O vale-tudo


Nunca fui muito de “entrudos” nem de momentos festivos calendarizados que socialmente nos impõem o divertimento como obrigação.


 Nesse aspeto, assumo a minha inteira condição de citadino cosmopolita, bem como a minha total laicidade em matéria de “devoções” calendarizadas, onde é tão óbvia a presença invisível e opressiva da moda e do consumismo.

Mas reconheço, no entanto, a existência de algumas culturas locais em que as festividades carnavalescas persistem em expressões populares de origem remota e ligadas ao tempo em que as válvulas de escape, da folia social, eram momentos únicos de exceção tolerada em sociedades que viviam controladas a ferro e fogo. Entre o corso de Torres Vedras, Estarreja, Mealhada e tantas outras expressões populares, como os caretos de Vinhais, Macedo ou de alguns entrudos da nossa interioridade, está a distância da cultura e do tempo. Mas poucos serão aqueles que se interrogarão acerca disso, e muitos aqueles em que persiste no Entrudo a necessidade da folia consentida, da exceção e do disfarce sublimado.

E se a verdade é que hoje não vivemos o mesmo “ferro e fogo” de outrora a motivar-nos excentricidades carnavalescas, persistem ainda assim outras modernas e sofisticadas formas de pressão, igualmente massificadas.

Persistem as ovelhas, persiste o rebanho, só mudou a qualidade da pastorícia. E, contudo, a diferença é abissal: hoje, só come quem gosta e quem quer. E por mais que hoje me apetecesse disfarçar de sms, não consigo, é superior às minhas forças. É que não sou mesmo de carnavais.