Entre a natação do Bairro dos Anjos, em Leiria, as piscinas do Malawi e agora por estes dias nas Ilhas Maurícias, onde participa no Cana Zone IV Championships, são muitas horas de voos e viagens. Mas vale o esforço. E um bilhete para o Rio 2016.
Filipe Gomes é português e vai aos Jogos Olímpicos… pelo Malawi. Sim, esse país entalado a norte e a leste pela Tanzânia, a leste, sul e oeste por Moçambique e a oeste pela Zâmbia. Filipe tem dupla nacionalidade, é natural de Blantyre, a segunda maior cidade e o centro financeiro e comercial daquele país africano, muitas vezes referida como a capital comercial em oposição à capital política, Lilongwe. Veio para Portugal com 10 anos, diretamente para Leiria porque os seus pais são de lá. Não sabe bem por que razão se mudaram, mas agora é de entre estas andanças que surgiu a hipótese de estar no Rio de Janeiro. É uma espécie de convidado VIP.
Falámos com este nadador de bruços, acabado de fazer 19 anos, para perceber como surgiu esta hipótese. “Sempre foi um sonho meu ir aos Jogos Olímpicos, nunca pensei que conseguia esse objetivo mas desde que comecei a comunicar com a Federação de Natação do Malawi fiquei mais confiante em atingir o meu sonho”, conta-nos.
O lugar na seleção portuguesa está fora de questão, surgiu a ideia e a possibilidade de poder ir ao Rio de Janeiro pelo Malawi.
Não consegui mínimos para os Jogos Olímpicos, mas sendo o melhor nadador do Malawi posso receber um convite para ir representar o país e Portugal tem nadadores muito mais fortes do que eu, por isso decidi que era melhor tentar ir por Malawi.
Como surgiu a natação na sua vida?
Quando vivia no Malawi, praticava vários desportos… Tudo mudou quando cheguei a Portugal, a minha mãe disse-me que era diferente do Malawi e que tinha de escolher um desporto. De todos os que fazia, escolhi o que achava mais ‘fixe’, a natação. Em Portugal a escola acaba tarde e se queremos ser bons num desporto só podemos fazer um, mas no Malawi a escola acaba ao meio-dia e depois do almoço é uma tarde só de desporto (todos os dias são assim). E dá para fazer uns cinco desportos, lembro-me de praticar atletismo (corrida, salto em altura e comprimento), natação, hóquei e futebol. Participei nos nacionais do Malawi com 7 anos, ganhei medalhas de prata e bronze. No atletismo ia aos nacionais mas não ganhei nada, o hóquei e o futebol era só jogos contra outras escolas.
Na natação qual é a sua especialidade?
É bruços, gosto mais de nadar os 50 e os 100m, os 200 não, mas o meu treinador diz que para ser bom nos 100 tenho de ser bom nos 200… A minha prova com mais pontos FINA (Federação Internacional de Natação) é os 100m bruços com um tempo de 1m08,91s (610 pontos FINA). Em piscina de 25 metros tenho 1m06,70s mas não chega aos 600 pontos FINA, mas está perto.
Como surgiu a hipótese de concorrer pelo Malawi? O treinador gostou da ideia?
Estávamos no ginásio (atletas e treinador) e não sei como o tema dos olímpicos apareceu, mas passado um bocado o atleta Nuno Santos (capitão do Bairro dos Anjos ) lembra-se e disse ‘porque não vais representar o Malawi?’ e a partir desse dia o meu treinador tem estado em contacto com a Federação de Natação do Malawi. O treinador gostou muito.
O que espera do Rio de Janeiro?
Não sei muito bem como funciona com os atletas convidados, mas a prova que for nadar quero bater o recorde pessoal e, se não tiver o recorde nacional do Malawi, fico a ter esse objetivo.
Anda entre Portugal e Malawi. Onde passas mais tempo?
Nasci no Malawi onde vivi dez anos e estou em Portugal há nove. Continuo a visitar Malawi nas férias (julho ou agosto), onde fico em casa dos meus avós maternos, que ja vivem há mais de 40 anos. Gosto muito dos dois países, tenho saudades de viver no Malawi mas acho que não consigo deixar Portugal, que é onde tenho a maioria da família e amigos.
Qual é o seu ídolo, no desporto e na vida?
No desporto é o Michael Phelps, desde a primeira vez que o vi nadar tem sido o meu ídolo e na vida é o meu avô materno.
Se conseguir melhores resultados daqui a quatro anos e tiver a hipótese de concorrer por Portugal qual escolhe?
Escolhia o Malawi para ver se o país ficava a interessar-se mais pela natação, vendo um atleta do país a nadar nos Jogos Olímpicos. Assim podia ser que em dez anos a natação evoluísse. Gostava que isso acontecesse. É um país pobre, mas safam-se na maioria dos desportos. Como não têm piscinas olímpicas (50m) nem piscinas cobertas, só treinam no verão.