José Sócrates chegou ao restaurante, no Parque das Nações, com quase hora e meia de atraso, apesar de viver mesmo em frente. Apareceu sozinho, a pé, e desdobrou-se em cumprimentos aos apoiantes, quase todos anónimos – à exceção do antigo ministro Mário Lino e do fundador PS António Campos, com quem partilhou a mesa. Para alguns foi a primeira vez que puderam cumprimentar o antigo primeiro-ministro.
Nas redes sociais, a organização do já habitual almoço de apoio a Sócrates – cujos elementos se recusaram a falar aos jornalistas e que foram aconselhando os comensais a não alimentar “conversas” com os repórteres – tinha apontado para a presença de “200 a 300 pessoas”. Mas só apareceram pouco mais de uma centena de apoiantes. Mesmo assim, José Sócrates foi recebido com grande ovação. Pouco depois, já sentado à mesa, informou os jornalistas de que só falaria no final do almoço, discursando para todos os presentes. Por essa altura, ao seu lado esquerdo, Mário Lino já atacava o pão com manteiga, enquanto conversava animadamente sobre “uma empresa que faz várias coisas, um grupo, ‘tá a ver?, na área das tecnologias, que negoceia com a China, países árabes e Israel”. À direita do ex-primeiro ministro sentou-se António Espírito Santo, um fervoroso militante do PS, vindo de Almodôvar, no Alentejo.
Já passava das 14 horas quando o almoço – bacalhau gratinado, regado com “Paredes Meias”, vinho tinto do Douro, e pequenas taças de mousse de chocolate – começou a ser servido. Uma hora mais tarde, chegava o momento de Sócrates.
O discurso demorou cerca de 45 minutos, com o antigo primeiro-ministro a disparar em todas as direções. Falou contra a direita, o Ministério Público, a imprensa (vaiada em vários momentos pela audiência) e até contra o “silêncio” do PS.
Já sem o blazer escuro, de camisa azul, em pé, segurando um microfone, começou por avisar que não comentaria a sua saída do PS. “Foi um ato doloroso para mim e que expliquei na altura. Desenganem-se os que pensam que viria aqui atacar o PS. Só quem não me conhece poderia pensar uma coisa dessas”. E rematou: “Saí do PS, mas continuo socialista”.
O que trouxe, então, Sócrates ao seu almoço de homenagem? “Venho aqui defender as políticas do governo do Partido Socialista que liderei”, explicou. Porque a “agenda política da direita”, que é a mesma “agenda do Ministério Público” (MP), têm um objetivo comum: atacar a sua governação. “Desde que saí do governo, não houve outro assunto político que não eu”, afirmou, passando em revista os “processos bizarros” que têm tentado “denegrir” o tempo em que foi primeiro-ministro: as PPP’s, Manuel Pinho, a Parque Escolar, os cartões de crédito dos seus secretários de Estado. “Isto não tem nada a ver com a Justiça, tem a ver com a política”, garantiu, entre aplausos.
Sobre o caso Manuel Pinho, negou ter estado no camarote do BES no Euro 2004 – depois de o antigo ministro ter dito este fim de semana ao “Expresso” que foi António Costa quem os apresentou num dos jogos de futebol desse ano. E lançou a primeira farpa ao atual primeiro-ministro: “Há quem saiba que não foi assim e não tiveram a decência de dizer que é mentira”. Pelo meio, Sócrates foi consultando cábulas (folhas A4 rasgadas a meio, com apontamento escritos a caneta vermelha), oscilando entre referências a “campanhas cobardes de difamação”, garantias de que “não conhecia Ricardo Salgado nenhum” e acusações à imprensa, que é manipulada “ao serviço das instituições” – dando como exemplo a “escandaleira” da divulgação das imagens dos interrogatórios judiciais. O discurso continuou, com explicações sobre a ausência de “provas e fundamentos” da sua acusação e a sua detenção, “feita de forma manhosa”. Depois, nova farpa ao PS: falando sobre as acusações de que as PPP’s do seu governo foram ruinosas, Sócrates criticou o facto de andar “toda a gente calada”, à exceção de Paulo Campos, “que teve a decência de falar”. As críticas, garantiu, são “um embuste e uma mentira”, que só têm “progredido por causa do silêncio do PS”. As PPP’s do seu tempo, garantiu, foram “23% mais baratas” quando comparadas com as dos governos anteriores, de direita.
Para Sócrates, as críticas e os processos judiciais têm um ponto em comum: são “ataques” às “inúmeras bandeiras” do seu governo, perpretrados por “moralistas de serviço” que “disfarçam a sua própria cobardia moral”. No final do discurso, antes da ovação final, deixou uma garantia: “Vou continuar a defender-me e a denunciar todos os abusos que foram cometidos contra mim, contra Manuel Pinho e contra outros. Vou continuar a denunciar esta deriva autoritária”, prometeu.
Depois, pousou com dezenas de apoiantes para selfies e fotos. A primeira foi tirada por um jornalista que estava por perto e a quem uma apoiante pediu “o favor” de segurar no telemóvel. Afinal, os jornalistas sempre têm alguma utilidade.