a ouviu (Deolinda Rodrigues, reza a lenda) e lá a levou, tímida, silenciosa, desajeitada, para o Parque Mayer».

Nasceu em Lisboa, a 3 de Setembro de 1943, chegou a sonhar ser hospedeira de bordo, mas o teatro quis ficar com ela, e embora se diga que foi uma vedeta do teatro de revista durante décadas, não era assim que ela recordava as coisas. «A minha carreira foi um bocado difícil, nem sei como é que consegui chegar até onde cheguei, sempre a acarretar carroças», disse, tratando a a tristeza com boas doses de humor numa entrevista que deu ao DN em 2009.

Silva Melo exalta-a como uma das maiores actrizes que o país conheceu, falando na indolência, no distanciamento, numa ironia nesta realmente única. Nos últimos anos, além de a termos visto em séries como Conta-me como foi e filmes como Os Gatos Não têm Vertigens, o encenador e amigo destaca o seu papel na série de Filipe La Féria, Grande Noite, que, «muitíssimo bem-feita e filmada no Teatro Variedades», nos oferece uma oportunidade de ver Mariema «e a sua arte maior».