É favor desligar os telemóveis

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O amor segundo Gaspar Noé


Um falo a ejacular em grande plano será sempre uma imagem difícil de se esquecer. Acrescente-se agora ao falo a ejacular em grande plano a variável 3D. Os cartazes promocionais deste “Love” de Gaspar Noé, que foi no ano passado apresentado em Cannes, recentemente no IndieLisboa e só agora chega às salas portuguesas, já tinham anunciado “um verdadeiro filme de amor, interdito a menores de 16 anos”, finalmente. “Love” é o filme que Noé quis fazer nos anos 90 com Vincent Cassel e Monica Bellucci e não conseguiu. A partir daí não precisávamos de grandes explicações, afinal foi “Irreversível” – com os seus inesquecíveis nove minutos de agonia naquele túnel – o filme que o casal aceitou fazer depois de declinar a primeira proposta de Noé, que só 20 anos depois encontrou o lugar e o espaço de que precisava nos anónimos Karl Glusman e Aomi Muyock, com as suas interpretações irrepreensíveis de Murphy e Electra. Numa narrativa que se desenrola em dois tempos paralelos, o da vida atual de Murphy, num dia na casa em que vive com a mulher e o filho, e o das recordações do amor intenso e obsessivo que viveu com Electra, que entretanto desapareceu, “Love” é, bem o disse Noé, um verdadeiro filme de amor, e o amor como ele é. Romântico e sexual, permissivo e obsessivo, para o bem e para o mal, sempre. “Love” é a história trágica que queremos viver.

O lugar da culpa

Orar, comer, dormir, assim vivem quatro padres que deixaram de exercer numa casa de retiro gerida por uma freira numa povoação costeira no Chile remoto. Têm um cão, um galgo, a única raça de que falava a Bíblia, lembra o Padre Vidal (Alfredo Castro), de nome Rayo, apostam em corridas sem que haja mal nisso e são felizes. Até ao dia em que chega o padre Matías Lazcano (José Soza) e atrás dele Sandokan. É aí que percebemos que a casa afinal não é um lar, ou pelo menos não um lar qualquer, é lugar de penitência pelos pecados que, de qualquer forma, Deus não há de perdoar, assim o diz às tantas o conselheiro enviado pela Igreja Católica à casa depois da tragédia que Lazcano e Sandokan trouxeram, e que os que ali vivem cometeram os seus crimes, pelos quais nunca foram julgados, de resto. Claramente inspirado pelo escândalo de abusos de menores que abalou a igreja chilena em 2010, Larraín percorre, neste que é o melhor dos seus filmes (e que tarefa difícil essa depois de “No” e “Tony Manero”) os temas incómodos para a Igreja (os abusos de menores, a homossexualidade, o aborto) e diz o que há a dizer numa espécie de vómito de realidade mais do que oportuno, numa narrativa com traços de conto homoerótico sem maniqueísmos. “Vim para cá há 40 anos”, recorda o Padre Vidal perto do final. “Nesse tempo diziam que foi o Diabo que nos criou, agora dizem que foi Deus.”

Cláudia Sobral

Piada-guerra-piada

Guerra, não há água, não há corda. Isto tudo num inglês de palavras-chave, “sorry, no water”, e neste filme bem que é preciso corda, até mais que água. Estamos em 1995, nas montanhas Balcãs, onde alguém decide deitar um cadáver para dentro de um poço – convém esclarecer que são os poços, à época, que sustentam as gentes embrenhadas na guerra – a fim de poder vender água aos irmãos locais por 6 dólares o balde. A estreia em inglês de Fernando León de Aranoa está entre o desconfortável e o arenoso, uma comédia em campo de batalha, entre check points e walkie talkies, basta para ser paradoxal, sobretudo quando entre esta equipa humanitária não há quem seja normal. Mambrú (Benicio del Toro) é o líder e mais teimoso dos heróis, enquanto B (Tim Robbins) sobra para mais louco. Depois há as raparigas – Katya (Olga Kurylenko) e Sophie (Mélanie Thierry) – , o intérprete e o miúdo Nikola (Eldar Residovic), um local resgatado pela equipa quando os amigos lhe roubaram a bola de futebol. Aranoa parece ter achado uma fórmula incrível entre momentos de tensão reais, entre danças perigosas com o inimigo e a lucidez natural de um ser humano, aquela que se confunde com a insanidade de circunstância e por isso gera o humor como defesa maior. “Um Dia Perfeito” não chega a excitar, mas diverte, agita, até pode levar mais um ou dois loucos a mudarem de vida. Nunca se sabe como se acorda.

Miguel Branco