Vergílio Ferreira. O único romance completo e inédito do autor regressa no ano do centenário

Vergílio Ferreira. O único romance completo e inédito do autor regressa no ano do centenário


A importância de Promessa deriva de ser o primeiro romance de ideias, entre Vagão J e Mudança.


Publicado postumamente, em 2010, tal como a novela A Curva de Uma Vida (1938), chega-nos por via do trabalho da equipa responsável pelo tratamento do espólio de Vergílio Ferreira, liderada por Helder Godinho. Para os estudiosos do autor a sua publicação tornou-se particularmente significativa por constituir uma espécie de preâmbulo à transição que Mudança assinalava no percurso literário de Vergílio Ferreira, ao abordar, sob o signo da consciência infeliz hegeliana, a dialéctica entre o compromisso activo na transformação do mundo, no domínio sócio-político, e uma propensão de foro existencial, que aqui começam a dialogar de modo mais evidente.

No momento em que se descobriam nele o rumor das interrogações fundamentais que o tornariam num caso excepcional no contexto da literatura portuguesa, o seu primeiro “romance de ideias” está impregnado de um trágico interior, segundo o qual o indivíduo descobre a impossibilidade de conciliação das suas aspirações e vocações contraditórias: «é talvez pelo menos duplo todo o homem normal». Desde logo, tal duplicidade interior resulta da impossibilidade de concretizar o ideal por via de um limitante excesso de realidade: «como a realidade era um exclusivo de Sancho, os Quixotes ficavam no caminho, sovados e desiludidos.»

Editor / Quetzal

Preço / 15,50€

A mencionada contradição interior em que o indivíduo se acha mergulhado é aqui representada através da irresoluta contradição entre a propensão intelectual e a vocação combatente do ser humano, através do diálogo permanente entre Sérgio, alheado intelectual sem voluntário comprometimento político ou social, e Flávio, herdeiro do espírito militante do seu pai entretanto desaparecido. É de uma dialéctica entre ambos os planos que dificilmente se sintetiza que trata este romance, sobre a “aprendizagem” do imaginário interrogante e dilemático do ser humano. Perante o seu próprio mistério e o absurdo do seu destino, ele descobre em si a interrogação existencial que o transforma no sofredor, em sucessivos momentos históricos (Sequência foi o primeiro título atribuído pelo autor a este romance) de uma consciência infeliz.

Assim despojado dos critérios da verdade ou da salvação, resta ao indivíduo aqueloutros da justiça e da dignidade, ou seja da perseguição, pela camusiana revolta, de um ideal da sua injusta finitude. Através de uma «visão total e resistente do mundo», ele persegue a sobrevivência, ainda, dos «sentimentos nobres do homem, (…), o milagre da «aventura», ideal do moderno quixotismo. (…) o esforço de uma dignificação humana», porque sobra ainda «um meio de lutar – até ao fim -, com os restos de dignidade que nem a morte vence, porque a justiça não morre». É, portanto, necessário fazer com que a morte seja uma injustiça. E é esse obsessivo chamamento dos limites aqui anunciado que faz de Promessa um excelente pretexto para a redescoberta da obra de um dos mais importantes escritores do século XX português.