A Ciambra. Um verdadeiro coming of age

A Ciambra. Um verdadeiro coming of age


Depois de “Mediterrânea”. o regresso de Jonas Carpignano. Num registo em que a ficção se aproxima ainda mais do documental, eis “A Ciambra”


À data em que nos chega “A Ciambra”, Jonas Carpignano é já nome para dispensar apresentações. Realizador italo-americano instalado na Calábria desde antes de “Mediterrânea”, a sua primeira longa-metragem, que aí rodou com alguns dos que tem como os seus amigos: os desprivilegiados de Gioia Tauro, cidade costeira daquela região italiana. Koudous Seihon e Pio Amato, que já nesse filme se interpretavam a si próprios – Seihon como Ayiva, Pio igual a si até no nome – e que agora regressam em “A Ciambra”. Pio de novo como amigo de Ayiva, refugiado chegado do Burkina Faso pelo Mediterrâneo em plena crise de refugiados, atirado para um campo de refugiados nos subúrbios, junto a um bairro de maioria cigana: Ciambra. 

Topónimo que dará o título a esta que é a sua segunda longa-metragem, no ano passado distinguida na Quinzena dos Realizadores de Cannes com o prémio Europa Cinemas de Melhor Filme Europeu, e a contar com produção executiva de Martin Scorsese. De novo Ayiva então, já não como protagonista, apenas lá, ao lado de Pio. Que desta vez, traz todos os Amato atrás. Damiano, Francesco Pio, Iolanda, Patrizia, Rocco, Susanna. Pio, o miúdo que em “Mediterrânea” cravava cigarros ansioso por se fazer homem, ao mesmo tempo dos poucos capazes de conviver com as várias comunidades instaladas na região: os italianos, os refugiados que ao longo dos últimos anos chegaram em massa àquela região e os ciganos da sua comunidade, Ciambra, nos subúrbios de Gioia Tauro. 

Assim que terminou “Mediterrânea”, para Carpignano já era claro que a seguir a esse viria o resto da história de Pio, como contava ao i por essa altura numa entrevista a partir da casa que dividia então com Koudous Seihon e que Pio frequentava. “Esteve aqui ainda há umas horas, está sempre cá em casa”, dizia. “O que vemos no filme é a sua verdadeira casa, na sua comunidade, com os seus primos e sobrinhos. O meu próximo filme vai ser sobre ele, sobre a sua vida. Apesar de ser a terceira geração aqui, é considerado cigano, é de etnia cigana, e vive numa comunidade marginalizada, um bairro chamado Ciambra em que só vivem pessoas romenas, 700 pessoas, todos romenos.”

“A Ciambra” partia então da vontade de explorar a relação entre a terceira geração dessa comunidade com os refugiados que ali chegaram de África nos últimos anos mas acabou por se transformar num verdadeiro coming of age – real, porque Pio é Pio e os Amato são os Amato, na sua casa. A vociferar naqueles jantares de pasta, entre cigarros em boca de crianças e idas e vindas da polícia. Depois de “Mediterrânea”, a este segundo filme, de novo aclamado, de Carpignano já se sabe o que se espera: trabalho com não atores, num registo a aproximar-se desta vez mais ainda do documental, com a crise de uma Europa que acolhe mas não integra para o seu cinema como esteve o pós-II Guerra para o neorrealismo italiano. Nisso, será o realizador nascido em Nova Iorque em 1984 mais italiano do que qualquer outra coisa. Alguns dirão que “A Ciambra” não viverá da trama, e é seguro dizer que não. Não terá sido para isso que Carpignano fez este filme de qualquer modo. É vê-lo, contemplá-lo no que de mais duro tiver. É essa a Europa, que o cinema italiano tem retratado apenas a espaços, para a qual está a fazer falta olhar.