João Ribas enviou um comunicado para as redacções reagindo às declarações da admnistração de Serralves. Sob o título “Verdade e Liberdade”, deixa bem claro que só abandonou o cargo de director do museu daquela instituição porque lhe foram impostas, nessas funções e no contexto da exposição de Mapplethorpe, “restrições e intervenções que criaram um ponto de rotura em termos de autonomia artística e de uma atividade de programação livre de intromissões ou repreensões”.
Sublinhando que o cargo que ocupava “é incompatível com ingerências, pressões ou imposições que limitem a sua autonomia técnica e artística”, João Ribas classifica como “grave” a interferência do conselho de administração, esclarecendo que isso afectou “a conceptualização expositiva, nomeadamente na semana de montagem”, obrigando-o a sucessivas reorganizações da mesma.
Como o i noticiou na edição de segunda-feira, após visitas de membros da administração, houve “interferências na exibição de determinadas obras e na localização de outras que ocorreram durante a semana de montagem”. João Ribas adianta que isto contribuiu “para uma descontextualização profunda", que o obrigou, "enquanto curador, a alterar a seleção dos trabalhos para que a exposição fosse um todo coerente e para que, assim, se promovesse de modo adequado o conhecimento e o diálogo social protagonizados por Robert Mapplethorpe”.
Depois de a administração ter repetido enfaticamente que, se não estão a ser exibidas 179 obras mas apenas 159 isso se deve exclusivamente à vontade do curador, João Ribas desmente o conselho liderado por Ana Pinho, e culpa “as referidas interferências e restrições”, explicando que isso o levou a criar um desenho expositivo que reduziu para 161 as obras apresentadas. Mas, no dia da inauguração, “a curadoria foi mais uma vez intimada a retirar duas obras que já se encontravam expostas”. Portanto, não só houve ingerência como houve censura à obra de Mapplethorpe. Isto dito por um curador que, de acordo com João Neto, presidente da Associação Portuguesa de Museologia (APOM), tem hoje “um inegável prestígio no mundo das artes e a nível não só nacional como internacional”.
A administração apostou na defesa de que tudo não passou de uma atitude irresponsável, até leviana, mas João Ribas defende-se, garantindo que procurou, “até ao limite, manter a dignidade da exposição e fidelidade ao espírito da obra de Mapplethorpe, cumprindo todas as minhas funções”. Insistindo que não lhe restou alternativa, depois das “sistemáticas ingerências”, tomou a decisão de se afastar “em defesa dos bons princípios de funcionamento institucional e em defesa da liberdade artística”. Adianta ainda que, a sua demissão “pretendeu ser uma mensagem dirigida à salvaguarda e reposição desses valores e princípios e à dignificação da Fundação e Museu de Serralves”.
Horas antes, Ana Pinho garantia que, em Serralves tudo é um mar de rosas. Das palavras da presidente do conselho de administração da Fundação de Serralves depreende-se que foi João Ribas quem orquestrou a actual controvérsia, e isto “na base de factos e informações falsas”. De resto, se a polémica ganhou dimensão, também isso não é mais do que um espelho da “própria dimensão e sucesso de Serralves”. Portanto, foi o ex-director artístico daquela instituição quem não só faltou à verdade como fugiu às suas responsabilidades na passada sexta-feira, justificando a sua demissão com actos de ingerência nas suas funções e de censura na apresentação da retrospectiva do fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe.
Além de repisar a versão dos factos que a administração já alinhara no domingo, pela voz de Isabel Pires de Lima, a conferência de imprensa ao início da tarde de hoje, aguardada com alguma expectativa, não trouxe qualquer novidade, antes serviu a Ana Pinho para sublinhar a eficácia da sua gestão, afirmando que “Serralves encontra-se nos dias de hoje numa das melhores situações de sempre”. A instituição que se gaba de ser fundamental para a arte e a cultura portuguesa, e “é também um dos raros museus portugueses com reputação internacional”, na hora em que é posta em causa, vem exaltar a sua performance, notando que, em 2017, teve mais de 830 mil visitantes, dos quais cerca de 220 mil foram estrangeiros, aos quais se juntam cerca de 500 mil nas atividades que Serralves desenvolve no exterior. Ou seja, mais de 1,3 milhões de pessoas participam nas atividades organizadas por Serralves.
Reafirmando que foi João Ribas quem, sem o justificar, resolveu excluir 20 das 179 fotografias que foram pagas pela Fundação quando decidiu apresentar a exposição “Robert Mapplethorpe: Pictures”, Ana Pinho assegurou que “em Serralves não há, nem nunca houve, nem nunca, sob a nossa responsabilidade, haverá censura, mas também não haverá complacência com a falta de verdade nem fuga às responsabilidades”.
Ana Pinho admitiu, no entanto, que o aviso de interdição a menores de 18 anos, colocado na área reservada, partiu da própria administração. Sublinhe-se que, depois da polémica, o aviso foi alterado, passando a admissão de menores a estar apenas condicionada ao acompanhamento dos pais.
Face à opacidade do discurso da presidente, José Pacheco Pereira – que é juntamente com a ex-ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, um dos dois administradores indicados pelo governo –, depois de elogiar o trabalho de Ana Pinho (“Nunca vi ninguém na administração defender melhor os interesses de Serralves do que ela”), rematou em jeito pontificial: “Eu sei o que é censura e em Serralves não houve nenhuma censura”.
Quanto à posição do Ministério da Cultura, só temos a vontade de se apagar do ministro Luís Filipe Castro Mendes. Uma vez mais, o responsável da tutela acha que não deve intervir, “porque não é do foro do Ministério nem tão pouco comenta se a legislação dá ou não autonomia aos museus para aplicarem limitações”.
Visão diferente tem o presidente da APOM, que em declarações ao i diz que o Ministério da Cultura tem a obrigação de vir esclarecer os portugueses quanto ao que levou a esta crise. Para João Neto é evidente, face aos milhões que são investidos pelo Ministério em Serralves, que os portugueses têm o direito de ver esclarecida esta situação. E, para isso, o Ministério deve ouvir a administração e João Ribas o quanto antes.
Entre as reacções de vários artistas que expuseram ou colaboram com Serralves, e que se solidarizaram com João Ribas, conta-se a de Daniel Steegman Mangrané, que revelou como, “há um ano, quando teve uma exposição em Serralves, ouviu muitas queixas da equipa sobre a constante interferência da presidente do conselho de administração Ana Pinho nas decisões do dia a dia da equipa artística e curatorial”. Lembrava ainda que a imposição da retrospectiva de Joana Vasconcelas era um exemplo clamoroso das tensões que se vivem na instituição.
Quando confrontada com perguntas dos jornalistas sobre quem terá decidido incluir a exposição de Joana Vasconcelos na programação de 2019, a administração recusou responder. A justificação? Só estavam ali para falar sobre questões directamente relacionadas com a exposição de Mapplethorpe.