Não houve calma antes da tempestade porque a tempestade teve os seus caprichos. Este domingo de manhã, ainda na madrugada norte-americana, o poderoso e insistente Irma desobedeceu ao percurso mais provável e desviou-se ligeiramente para oeste, uma mudança de pouco mais que 160 quilómetros.
Na vida de uma tempestade formada há coisa de dez dias e ao largo do Cabo Verde, a mudança de rumo é um quase nada. Na vida dos habitantes da Florida, porém, o desvio do Irma pode resultar num desastre. É que o mesmo furacão que se esperava que fosse embater em cheio nas praias de Miami e seguir o seu curso pela costa leste preparava-se este domingo para atingir a costa contrária, oeste, onde as pessoas se julgavam a salvo e onde, afinal de contas, estavam mais em risco.
Ao início da noite, esperava-se o pior da violência do Irma em cidades como Tampa e Saint Petersburg: desprotegidas, pouco elevadas acima do nível da água, sem abrigos preparados e onde nem todos os planos de prevenção a funcionar em pleno. Bob Buckhorn, o mayor de Tampa, citava este domingo o pugilista americano Mike Tyson.
“Toda a gente tem uma estratégia até apanhar com um soco na cara”, dizia. “Pois bem… estamos prestes a apanhar um soco na cara.”
Havana a salvo
Esse soco na cara já não tinha este domingo os mesmos ventos poderosos com que sábado se aproximou de Cuba, por exemplo, e onde as rajadas chegaram aos 250 quilómetros por hora. Havana sofreu vagas com mais de dez metros, viu as ruas planas inundarem-se, as estruturas de metal e tetos falsos voarem, mas, feitas as contas aos estragos, a capital cubana atravessou o furacão improvavelmente sã.
Grandes partes de Havana foram evacuadas e o mesmo aconteceu com instâncias balneares como Varadero, de onde milhares de turistas foram retirados antes das cheias e ventos fortes. O primeiro furacão de categoria máxima a atingir diretamente Cuba desde 1924 não fez mortos ou feridos graves. Pelo menos de que este domingo se soubessem.
Em todo o caso, as inundações em Havana não desaparecerão da noite para o dia. Vão continuar até pelo menos segunda-feira, numa demonstração de como, em muitos casos, o pior deste tipo de furacões é não tanto os seus ventos poderosos como as cheias imprevisíveis e a desordem que tendem a trazer.
A fuga e as cheias
Florida era este domingo caso disso mesmo. Morreram três pessoas durante a manhã nas ilhas abaixo do território continental, as chamadas Florida Keys. Não por causa dos ventos, mas por acidentes de viação. E se ao início da noite, o furacão Irma caíra para a categoria 3, de um máximo de 5, com ventos que rondavam os 190 quilómetros por hora, e duas gruas já haviam caído em Miami, as grandes preocupações residiam nas previsíveis cheias que a força concêntrica de um furacão provoca.
Os ventos, em volta do epicentro da tempestade, começam por levar a água dos oceanos para fora, mas depois ela regressa, com força e volume redobrados. Algumas estimativas alertavam este domingo para pequenas inundações em Miami, na ordem do metro de água, por exemplo, ou, noutros exemplos, para cheias-relâmpago com três ou quatro metros de profundidade na costa oeste.
Com o furacão ainda por chegar à parte continental, o que mais se fazia este domingo era esperar. “Está uma calma ameaçadora lá fora”, escrevia o jornalista do “Miami Herald” David Ovalle. “É como esperar por um monstro. Em breve vou mandar os miúdos para o andar de cima.”
Não se sabe ao certo quantas pessoas saíram da Florida nos últimos dias. Sabe-se, contudo, que os cerca de sete milhões de habitantes estavam sob alerta e que a zona continental seria atingida nas primeiras horas de madrugada, por volta das 2h da manhã locais (7h em Portugal Continental, se não acontecesse antes com um ligeiro desvio a leste). Várias ordens de fuga são obrigatórias. Outras, não.
Abrigos de improviso
Muitos dos habitantes da costa oeste, todavia, só horas antes de abandonarem as casas é que se aperceberam do perigo que corriam. E alguns abrigos só abriram sábado à noite, para os residentes de Tampa, Saint Petersburg ou Naples, de repente no caminho do pior da tempestade.
“Estamos a tentar fazer chamadas o mais rapidamente possível”, contava este domingo Kate Albers, porta-voz do condado de Collier, que engloba estas cidades, dizendo que os abrigos enchem com muita rapidez. “Assim que começam a circular rumores de que um abrigo abriu, antes mesmo de enviarmos comunicados de imprensa, os sítios enchem-se com filas”, contava este domingo ao “New York Times”.
A avidez de sair da Florida não começou este domingo. Ao longo desta semana, alguns bilhetes de avião para cidades como Nova Iorque, por exemplo, atingiram os 3000 dólares – itinerários que habitualmente custam poucas centenas.
Raul Pinho Vaz, português que aterrou de férias em Orlando – Florida – na quarta-feira, só conseguiu sair do estado de carro. “Conseguimos ver um voo de à volta 800 euros para Nova Iorque, via Chicago, mas em dois segundos desapareceu”, conta ao i.
“No aeroporto estavam milhares de pessoas, uma coisa indescritível “, explicou desde Newark, de onde tinha ontem um voo marcado de regresso ao Porto. Chegou lá de carro alugado. E o primeiro troço da viagem, que lhe devia ter durado à volta de três horas, fê-lo em nove. “Já não havia gasolina nas bombas da autoestrada”, conta. Se a viagem tivesse corrido como o planeado, estaria ontem de manhã nas Florida Keys, a primeira vítima americana do furacão.