Alimentação. A era da (des)informação alimentar

Alimentação. A era da (des)informação alimentar


Nos últimos anos, vários documentários têm vindo a questionar o que sabemos sobre a alimentação e saúde e a levar milhares a adotar novos estilos de vida. O mais recente é “What the Health”, que compara o potencial cancerígeno de salsichas e bacon aos cigarros e ao amianto. O i reuniu as informações mais polémicas…


Quanto mais sabemos, menos sabemos. É este o estado de espírito depois de se passar em revista os últimos documentários sobre alimentação disponíveis online e em plataformas como a Netflix. 

Em “What the Health”, filme que se estreou este ano, alega-se que não é o excesso de açúcar a causar a diabetes tipo 2, mas sobretudo a obesidade. Outra imagem provocadora mostra uma mãe a servir cigarros aos filhos ao pequeno-almoço. E, neste caso, não é exagero. Desde 2015 que a Organização Mundial da Saúde declarou a carne processada cancerígena, colocando bacon ou salsichas na mesma categoria do tabaco, amianto ou plutónio. E as carnes vermelhas também estão sob suspeita, no mesmo patamar que o herbicida glifosato. Por falar em pesticidas, são outro agente diabolizado pelos documentários e, de acordo com uma análise recente da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, é possível detetar vestígios em 97% dos alimentos à venda na Europa, ainda que, na maioria das vezes, dentro dos limites legais. Uvas de mesa e brócolos eram, em 2015, os produtos hortícolas com mais valores acima da média. Se, à partida, os produtos à venda serão seguros, estudos recentes têm alertado para que a diminuição da fertilidade masculina pode estar associada à exposição a pesticidas.

O i reuniu algumas das ideias mais polémicas dos filmes e confrontou-as com os estudos e a opinião da médica Isabel do Carmo, especialista em endocrinologia, diabetes e nutrição, e Alexandra Bento, bastonária dos nutricionistas. Ambas acreditam que haver informação é positivo, mas defendem que atualmente existe também desinformação. Isabel do Carmo admite mesmo alguma manipulação por parte da indústria alimentar. 

Mais do que ir atrás das modas, importa seguir uma alimentação equilibrada e procurar fontes de informação credíveis, recomendam.

Afinal, o leite não faz assim tão bem aos ossos? 

Nos últimos anos multiplicaram-se os relatos de intolerância à lactose e a indústria alimentar acompanhou os receios da população com uma panóplia de “laticínios” à base de cereais. Porque bebemos leite? Será que faz mesmo bem? As opiniões parecem dividir-se e a resposta está cada vez mais longe de ser unânime. A ideia de que o leite poderá não só não fazer bem como até fazer mal aos ossos é uma das afirmações polémicas de documentários sobre alimentação. Em “Cowspiracy” (2014) e “Forks over Knives” (2011), alguns médicos reconhecem que o leite está cheio de vitaminas, mas reforçam que estas não se destinam aos humanos. Porquê? Porque a sua função é apenas uma: transformar um bezerro num animal grande e saudável o mais depressa possível. Assim, quando os humanos bebem essas vitaminas, pode haver mais desvantagens que vantagens. 

Em “Forks over Knives”, um dos médicos entrevistados refere um estudo que demonstrou que quanto mais elevado é o consumo de leite e derivados, maior é o índice de osteoporose (doença que afeta os ossos e os deixa mais frágeis), isto é, nos países onde o consumo de leite é maior, a taxa de fraturas ósseas também é maior. Alguns estudos têm explorado essas contradições. Um trabalho publicado em 2014 na revista “BMJ”, com base em 61 mil mulheres e 45 mil homens seguidos na Suécia durante um período de 20 anos, concluiu que um maior consumo de leite estava associado a uma maior taxa de mortalidade e que não havia uma diminuição no risco de fraturas, embora os investigadores recomendassem mais investigação. Quanto à tese de que aumenta o risco de fraturas, a teoria é que o leite, quando ingerido, liberta ácido que desequilibra o pH corporal, desencadeando uma resposta biológica: voltar a equilibrar o nível de acidez. Para isso, o nosso organismo vai libertar cálcio, por se tratar de um neutralizador. Como este está armazenado nos nossos ossos, a estrutura óssea acaba por ficar fragilizada. Outra agravante, reclamam os documentários, é o facto de o leite, depois de pasteurizado, se tornar um alimento processado; assim, a sua composição química é alterada e a acidez torna-se ainda maior. Em “Cowspiracy”, alega-se mesmo que o leite pode aumentar o risco de tumores nas mulheres, podendo ainda inchar o útero e causar fibroides. Perante tão variadas informações, o que fazer? António Vaz Carneiro, médico e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e que tem procurado desmontar mitos no Centro de Medicina Baseada na Evidência, protagonizou este verão um vídeo para o site Saúde Online, bastante partilhado nas redes sociais. Na opinião do especialista, é preciso cautela quanto aos resultados científicos, que ainda não foram decisivos. Alguns estudos têm apontado, de facto, para que o leite possa ser prejudicial para os ossos, mas os ensaios clínicos não o confirmaram. “Neste momento não existem bases científicas que nos permitam dizer que o leite faz mais mal que bem à saúde”, disse António Vaz Carneiro, que ajuda a desmontar um dos argumentos mais comuns: o facto de sermos a única espécie que bebe leite na idade adulta não permite concluir nada. “Há gatos que comem cozido à portuguesa ou peixe grelhado”, questiona. Por princípio, diz o médico, é um excelente alimento e pode contribuir para uma dieta equilibrada. Deverá ser evitado por pessoas com deficiência em lactase e que não o toleram, tendo sintomas como muitos gases, cólicas e diarreias. Condição que, isso sim, não parece ser mito: estima-se que afete uma em cada duas pessoas, nuns casos com mais intensidade do que noutros. 

O que dizem os peritos

Para a médica Isabel do Carmo, não se colocam dúvidas: “O leite é benéfico” por ser um alimento muito completo e rico e, portanto, é necessário. A especialista em endocrinologia exemplifica mesmo que os países que durante uma parte do ano não têm tanta luz solar, e por isso têm falta de vitamina D, são os que “bebem mais leite e são também aqueles em que a esperança de vida é mais longa”. Já para Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, também não há razões para fugir do leite por causa dos ossos, mas fica a ressalva: a saúde óssea é influenciada por diversos fatores: genética, ambiente, estilo de vida, alimentação e exercício físico. “Numerosos estudos demonstram a importância da ingestão adequada de cálcio para a saúde óssea, principalmente durante a infância, encontrando-se descrito que, durante a vida adulta, essa ingestão poderá ter um efeito mais reduzido na perda óssea.” E deixa uma ideia central: “A alimentação deve ser completa, variada e equilibrada.”

Quem é o grande vilão: açúcar ou gordura? 

É mais do que sabido que a gordura e o açúcar em excesso fazem mal à saúde mas, entre os dois, qual é o pior? O documentário “That Sugar Film” (2014) debruça-se sobre este tema e relembra o início da discussão em 1955, quando o presidente dos Estados Unidos da América, Dwight D. Eisenhower, morre de um ataque cardíaco. O documentário destaca as teorias que surgiram para a doença, com destaque para duas figuras: um cientista americano, Ancel Keys, que dizia que a morte tinha sido causada por uma dieta excessiva em gorduras; e um médico britânico, John Yudkin, que afirmava que os ataques cardíacos resultavam do consumo elevado de açúcar. 

Por volta dos anos 70, conta o documentário, as gorduras ganharam a batalha e exoneraram o açúcar, momento em que começaram a ser promovidas dietas baseadas em poucas gorduras (mas cheias de açúcares). O documentário demonstra a evolução de um britânico que, ao longo de dois meses, tenta consumir cerca de 40 colheres de chá de açúcar por dia, mas sem recorrer a gelados ou chocolate. Os resultados são rápidos e notórios: em apenas duas semanas ganha cerca de três quilos, tem alterações de humor e o seu corpo tornou-se totalmente dependente do açúcar para funcionar, como se fosse uma espécie de droga. Já em “Fed Up” (2014) é afirmado que o açúcar é oito vezes mais viciante que a cocaína. Um documentário que se estreou este ano, “What the Health”, torna a apontar baterias às gorduras e alega mesmo que a diabetes – doença tradicionalmente associada ao açúcar – tem origem, em primeiro lugar, no excesso de matéria adiposa. Porquê? A diabetes resulta de uma incapacidade de manter os níveis de glucose (açúcar) no sangue e surge ou quando o pâncreas não produz insulina suficiente para gerir este processo devido a uma condição imunitária (tipo 1) ou quando o sistema deixa de funcionar normalmente por outros motivos (tipo 2). É a insulina que promove o processo de passagem da glucose do sangue para as células musculares, onde é transformada em energia. De acordo com os médicos ouvidos em “What the Health”, mais do que o açúcar em si, no caso da diabetes tipo 2 é a gordura acumulada que trava esse processo. É mais um mito? Neste caso, apesar de o documentário ter motivado reações de surpresa, não parece. No site Diabetes UK, de sensibilização e promoção de saúde, também é afirmado que o açúcar não causa diretamente a diabetes tipo 2, que é mais provável se a pessoa for obesa. A questão é que isto não significa carta-branca para consumir açúcar: o risco de excesso de peso surge quando se consomem mais calorias do que aquelas que se gastam, e alimentos e bebidas açucaradas são grandes fontes calóricas.

Os estudos

Continuam a suceder-se estudos, apesar de os especialistas ressalvarem que uma dieta equilibrada será sempre a melhor opção, sendo de evitar produtos processados – sejam açúcares ou gorduras. Este verão, um trabalho da McMaster University, em Ontário, alertou para os riscos associados ao excesso de hidratos de carbono refinados, como o açúcar, enquanto uma dieta com alguma gordura (até 35% da ingestão diária) parecia ter um efeito protetor da mortalidade prematura. Atualmente, a roda alimentar recomenda diariamente 1 a 3 porções de gorduras e óleos e 4 a 11 porções de cereais e derivados e tubérculos.

O que dizem os peritos

“À semelhança da ingestão excessiva de açúcar, o excesso de consumo de gordura saturada pode aumentar o risco de resistência à insulina e diabetes tipo 2”, diz Alexandra Bento. Já Isabel do Carmo assinala que a doença não é causada diretamente nem pelas gorduras nem pelo açúcar, mas sim por vários fatores, relembrando ainda assim que “os excessos de açúcares são um dos fatores importantes para desencadear”. Na batalha travada entre gorduras e açúcares, a especialista afirma que existem vários documentos a favor de um e de outro. Um dos problemas para as melhores escolhas alimentares é o facto de o açúcar, que pode ser bastante prejudicial para a saúde, poder passar despercebido: existe mesmo nos alimentos que “não são doces”.

O lado negro dos alimentos teoricamente saudáveis

Com a preocupação em torno da alimentação surgiram cada vez mais produtos “magros”, com indicação de zero açúcares ou zero calorias. O comentário “Fed Up” (2014) denuncia a moda e alerta para que estes produtos podem ser mais nocivos que os normais, já que, muitas vezes, a indústria alimentar utiliza substitutos menos saudáveis do que os convencionais para dar sabor ou mesmo para conservar os alimentos. Também “That Sugar Film” questiona a ideia de que há produtos que são por natureza bons e outros maus, comparando um smoothie, em termos de açúcar disponível, a uma coca-cola. O documentário alega que a fruta espremida vai libertar sacarose, sendo melhor comer uma peça de fruta, pois liberta o açúcar de uma forma mais lenta e gradual, impedindo a subida rápida da insulina. Mas o problema parece também estar nos produtos finais à venda e não há nada como verificar os rótulos. Uma investigação publicada pelo “BMJ Open” alertou em particular para os sumos de fruta e smoothies dirigidos a crianças, com base em produtos à venda nos supermercados britânicos. Os autores identificaram 85 produtos que continham 19 gramas de açúcar, a recomendação diária para crianças. E encontraram mesmo produtos com 30 gramas ou mais de açúcar por 250 mililitros, o equivalente a seis colheres de chá de açúcar. Tem havido outros alertas para as diferentes formas de identificar açúcar nos rótulos. Uma das indicações do Programa Nacional para a Alimentação Saudável passa pela forma como deve ser lida a lista de ingredientes: enumera sempre os componentes por ordem decrescente, ou seja, se “açúcar” constar nos primeiros lugares da lista quer dizer que o alimento contém açúcar como um dos principais ingredientes. Entre os diferentes nomes a ter em conta estão, naturalmente, açúcar amarelo, açúcar mascavado e sacarose, mas também glicose, dextrose, açúcar invertido, maltose, mel, xarope de glicose e maltodextrinas. 

O que diz a ciência

Um estudo publicado em 2013 pela Harvard School of Public Health concluiu que comer mais frutos inteiros, em particular mirtilos, uvas e maçãs, estava associado a um menor risco de diabetes do tipo 2. Em contrapartida, um grande consumo de sumos de fruta parecia aumentar o risco. O trabalho, publicado no “British Medical Journal”, examinou dados recolhidos entre 1984 e 2008 num universo de 187 mil pessoas. Comer pelo menos duas porções dos frutos referidos acima por semana traduzia-se num risco 23% inferior ao de quem só comia apenas uma porção por mês. Já a partir de dois sumos por dia, o risco de diabetes subia em 21%. Os investigadores apontavam o facto de os sumos terem uma absorção mais rápida como uma das possíveis explicações.

O que dizem os peritos

Alexandra Bento sublinha que, mais do que ir atrás de mitos e modas, importa procurar aconselhamento especializado. “A existência de mitos alimentares na sociedade leva frequentemente a população a adotar hábitos alimentares inadequados ou a acreditar que a ingestão/omissão de alimentos tem efeitos positivos na sua saúde e bem-estar”, alerta.

Andamos a comer pesticidas e ninguém nos avisou

Os alertas sobre os pesticidas nos alimentos têm vindo a ganhar força, assim como os do uso de alimentos transgénicos no setor alimentar. O documentário “GMO OMG” (2013) gerou discussão nos Estados Unidos, alertando para a falta de estudos que comrovem os efeitos a longo prazo da ingestão de organismos geneticamente modificados. Um dos argumentos é que os transgénicos são introduzidos no cultivo por serem, teoricamente, mais resistentes a pragas e insetos, e assim contribuírem para uma maior produtividade, necessária para alimentar o mundo. Mas o filme alerta para que, ainda assim, esta opção tem levado a um maior uso de herbicidas, como o glifosato. Assim, qual é o sentido de produzir alimentos transgénicos se os herbicidas continuam a ser aplicados, questiona o documentário, alegando ainda que 80% da comida processada contém organismos geneticamente modificados e, de acordo com um estudo feito a animais e mencionado no filme, os alimentos que são pulverizados com glifosato podem ter efeitos severos – os resultados demonstraram tumores e problemas nos rins e fígado. Na Europa é obrigatório os rótulos referirem a existência de transgénicos. A Plataforma Transgénicos Fora – Por uma Agricultura Sustentável publica no seu site uma lista de produtos disponíveis em Portugal com ingredientes geneticamente modificados, é o caso de algumas bolachas, farinhas de milho ou óleos alimentares. O que diz a Organização Mundial da Saúde: os alimentos com organismos geneticamente modificados que chegam ao mercado passaram nas avaliações de segurança.

Quanto aos pesticidas, os últimos dados não são tranquilizadores, até porque muitas substâncias são potencialmente cancerígenas. De acordo com um estudo divulgado este verão pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar, com base na análise de 84 mil amostras de alimentos em 2015, 97,2% continham vestígios de pesticidas, dentro do limite legal, o que levou a EFSA a considerar existir um risco baixo para os consumidores. Apenas 5,6% das amostras excediam os limites legais. Brócolos e uvas de mesa foram os alimentos em que se encontraram mais valores acima do normal. O mesmo relatório já reconhecia que, apesar de serem uma minoria (0,7%), chegam a ser detetados vestígios de pesticidas em alimentos biológicos. Este ano, uma investigação da “Visão” confirmou que também em Portugal é possível encontrar vegetais ditos biológicos com presença de herbicidas, inseticidas e fungicidas, alguns acima dos níveis regulamentados. Duas couves, por exemplo, apresentavam 1,2 mg de glifosato, 12 vezes mais do que o máximo permitido por lei.

O que diz a ciência

Pesticidas e a infertilidade

Um estudo publicado na revista “Human Reproduction Update” concluiu que a exposição e o consumo de frutas e vegetais com elevados níveis de pesticidas podem provocar uma baixa quantidade de espermatozoides e uma menor qualidade do esperma. O estudo foi feito entre 2007 e 2012 em Boston com 155 homens que tinham uma dieta baseada em legumes e vegetais. Ainda outro estudo, feito entre 1973 e 2011, revelou que o número de espermatozoides caiu cerca de 50% nos países ocidentais. Os investigadores analisaram 244 contagens de espermatozoides, que tinham sido feitas a 43 mil homens, e apontaram a exposição a pesticidas através da alimentação como uma das potenciais causas. 

Bacon e salsichas iguais a cigarros e amianto?

É uma das imagens mais fortes do documentário “What the Health”: uma mãe serve aos filhos para pequeno-almoço uma frigideira com cigarros. De onde surge a comparação? De uma revisão publicada em 2015 pela Organização Mundial da Saúde, que declarou que a carne processada é cancerígena e que a carne vermelha é, provavelmente, cancerígena. Salsichas, bacon, presunto e outras carnes processadas passaram a constar no grupo 1 das substâncias cancerígenas, que inclui tabaco, amianto e plutónio – as referências usadas no documentário. Já a carne vermelha integrou o grupo 2A, onde está, por exemplo, o herbicida glifosato. Na altura, os investigadores da Agência Internacional para a Investigação do Cancro da OMS (IARC na sigla em inglês) concluíram que ambas as carnes estão associadas ao cancro colorretal. Por cada porção diária adicional de 50 gramas de carne processada, o risco de cancro colorretal aumenta 18%. “Estas conclusões sustentam as recomendações atuais de saúde pública de que deve ser limitada a ingestão de carne.” No outro lado da balança, dietas ricas em vegetais e frutas têm sido associadas a um efeito protetor de alguns cancros. O documentário “What the Health” acaba por ir mais longe e defender o vegetarianismo, dando exemplos de alguns doentes crónicos com problemas cardiovasculares que recuperaram depois de tirar a carne da alimentação. No documentário “Forks over Knives” (2011), a mensagem é a mesma, sendo retratados vários casos de pessoas que sofriam alguns problemas de saúde e, quando mudaram por completo a sua dieta, as doenças começaram a regredir. Um dos casos retratados é de um homem com colesterol elevado, diabetes e hipertensão. Tomava cerca de quatro comprimidos por dia e ainda insulina para controlar a diabetes, sentia-se sempre cansado e tinha dificuldades em dormir, até que resolveu mudar a sua dieta por completo. Ao tornar-se vegetariano, deixou de tomar medicação. Será assim tão vantajoso? Em 1999, o Oxford Vegetarian Study, que seguiu 6 mil vegetarianos e 5 mil não vegetarianos recrutados no Reino Unido entre 1980 e 1984, concluiu que os vegans tinham níveis mais baixos de colesterol total e LDL, o chamado mau colesterol. Vegetarianos e pessoas que comiam peixe tinham valores intermédios. As taxas de mortalidade eram inferiores nas cobaias que não comiam carne, em particular por doença isquémica cardíaca e cancro. Uma outra conclusão foi que os vegetarianos, vegans e pessoas que só comiam peixe tinham metade do risco de precisar de uma apendicectomia de emergência. Por outro lado, alertava para que os vegans estavam em maior risco de carência de iodo. Quanto à capacidade de a dieta reverter doenças, existem alguns estudos, nomeadamente para a diabetes do tipo 2. “Uma mudança de dieta consegue superar um comprimido”, alertou Susan Levin, uma das autoras da investigação da Faculdade de Medicina da Universidade George Washington. Os investigadores concluíram que pessoas que comiam uma dieta vegan pobre em gordura ou que incluíam ovo e laticínios na alimentação, mas cortavam nas carnes vermelhas, conseguiram baixar os níveis de hemoglobina A1C, que reflete os valores de açúcar no sangue, o que habitualmente se faz através de medicamentos. O incentivo é grande. Por cada descida de 1% nesta hemoglobina, o risco de complicações da diabetes desce mais de 25%. 

O que diz a ciência

Um artigo publicado no “The American Journal of Clinical Nutrition”, em 2009, concluiu que quem faz uma dieta vegetariana tem tendência a ter baixos níveis de colesterol e pressão arterial. O estudo também aponta para que as dietas vegetarianas equilibradas são mais ricas em fibras, magnésio, vitaminas, ferro e calorias, baixando o risco de acidente vascular cerebral, diabetes, obesidade e alguns tipos de cancro. 

O que dizem os peritos

“Existem alguns estudos que demonstram que a dieta vegetariana está associada a um menor risco de doenças cardiovasculares, bem como de mortalidade por este tipo de doenças”, refere Alexandra Bento, completando que uma dieta vegetariana devidamente planeada é uma “opção saudável e nutricionalmente adequada, pode ter efeitos benéficos na prevenção e tratamento de algumas doenças.” Isabel do Carmo concorda: “as dietas vegetarianas podem ser úteis para as doenças cardiovasculares”. Mas a médica endocrinologista deixa um alerta: por vezes, pode ser necessário complementar a alimentação com alguns suplementos de vitaminas, para prevenir carências que podem trazer outras complicações de saúde.