O rumor há muito que circulava, mas não havia provas irrefutáveis. Em agosto de 2000, a acusação foi até objeto de uma decisão judicial ilibatória. “Ele tem sorte, tem” comentou na altura Piotr Naimski, que como se verá tem um papel importante nesta história. Tem tanta sorte que esta alegação já lhe salvou a vida. Mas a roda da fortuna dá voltas e agora, depois de em novembro ter morrido Czeslaw Kiszczak, antigo ministro do interior da Polónia, Lech Walesa está outra vez em apuros.
Publicamente, a história remonta ao início dos anos 80, à mesma altura em que o líder do Solidarnosc enfrentou o regime comunista polaco e ganhou o prémio Nobel da Paz. Mas os seus feitos heróicos foram acompanhados de um zum zum de que na década de 70 Walesa tinha sido um informador dos serviços secretos do regime totalitário de Varsóvia. O sindicalista sempre negou veementemente as acusações e no fulgor da revolução, a notícia foi esquecida.
Dez anos depois regressou, mais forte. Piotr Naimski, lá está, era o reponsável pelos serviços secretos do estado que em 1992 ajudou a organizar um projeto para perceber quem tinha colaborado com os comunistas. Com outro membro do Solidarnosc, Antoni Macierewicz, elaborou uma lista de 64 políticos, membros do governo e do parlamento, que constavam como colaboracionistas nos registos policiais. Para seu embaraço, lá estava o ficheiro do seu antigo líder e à altura presidente da Polónia, incluindo o nome de código que escolheu: Bolek.
A decisão de o incluir não foi fácil assumiu Naimski em 2000 ao “New York Times”. Houve um debate interno entre a honestidade e a reserva política. Ganhou a primeira, mas para nada porque uma comissão parlamentar ilibou completamente o à altura presidente da Polónia.
A história imergiu, para voltar à superfície 5 anos depois quando o parlamento decidiu que os detentores de cargos públicos poderiam ter colaborado com o antigo regime, mas teriam de o assumir. Quem fosse apanhado a mentir seria banido por 10 anos da vida política.
Walesa, saído da presidência em 95 tentou um novo mandato em 2000. Os seus adversários levaram o caso a tribunal, invocando a lei. Foi apresentado um memorando do ministro comunista do interior, onde afirmava que as provas da pertença aos serviços secretos tinham sido forjadas para impedir que Walesa ganhasse o Prémio Nobel. Foi ilibado, mas a reprovação pública do candidato foi de tal ordem que acabou em sétimo lugar.
Não foi banido por dez anos da vida política, mas a humilhação fê-lo decidir auto-afastar-se para sempre.
A história da colaboração não. Mas salvou-lhe a vida. Em 2008 saiu um livro sobre o assunto, 780 páginas onde se apresentavam as provas. Só que na maior parte eram fotocópias, o que não impediu os gémeos terríveis da política polaca – os irmãos conservadores Lech e Jaroslav Kaczynski – de usarem a história o máximo que puderam. Lech Walesa em 2009 processou Lech, que em troca não o convidou para as comemorações do massacre de Katyn, em 2010. Se as relações estivessem normais, o antigo chefe de estado viajaria no avião presidencial, com Kaczynski e outros membros da elite polaca. Só que o aparelho se despenhou, matando as 96 pessoas a bordo.
Até que chegamos 18 de fevereiro de 2016. A mulher de Czeslaw Kiszczak, depois da sua morte, tentou vender o arquivo do marido. Alei proíbe-o e as autoridades revistaram-lhe a casa e levaram toda a documentação, considerada do estado. No meio dos documentos estava um pacote com uma carta que o antigo ministro dirigiu, mas nunca enviou ao responsável pelos arquivos polacos, com a indicação de que o conteúdo do pacote só seria divulgado após a morte de Walesa. Claro que isso não aconteceu e vieram a público os documentos que provam que o maior lutador contra o regime comunista tinha colaborado com os seus serviços secretos a troco de dinheiro. Usava o nome Bolek e durante anos tinha sido um ativo colaborador, dando informações sobre os seus camaradas de trabalho, até que foi afrouxando o fluxo e deixou de ter interesse para as autoridades.
Em 2011, falou ao “Guardian” sobre o assunto. Nessa altura assumiu que tinha colaborado. “Foi um jogo inteligente. Era importante alinha para dar a impressão de que eu era fraco, para que não pudesse ser eliminado“. A admissão veio com a garantia de que “nem por um momento” alinhou com o regime comunista.
Apesar de tudo deu outra versão da história, “poucos minutos depois”: “Não sabia que me poderia ter recusado a assinar [os documentos da polícia]. Não conhecia as minhas possibilidades legais. Eles disseram que se tratavam de minutas, uma espécie de um protocolo”.
Agora, mudou de versão. “Nunca traí ninguém. Nunca fui um agente. Nunca recebi dinheiro. Nunca”, clama. E perante as fotocopias dos documentos, justifica: “Não assinei nada. Essa não é a minha assinatura, porque essa letra é muito bonita. A minha letra é péssima”. E ameaça com novos processos judiciais. “Quando perceber quem foi o responsável por isto e como isto aconteceu levo o IPN [Instituto para a Recordação Nacional] a tribunal, porque me ofendeu perante o mundo todo”.
O Kaczynski sobrevivente, Jaroslaw, que é a eminência parda do regime polaco, já veio aproveitar para o fustigar.
Os seus apoiantes indefectíveis preferem ignorar as novas provas. A importância de Lech Walesa na história mundial e da Polónia já não pode ser questionada. E no início da semana centenas juntaram-se em Gdansk em sua homenagem.
Em 2000 Naimski desabafou ao “New York Times” que Walesa tinha cometido um erro ao não assumir o passado junto do público. “Perdeu uma ocasião importante para o fazer”. Agora, terá de passar a vida a correr para a frente.