Portugal-Marrocos. De regresso  à “Mamã Grande”

Portugal-Marrocos. De regresso à “Mamã Grande”


Hoje, pelas três da tarde em Moscovo, cidade-mãe de todas as Rússias, o mundo volta a pendurar-se nas janelas das televisões para ver Cristiano Ronaldo e a seleção nacional, sedento de mais “ronaletinas”


Urbe extraordinária esta, cidade-mãe de todas as Rússias, onde Portugal regressa depois de praticamente um ano ter decorrido sobre a aventura que foi a Taça das Confederações, e durante a qual se apresentou por duas vezes no estádio do Spartak de Moscovo. Claro que sair da pacatez de Sochi mailas suas praias do mar Negro rodeadas de datchas, nas quais as grandes figuras da outrora União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se juntavam para as vilegiaturas que metiam, geralmente, valentes libações alcoólicas, e os figurões da Rússia de hoje se escondem atrás de óculos escuros e dos vidros fumados dos seus SUV negros, e entrar de repente na farândola moscovita, de filas de trânsito abomináveis e um não mais acabar de obras por todas as ulitsas e plochads (que é como quem diz ruas e praças), pode tornar-se duro ao embate inicial. Mas, como diria García Márquez, é próprio de uma “Mamã Grande” como esta ter mais o que fazer do que cuidar da aparência, entretida com os afazeres de cerca de 12 milhões de filhos e, ainda por cima, metida até ao pescoço neste empreendimento de organizar uma fase final de um campeonato do mundo de futebol.

É perfeitamente natural que, depois da imensa exibição de Sochi, com 90 minutos de apepinação total da equipa de Espanha, Cristiano Ronaldo esteja no centro de todas as atenções. E se os espanhóis foram sempre tão bons a classificar os passes brilhantes daqueles que cortavam rabos e orelhas em Las Ventas, chamando-lhes manoletinas ou chicuelinas, fossem elas de Manolete ou de Chicuelo, não levarão certamente a mal que a gente também considere que o capitão da seleção lhes dedicou umas boas “ronaletinas” com aqueles três golos que marcaram a ferro em brasa a estreia da Espanha neste Mundial.

Luzhniki Desta vez, Portugal apresenta–se no bem mais airoso e renovado Estádio Luzhniki, com lugar para cerca de 80 mil pessoas, praticamente o dobro das que assistiram ao jogo de Sochi.

Por todo o mundo, assomada às janelas das televisões, haverá gente aos magotes, se calhar até pendurada nos lustres, para ver aquilo que Ronaldo vai fazer frente a Marrocos, um Marrocos muito provavelmente ainda zonzo pela forma como se viu posto KO, no último minuto, pelo Irão do nosso Carlos Queiroz, que teima, muito contra a corrente interna, em subir patamares e patamares na qualidade do futebol da seleção da velha Pérsia do tempo dos xás.

Ainda ontem, o próprio Carlos Queiroz considerou, numa entrevista concedida a este seu jornal, que os marroquinos são uma equipa de muita qualidade a prometerem sarilhos para portugueses e espanhóis. Ele lá saberá bem melhor do que nós, mas há igualmente que convir que, neste momento, Portugal tem nas mãos todas as condições para um apuramento que, não sendo absolutamente histórico, ficará como apenas o quarto das suas sete presenças para a fase a eliminar: 1966, 2006 e 2010.

Depois de ter aguentado a força inequívoca de uma Espanha candidata de facto ao título maior da prova – não será a cegarrega de Lopetegui a afastar esse cenário –, tornar-se-ia, digamo-lo sem rebuço, desculpável um fracasso nas contas do grupo.

Supomos que o encontro de hoje terá muito pouco que ver (e suposições são apenas suposições) com aquilo a que pudemos assistir na passada sexta-feira. Desta vez cabe aos portugueses – e vamos ver se Fernando Santos mantém o onze ou se o irá alterar, apostando nós numa ou outra pequena alteração, como é seu hábito – tomarem conta das operações e, naturalmente, Ronaldo vai receber uma guarda de honra investida da lendária teimosia dos berberes. Os Leões do Atlas, agora conduzidos por uma jovem-velha raposa do futebol africano – afinal, Hervé Renard (que nome mais a propósito, não é?) tem apenas 49 anos – que já conquistou duas Taças de África por dois países diferentes (Zâmbia e Costa do Marfim) e foi, brevemente, selecionador de Angola, estão encostados à parede da derrota inaugural. Novo desaire deixá-los-á quase inevitavelmente fora do Mundial.

Estar-se-ão Ronaldo e seus companheiros nas tintas para isso. O caminho dos oitavos-de-final passa por uma vitória imediata e, depois, logo se verá se a luta pelo primeiro lugar do grupo se mantém acesa. Porque amanhã caberá à Espanha livrar-se da carga de trabalhos que o Irão promete ser.