O referendo anunciado ontem pelo presidente húngaro não é sobre a continuidade do país na União Europeia, mas quando o primeiro-ministro Viktor Orbán anunciou a intenção de realizar este voto, em fevereiro, disse estar em causa a “independência da Hungria”.
No primeiro domingo e segundo dia de outubro os húngaros vão às urnas responder à pergunta: “Quer que a União Europeia tenha o direito de prescrever quotas mandatórias de acolhimento de cidadãos não húngaros na Hungria sem o consentimento do parlamento?”.
No país que em junho de 2015 se tornou o primeiro a erguer um muro na fronteira para enfrentar a crise de refugiados, onde o governo lançou uma campanha publicitária com cartazes com mensagens como “se vem para a Hungria não roube os trabalhos dos húngaros” e em que o chefe de governo diz que “todos os terroristas são imigrantes”, não é de espantar que a melhor sondagem para o lado do ‘Sim’ dê apenas 23% à aceitação das quotas europeias.
Por isso, ao contrário do que aconteceu com o Brexit e com outras votações incómodas para Bruxelas, desta vez trata-se apenas de contar os dias em que um Estado-membro vai vetar, através de um exercício democrático, umas das mais simbólicas medidas europeias dos últimos tempos.
Para a burocracia bruxelense a ameaça não está ao nível do Brexit, até porque em último caso – se os húngaros confirmarem a intenção de chumbar o plano – a coisa poderá resolver-se excluindo o país da medida, como já estão excluídos a Dinamarca e o ainda membro Reino Unido – sendo que esta hipótese alastraria o problema a Estados como a Eslováquia, que juntamente com a Hungria já havia protestado sobre a legalidade da medida das quotas junto do Tribunal de Justiça da UE.
E quem diz Eslováquia, diz Roménia, República Checa – países que votaram com a Hungria contra a aprovação do plano de quotas – ou Áustria, onde em maio um homem que diz que “apenas um em cinco migrantes é verdadeiramente refugiado” ficou a pouco mais de 30 mil votos de se tornar presidente.
Norbert Hofer, o herdeiro do nacionalista FPO do falecido Jorg Haider, acabou por perder mas a votação acabaria por ser anulada pelo Tribunal Constitucional, devido a irregularidades detetadas no voto por correspondência. E como se o início do outono já não fosse suficientemente assustador para a cúpula europeia devido ao referendo húngaro, ontem o chanceler austríaco Christian Kern anunciou que a repetição da segunda volta das presidenciais se realizará precisamente a 2 de outubro.
Como a saída do presidente cessante, Heinz Fischer, estava agendada para a próxima sexta-feira dia 8, Hofer até passará já a exercer o cargo, de forma interina. É ele um dos três presidentes do parlamento que a Constituição prevê como substitutos do presidente e é nessa categoria que enfrentará nova campanha eleitoral contra Alexander Van der Bellen, que já fora anunciado vencedor.
“Certamente que concorrerei de novo”, diz Bellen, um antigo líder do partido ecologista que acabou por ser eleito pelos votos dos tradicionais partidos da governação austríacas – ambos afastados da segunda volta das presidenciais.
A 26 de junho, antes de saber que a sua denúncia de fraude levaria à repetição das presidenciais, Hofer mostrou todo o seu amor por Bruxelas ao adivinhar um voto ao “Auxit” (à saída do país da UE) no espaço de um ano: “Os pais fundadores queriam assegurar maior cooperação económica porque os Estados que cooperam economicamente não entram em guerra uns com os outros. Isso funcionou muito bem até se fundar a união política”, disse o candidato da FPO antes de garantir que “se a tendência para a centralização se mantiver em vez de se dar prioridade aos valores vitais da UE, então temos de perguntar aos austríacos se querem continuar membros”.