Negócios. Pelos caminhos de Portugal

Negócios. Pelos caminhos de Portugal


Um negócio que começou em Lisboa e rumou a Fátima, outro que nasceu em Vila Real e, a contragosto, mudou-se para o Porto; mais um que nasceu no centro e de lá não sai e, finalmente, uma startup que não se vê a sair de Évora. Eis a história de quatro negócios improváveis ligadas ao…


Marisa Ribeirinho estava na reta final da licenciatura em Genética e Biotecnologia, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), quando a salicórnia – uma planta que cresce em estuários e salinas e que pode ser usada como substituto do sal – lhe veio parar às mãos num panfleto. E não é de somenos dizer que a sua vida mudou a partir desse momento. A partir daí, resolveu reproduzir aquela planta in vitro em laboratório – prova superada com mérito. “Consegui transformar uma praga em produto gourmet”, diz, orgulhosa. E, apesar de falarmos de uma planta marítima, a proeza aconteceu em Vila Real.

Depressa se apercebeu do potencial negócio – afinal, a salicórnia também é conhecida por sal verde. Desde então, sempre a partir de Vila Real, o projeto galopou. Participou em mais de dez concursos de investimento – em todos chegou à final. Agora, com um pé em Vila Real e outro no Porto, não esconde alguma tristeza. “O meu sonho era abrir um centro de produção aqui em Vila Real”, revela. O que a impede, então, de continuar por ali? “O produto também tem de ir ao encontro dos clientes, e este é um produto fresco, comprado essencialmente por chefs da área do grande Porto”, justifica. Mas há outra razão. “Temos dois investidores do Porto e um de Lisboa, que entraram com capitais próprios. Sou a CEO mas eles, que também são sócios, têm uma palavra a dizer – e um dos sócios ofereceu a sede no Porto.

Por agora, Marisa ainda está em Vila Real mas vai cerca de “três vezes por semana ao Porto”. Em Lisboa, a marcha também está em andamento, com o investidor local a procurar um espaço para produzir. E o que faria a cientista e jovem empresária fixar-se no local onde tudo começou?

“Se conseguisse ficar cá [Vila Real] seríamos a primeira empresa de biotecnologia do distrito”, diz. “Claro que esta zona precisa de incentivos. A UTAD tem a única licenciatura de Genética e Biotecnologia do país, e caso houvesse oferta, a mão de obra qualificada saída da universidade não iria para fora e teria emprego direto, conseguindo assim dinamizar o tecido industrial da zona”, aponta. “No meu caso, talvez fosse importante ter tido o interesse de um investidor de cá”.

De Lisboa para Fátima Já Patrícia Contreiras e Jorge Moedas estão a percorrer o caminho inverso. O seu negócio, a Casca Rija – uma empresa dedicada à produção de manteigas de oleaginosas – começou numa cozinha na zona da Grande Lisboa, em Odivelas, mas mudou-se para Fátima há cerca de um ano. “Começámos a ter uma dimensão tal que, quando apostámos mesmo neste caminho e nos despedimos [tanto ela como o sócio Jorge Moedas estavam nos quadros do Ikea], tivemos que ir atrás de um espaço para produzir e armazenar os produtos”, conta. E aí veio o primeiro obstáculo. “Em Lisboa e arredores só havia lojas pequenas, armazéns em más condições e era tudo caríssimo”.

Primeiro, tentaram a zona de Leiria, “já mais desenvolvida” e a Marinha Grande, mas nenhum dos negócios se concretizou e acabaram por encontrar o espaço de que precisavam em Fátima, a terra natal de Patrícia. “Nunca tinha pensado em voltar, confesso, nem nunca tinha pensado em fazer uma transição tão brusca”.

Depois de um ano a transformarem a nova sede da Casca Rija – tem escritórios, um lounge e, claro, a zona de produção –, abriram portas em abril deste ano. “Apesar de estarmos mais deslocados dos grandes centros, estamos a meio do país, numa zona com muito acessos à indústria. O que notamos, por exemplo, é que se precisamos de contratar um serviço pode ser mais difícil – mas até aí há ajuda, há sempre alguém que nos indica uma outra pessoa que consiga fazer o que precisamos”. Em termos logísticos também não vê grande diferença. “Vendemos online e temos pontos de revenda em todo o país. Para nós foi uma mais valia termos vindo”. Aposta ganha? “Sem dúvida. Não equacionamos sequer voltar a Lisboa”.

Do centro para o Luxemburgo Quem nunca teve sequer dúvidas a que sítio pertence é Paulo Pereira. “Sempre estive ligado às Beiras”, diz. E o produto que levou há dois anos ao programa “Shark Tank” e que se tornou numa das apostas mais rentáveis dos investidores é uma extensão dessa ligação: o gin Amicis, produzido em Anadia e aromatizado com 14 botânicos oriundos da zona centro do país.

Desde aí o Amicis espalhou-se pelos copos do país. Paulo vê “bastantes vantagens” na localização da sua empresa ligadas principalmente ao produto em si. “Não produzir aqui iria retirar identidade, até porque usamos produtos endógenos”, afirma, sublinhando que, no entanto, não consegue traçar nenhuma comparação com um grande centro porque nunca teve essa experiência.

Já como principais dificuldades, aponta “a quantidade de burocracia” que teve de enfrentar até começar a laborar. “Julgo que podiam ter gabinetes de apoio para acelerar os projetos”, aponta. A full-time, já há quatro pessoas a trabalhar na empresa. “Depois os restamos serviços contratamos externamente”,

Até agora, já produziram sete lotes – cada um com duas mil garrafas – e já entraram no mercado luxemburguês. E o Amicis parece que vai mesmo espalhar-se pelo mundo: em cima da mesa, estão os mercados do Brasil, Singapura e China.

E do Alentejo para… Num estágio mais inicial está a City Check, uma app pensada por Tomás Caeiro no início de 2017 enquanto ainda era aluno de Gestão da Universidade de Évora e que permite que os utilizadores explorem os pontos turísticos da cidade através de jogos interativos.

Mas é a partir de Évora que esta equipa quer conquistar terreno e é aqui que vão constituir a empresa em setembro. “Estamos em Évora nesta fase porque os custos são mais baixos, ainda para mais nesta altura em que ainda estamos a desenvolver o produto – e podemos fazê-lo em qualquer lado”. Neste processo, já ganharam alguns concurso, o que lhes deu “incubação gratuita” no Núcleos Empresariais (NER) de Évora. “Mas não é só por isso: o NER sempre nos apoiou desde a fase em que éramos basicamente uma ideia, e isso para nós significou bastante, ter pessoas com experiência que nos ajudaram a encarar as coisas de forma mais séria”.

No entanto, e apesar de a decisão de ficar na capital alentejana não ter sido contestada por nenhum dos investidores, foi-lhes aconselhado a manter um pé em Lisboa nesta primeira fase, “até para captar investimentos futuros e para fazer marketing”. Assim, vão continuar a ter Évora como sede e deslocar-se aos sítios onde há mais investidores “quando necessário”. Ainda assim, Tomás admite que nem tudo são rosas. “Há coisas que são um pouco mais difíceis. Quando estivemos em Lisboa durante um mês vimos as outras startups a fazer de forma mais fácil. Por exemplo, espalhar simplesmente a notícia de que estamos à procura de pessoal para trabalhar connosco, em Lisboa chovem pedidos, lá não encontramos ninguém e temos que ser nós a ir à procura quase porta a porta”.

E, aqui pelo meio, há alguma questão afetiva que os leve a optar pelo interior? “Não é por aí. A verdade é que há apoios em Évora que nós provavelmente não conseguiríamos arranjar em Lisboa nesta fase. É uma cidade mais pequena, com poucas startups, pelo que o nosso projeto é quase pioneiro. E as pessoas gostam desse tipo de situações e recebem-nos com mais facilidade”.

O projeto começa a correr sobre rodas: nos próximos dias, vão lançar oficialmente a app com conteúdos para Évora e… Lisboa.