Qual é o segredo da felicidade? Este homem revelou-o

Qual é o segredo da felicidade? Este homem revelou-o


Robert Waldinger lidera o estudo mais longo de sempre sobre o desenvolvimento adulto e o bem-estar ao longo da vida. O projeto em Harvard caminha para as oito décadas e restam 80 cobaias, revelou ao B.I. o investigador. O resto já é mensagem mundial e o trabalho não é só dele


“A minha Ted Talk está a tornar-se viral em todo o mundo e vou responder a isso sentando-me numa almofada de meditação durante três semanas, em silêncio”. Há um ano, Robert Waldinger tinha deixado de ser um investigador anónimo do dia para a noite. A palestra “O que torna uma vida boa?“, publicada em novembro de 2015, chegara num ápice aos milhões de visualizações, dando um destaque inédito a um estudo que decorria há 75 anos, um dos mais longos de sempre no campo das ciências sociais, mas até então com pouca atenção mediática.

Waldinger, psiquiatra, professor em Harvard e “padre zen”, como se autointitula, tinha tudo para ir à boleia da fama, mas um bom pastor tenta fazer o que prega. Pegou nas malas, emprateleirou os pedidos de entrevistas e partiu para um templo de retiros em Worcester, a pouco mais de uma hora de casa, em Massachusetts. “Muitas pessoas não pensariam em desligar num momento chave da suas carreiras. Mas eu sou um praticante e a tradição zen diz-nos que a contemplação ajuda a manter os pés assentes naquilo que é mais importante na vida”, escreveu no blogue criado dias antes, para interagir com os internautas que viram na sua figura franzina e sorridente uma espécie de guru dos tempos modernos, mas com acreditações sólidas – o que vai sendo mais raro. Claro que, se há mérito nesta história, está longe de ser só deste professor de 65 anos que fez toda a carreira em Harvard, onde se licenciou em 1973. Mas Waldinger foi talvez o mais visionário, e estava no sítio certo à hora certa.

O mais longo estudo da felicidade

Numa altura em que cada vez mais pessoas acusam a pressão do dia a dia e em que se parece ter renovado o mal de vivre que tanto inquietou a filosofia existencialista, o investigador não fez mais do que dar respostas simples e claras sobre o que importa mesmo para se ter uma vida feliz e saudável. Antes de lá irmos, importa explicar onde as foi buscar.

Aí surge o encanto: o “segredo” foi revelado pelas vidas de rapazes que, independentemente da origem privilegiada ou pobre, chegaram aos 80 e 90 anos com razões para quererem viver e com um balanço positivo das suas vidas.

Waldinger é o quarto diretor do Estudo do Desenvolvimento Adulto, sediado em Harvard, funções que assumiu em 2003, sucedendo a George Vaillant, de 82 anos. Mas a investigação começa muito antes de qualquer um dos dois ter algum papel nisso: Vaillant era uma criança e Waldinger não tinha sequer nascido.

Em 1937, um filantropo de nome Willian Grant reúne-se com um responsável dos serviços médicos de Harvard, Arlie Bock, e concluem que a investigação na universidade está demasiado centrada nas doenças – era preciso ir mais longe para estudar as dificuldades de adaptação de quem tem algum tipo de desvantagem mental ou física ao longo da vida.

Assim, em 1938, investigadores de Harvard começam a seguir dois grupos de rapazes, 824 jovens no total. De um lado, 268 finalistas da Universidade de Harvard, das turmas de 1939 a 1944, escolhidos entre os mais saudáveis e promissores, segundo os diretores dos cursos – entre eles Jonh F. Kennedy, a quem a sorte acabou por não sorrir. “O estudo inclui um graduado em Direito que morreu como um sem abrigo numa residencial com mau aspeto mas também homens que se tornaram embaixadores, membros do governo, autores de bestsellers e capitães da indústria”, descreveu Vaillant num dos livros publicados sobre o estudo quando ainda estava longe dos holofotes. Do outro, 456 rapazes dos subúrbios de Boston, selecionados quando tinham entre 11 e 16 anos.

Os primeiros registos visavam perceber o que determina a saúde e bem-estar ao longo da vida, partindo não só do background familiar mas também da sua estatura física, demonstrando teses como a de que o tamanho do crânio influenciava a personalidade e bem estar. Ao longo dos últimos 75 anos, os participantes foram convidados a responder a questionários a cada dois anos. De cinco em cinco anos tinham lugar exames físicos completos, de quinze em quinze entrevistas presenciais nas suas casas.

Quando Vaillant assume a direção do estudo, o grupo vai na meia idade e o investigador decide começar a cruzar informação das duas coortes, para perceber o que prejudicou uns e beneficiou outros. Em 1977, o psicanalista publica o primeiro livro com conclusões, “Adaptation to Life”. “A minha primeira conclusão é que eventos traumáticos isolados raramente moldam as vidas dos indivíduos. Isto não quer dizer que a morte prematura de um pai, o ganho inesperado de uma bolsa escolar, o acaso de ter o primeiro encontro com um futuro esposo ou um ataque cardíaco não levem a uma mudança súbita na trajetória da vida. Os eventos inesperados afetam as nossas vidas, tal como sair numa saída errada ou ao calhas afetaria uma viagem pelo país. Mas a qualidade da viagem em si não é alterada apenas por essa pequena viragem. As circunstâncias da vida que verdadeiramente interferem na saúde, as circunstâncias que facilitam a adaptação ou que causam um atraso no crescimento – ao contrário da fama – não são eventos isolados. O que determina, ou não, a nossa sorte parece ser a interação contínua entre a nossa escolha de mecanismos adaptativos e as nossas relações sustentadas com outras pessoas.”

Vaillant abria já nesta altura a porta do que viria a ser o grande buzz da Ted Talk de Robert Waldinger, mas as coisas ainda não eram absolutamente claras, até porque o investigador optou por centrar-se noutro aspeto: a aparente desvantagem de pessoas com doença mental nesta viagem da vida. Vaillant achava que havia motivos, com base no estudo, para mudar a forma como se encarava a doença mental, deixando a perspetiva curativa e medicamentosa para investir mais na psicoterapia, na criação de mecanismos adaptativos – o que hoje pode parecer banal, mas nos anos 80 em que o Prozac era a solução para tudo, estava longe de ser assim. “Ansiedade e depressão, como as bolhas e as fraturas, são o preço de uma vida aventureira”, escreveu na altura.

Em 1983, Vaillant publica “Natural History of Alcoholism”, sendo que metade dos divórcios entre os participantes no estudo envolveram problemas de alcoolismo. Em 1992 e 1993, saem dois trabalhos sobre os mecanismos de defesa do ego e o seu papel no desenvolvimento, caminho que levaria o investigador a ser citado pelo contributo nesta área e a classificação dos mecanismos internos de defesa, dos patológicos aos maduros e saudáveis, como é o caso do humor, da sublimação, da supressão, do altruísmo e da antecipação.

Em 2002, pouco antes de Robert Waldinger assumir os comandos do projeto, Vaillant publica “Aging Well”, aí sim já um guia assumido para uma vida feliz a partir do estudo de Harvard, com muitas das conclusões que o seu sucessor, no grande palco da internet, viria a tornar famosas.

E o que importa então?

E estava praticamente tudo lá. A conclusão principal? Relações estreitas ao longo da vida parecem influenciar mais o sucesso e o bem-estar do que o contexto, a genética ou a inteligência. Os participantes que, ao longo do tempo, tinham reportado relações fortes, com os pais, com os amigos, com as companheiras (e companheiros, porque a certa altura os investigadores passaram também a entrevistar as mulheres dos participantes) ganhavam mais no topo de carreira.

Uma boa relação com a mãe durante a infância parecia também ser determinante. Os homens que tinham descrito relações próximas com a figura materna ganhavam mais do que aqueles que tinham sido negligenciados, tinham menor risco de demência na velhice e sentiam-se mais satisfeitos mesmo com o avançar da idade. A diferença salarial apurada no estudo era brutal: mais 87 mil dólares por ano entre os homens que descreviam melhores relações com as mães. Boas relações com a figura paterna ditavam, igualmente, menos níveis de ansiedade na idade adulta e maiores índices de satisfação de vida.

Houve ainda outras conclusões surpreendentes, tendo em conta a época em que viveram os participantes. Um mau casamento revelou-se prenúncio de piores indicadores de saúde física e mental do que um divórcio. “Um casamento problemático pode ser tão prejudicial para a saúde física como o tabaco”, disse Waldinger em 2009.

“A felicidade é o amor. Ponto final”, resumiria Vaillant nos últimos anos, já depois da Ted Talk e de novos livros sobre o projeto que lhe ocupou três décadas da carreira replicarem esta mensagem. Uma curiosidade que fez questão de partilhar então, para mostrar como a conclusão do estudo que caminha para as oito décadas foi inesperada: em 1940, quando estavam a ser dados os primeiros passos, o dicionário de inglês de Oxford não tinha sequer a palavra empatia.

Preparar o futuro

Desde que Waldinger lidera o estudo, começou uma nova fase: querem agora entrevistar e acompanhar ao longo da vida os dois mil filhos da primeira geração do projeto, homens e mulheres, hoje já na terceira idade.

Na Ted Talk, o investigador explica que só com muita persistência mas também motivação dos participantes tem sido possível manter a investigação. Enviam-lhes sempre notas de agradecimento, postais pelo aniversário e até mimos como bolos de anos. Ao todo, foram investidos no projeto mais de 20 milhões de dólares, o que explicará também parte desta necessidade de o tornar mais visível (até a potenciais financiadores) para lá dos artigos em revistas científicas. O estudo mais recente, publicado este mês, analisa os fatores que parecem proteger a perda de memória entre um grupo de 71 homens do projeto expostos ao ambiente de guerra há 60 anos.

Do primeiro grupo, revelou ao B.I. o investigador, restam 80 sobreviventes. Das turmas de Harvard, apenas 20 – com uma média de idades de 96 anos; dos meninos de Boston são ainda 60, com uma média de idades de 89 anos.

A taxa de abandono ao longo do projeto foi mínima. “A cada dois anos o nosso staff continua a ligar aos participantes. Muitos da coorte de Boston perguntam: por que continuam a querer estudar-me, a minha vida não é assim tão interessante. Os homens de Harvard nunca fazem essa pergunta”, brincou Waldinger na palestra, o que mostra bem que apesar das conclusões, há ideias preconcebidas sobre o sucesso que a ciência não consegue mudar. O investigador adiantou que, além dos filhos, têm planos para entrevistar netos e bisnetos.

Mas o que fica sobretudo é a força da mensagem. Waldinger diz que as principais lições são simples: relações próximas e de qualidade mantêm-nos felizes e saudáveis ao longo da vida. Mas é preciso não descuidar os auto cuidados: o exercício, álcool moderado, evitar o tabaco. Na palestra, as imagens são fortes: “A solidão mata”, diz primeiro. “Quando reunimos tudo o que sabíamos sobre eles aos 50 anos, não eram os níveis de colesterol que previam como iam envelhecer. Eram as pessoas que estavam mais satisfeitas com a vida na meia idade que se sentiam mais felizes depois.”

Sabedoria mais velha que a ‘Sé de Braga’, traduz a versão portuguesa da plataforma Ted Talks. Então por que não o fazemos? Waldinger, ao seu jeito talvez mais de pastor zen que de académico, tem a resposta: “Somos humanos, queremos uma receita rápida. O trabalho de lidar com a família e amigos não é sensual, nunca acaba”. Se estiver certo, não custa seguir o conselho. Ainda agora, por altura das festas, falou no seu blogue das zaragatas habituais nas reuniões familiares, com o tio que conta piadas inapropriadas, a prima enfadonha, o avô com as suas teorias políticas e os adolescentes a gozar o prato. “A tendência natural é afastarmo-nos”, sublinha. “Mas e se pudéssemos olhar para estas pessoas irritantes como se fosse a primeira vez que as víamos. (…) O mestre zen Shunryu Suzuki falou desta consciência renovada a cada momento como a ‘mente de principiante’. Dizia aos alunos: ‘Na mente do principiante há inúmeras possibilidades, na do especialista existem poucas’”. E quando se olha o mundo assim, as coisas podem mudar. “Pode reparar que o tio faz uma piada de mau gosto quando começa a sentir-se excluído da conversa ou que o adolescente chato fica facilmente envergonhado e por isso se esconde atrás do sarcasmo.” Desligar do mundo virtual e valorizar os outros e o que se vai passando cá dentro é outra dica, a tal de que o padre zen não abdica nos seus retiros. Terminamos como Waldinger se despede na palestra da Ted Talk, hoje com 12 milhões de visualizações, a constatação de Mark Twain no seu final: “Não há tempo, tão breve é a vida, para discussões, desculpas, amarguras, prestação de contas. Só há tempo para amar, e mesmo isso é só um instante.” Perceber que só temos a aprender com quem já viveu é o contributo final do estudo dos rapazes-homens de Harvard e dos bairros pobres de Boston.