Quando, em junho de 1940, o estudante John Fitzgerald Kennedy deu por terminado o seu ciclo de estudos em Harvard, o seu interesse pela grande guerra que rebentara, um ano antes, no continente europeu era meramente académico. Uma viagem ao Velho Continente em 1939, poucos dias antes de o regime nazi invadir o seu vizinho polaco, inspirou o filho do então embaixador dos Estados Unidos no Reino Unido a escrever uma tese – mais tarde convertida no best-seller “Why England Slept” (“Porque Dormiu a Inglaterra”) – sobre a impreparação dos britânicos para encarar o conflito com a Alemanha de Adolf Hitler que causou sensação na prestigiada universidade norte–americana. Mas três anos mais tarde, JFK participava na guerra com as cores da marinha dos EUA.
Tal como milhares de outros jovens americanos, Jack – como era tratado em casa e no seu grupo de amigos mais próximos – sentiu-se galvanizado pelo famoso discurso do presidente Franklin D. Roosevelt, no Congresso, a 8 de dezembro de 1941. O ataque-surpresa da aviação japonesa à base norte-americana em Pearl Harbour, “no dia que viverá na infâmia”, ditou a entrada dos EUA na ii Guerra Mundial e uma corrida louca ao alistamento militar, por todo o país, incluindo junto do clã Kennedy.
Joe Jr., irmão mais velho do futuro presidente e primogénito entre os nove filhos do endinheirado ex-banqueiro e político de ascendência irlandesa católica Joseph Patrick Kennedy, foi o primeiro a juntar-se à marinha norte-americana, iniciando a sua formação em pilotagem de aviões. Jack não quis ficar atrás do irmão, com quem tinha uma relação quase umbilical, mas devido aos seus crónicos problemas de costas – agravados por uma saúde débil, por sucessivas doenças e pela prática desmesurada de desportos –, a entrada nas forças armadas foi rejeitada num primeiro momento. Terá sido o pai, Joe Sr., a “mexer uns cordelinhos” para que John F. Kennedy pudesse integrar os serviços de espionagem da marinha norte-americana e poder assim ser o “cidadão útil” que o pai sempre apregoava.
Sobreviver no Pacífico A aventura dramática e o papel de herói desempenhado por Kennedy a bordo do torpedeiro PT-109 e nas remotas ilhas Salomão, em 1943, contribuíram de forma decisiva para o crescimento do mito JFK e ter- -lhe-ão dado uma ajuda preciosa na hora de enfrentar o superfavorito Richard Nixon na corrida à Casa Branca, em 1960. Os feitos do tenente Kennedy foram objeto de livros, filmes e documentários variados que, à boa maneira americana e na sua orientação muito própria de colocar no Olimpo dos deuses uma figura de carne e osso, de um ponto de vista quer de bilheteira quer de marketing político, dificultam uma análise histórica e factual sobre o que se passou. Questionado mais tarde sobre como alcançara o estatuto de herói de guerra medalhado, o próprio resumiu o feito de forma bastante despretensiosa: “Foi involuntário, eles afundaram o meu barco”, contou JFK.
Antes dessa história lendária, John F. Kennedy passou, no entanto, vários meses a braços com fastidiosas funções de cariz meramente administrativo e a passagem do escritório para os campos de treino da marinha só aconteceu no final do verão de 1942. Jack Kennedy – como era chamado na tropa – integrou um esquadrão de torpedeiros em Melville, no estado de Rhode Island, e com eles viajou até ao Panamá para exercícios conjuntos, com outras embarcações de guerra.
Promovido a tenente no ano seguinte, JFK foi transferido para uma outra unidade de torpedeiros, destacada nas ilhas Salomão, em pleno oceano Pacífico. Aos comandos do PT-109, Kennedy e os restantes 11 membros da tripulação daquela embarcação tinham como missão principal impedir os barcos japoneses de fornecerem armas, alimentos e medicamentos ao seu enorme contingente de soldados, distribuído pelas diversas ilhas do Sudeste asiático.
Na noite de 2 de agosto de 1943, o PT–109 juntara-se a outros 15 torpedeiros para intercetar uma armada de navios de guerra inimigos quando foi violentamente abalroado pelo contratorpedeiro japonês Amagiri, que seguia a uma velocidade de 40 milhas náuticas por hora (cerca de 74 quilómetros), partindo-se em dois. Dois membros de uma tripulação composta, nessa noite, por 13 marinheiros tiveram morte imediata e os restantes, incluindo Jack Kennedy, passaram a noite sob as estrelas, feridos, nos destroços da embarcação.
Na manhã do dia seguinte, e perante o risco de serem encontrados por barcos japoneses, o tenente instou os sobreviventes a abandonarem o que restava do PT-109. Os marinheiros fizeram a nado os quase cinco quilómetros que os separavam da ilha mais próxima e, segundo os relatos, Kennedy terá abdicado de utilizar colete salva-vidas, ao mesmo tempo que apertava uma corda entre os dentes para não deixar escapar um dos feridos.
Sem água potável, comida ou um mero vislumbre de resgate, JFK e a tripulação sobrevivente aguentaram quatro dias antes de regressarem ao mar, rumo a uma ilha maior. Aí alimentaram-se de coco e recuperaram as forças, mas o futuro 35.o presidente dos EUA e um outro soldado voltaram à água para uma terceira e última missão.
Os dois alcançaram então a ilha de Naru, onde encontraram nativos, e foi aí que Kennedy gravou, numa casca de coco, a célebre mensagem com um pedido de ajuda, levada pelos locais às autoridades neozelandesas, e que viria a repousar, 20 anos mais tarde, na sua secretária na Sala Oval.
O resgate do tenente Jack Kennedy e dos dez membros da tripulação aconteceu ao fim de seis longos dias, após uma aventura que, baseada em pormenores mais ou menos extrapolados, foi verdadeiramente épica para os sobreviventes da colisão do PT-109 com o Amagiri.
John F. Kennedy foi promovido e permaneceu como comandante de um outro torpedeiro mas, em 1944, foi obrigado a regressar a casa, fruto dos problemas que já tinha nas costas e que pioraram substancialmente com o impacto do navio japonês. Em solo americano foi condecorado com a Medalha da Marinha e do Corpo de Fuzileiros pelo seu heroísmo, liderança e coragem.
Em agosto desse ano recebeu a terrível notícia da morte do seu irmão mais velho, Joe Jr., num desastre aéreo, na guerra que se travava na Europa. A tragédia acabaria por fundamentar, segundo o próprio, uma decisão de vida que viria a marcar indubitavelmente o curso do século xx. Kennedy entrava na vida política e dava os primeiros passos num trilho que o levaria ao topo da pirâmide de Washington, em 1960: a Casa Branca.