Perante o resultado das eleições no Reino Unido da semana passada, a primeira-ministra, Theresa May, saiu enfraquecida do seu estratagema cujo objetivo, conforme explicou num discurso em abril, era reforçar a legitimidade do seu governo para negociar a saída da União Europeia.
A campanha não correu bem ao Partido Conservador. Apesar de iniciada com uma esmagadora distância dos trabalhistas (houve sondagens que chegaram a dar 20 pontos de diferença), os sinais indicavam uma repetição da vitória de David Cameron sobre Ed Miliband.
A vida de May parecia facilitada pois, do lado trabalhista, a liderança vinha de um segmento do partido muito à esquerda, com propostas “retro” que não colheriam grande adesão. Muitos fatores poderão ter alterado este cenário inicial: uma perceção do oportunismo dos conservadores com a marcação do ato eleitoral; a alteração da sua matriz ideológica num manifesto que mereceu comparações com o do trabalhista Miliband; a campanha deste partido que, à semelhança de Sanders nos EUA, foi cavando apoios e deslocando um eleitorado jovem que se deixa irresponsavelmente inebriar por propostas como a abolição das propinas ou a retórica populista da “luta contra o sistema”, o combate aos “poderosos”; por fim, outro fator que tem sido apontado para destabilizar o cenário inicial é o ato terrorista em vésperas da eleição.
Este trágico acontecimento veio colocar Theresa May numa posição particularmente vulnerável, dado que a candidata conservadora fora ministra do Interior durante bastante tempo e, no fundo, sobre si havia recaído a tutela da segurança nacional. A oposição era então brindada com um novo argumento que, de forma eficaz, repetiu à exaustão nos últimos dias de campanha, conjugando-o com um pulso austeritário da então ministra do Interior refletido em cortes “cegos” nas forças de segurança.
Além desta posição vulnerável, criada pelas trágicas circunstâncias do momento e exponenciada, com algum oportunismo, pela oposição, a solução imediata, porventura improvisada, sem a ponderação e proporcionalidade que se exige na construção de uma estratégia eficaz de combate ao terrorismo em território europeu, apresentada por Theresa May não terá ajudado a inverter um cenário já em si mesmo desfavorável. Refiro-me à reação, um ou dois dias antes da votação, em relação ao Human Rights Act, um diploma que, disse-o Theresa May, não hesitaria em rasgar para combater de forma mais eficaz o terrorismo. As declarações de May, aplaudidas com pujança na ocasião, rapidamente foram comparadas nas redes sociais com aos planos do Imperador Palpatine, da saga Star Wars, censurados por Padmé Amidala, preocupada com a liberdade dos indivíduos; por momentos, confesso que confundi as declarações de May com um certo tipo de argumentação trumpista que rapidamente lhe merecia uma acusação de racismo e obrigaria ao agendamento do impeachment para o dia seguinte.
Seja como for, se, por um lado, este tipo de soluções coloca questões que os países mais afetados pelo terrorismo terão de discutir em relação, por exemplo, à compatibilização da prevenção de crimes com o princípio da culpa e a ideia tradicional do conceito de “ação” como um dos elementos, a par de outros, que integram o núcleo dos tipos de ilícito, ou em relação à tolerância social de um aumento significativo da vigilância dos Estados, na internet, sobre todos os cidadãos; por outro lado, apresentar vagamente a ideia de que os direitos humanos são um obstáculo, quase que atribuindo-lhes as culpas pelas falhas evidentes no combate ao terrorismo, não será uma solução com muita adesão num eleitorado e numa sociedade civil com a tradição de colocar a liberdade e os direitos individuais em primeiro lugar.
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