É a primeira grande trégua em cinco anos de conflito na Síria. Entrou em vigor às 22h00 de sexta-feira e está a ser globalmente mantida, concordam as várias forças envolvidas nas hostilidades.
Um ativista da oposição a Bashar al-Assad, Ahmad al-Masalmeh, relatou à Associated Press como a paz se instalou em Daraa, no sul do país. “A situação estava muito complicada e a luta era intensa”, recordou, “mas depois aconteceu tudo como se estivéssemos num jogo de futebol. O barulho terminou mal o árbitro soprou no apito.”
Ontem, porém, houve mútuas acusações de violação do cessar-fogo. Ativistas sírios e a Arábia Saudita acusaram a Rússia e o regime de terem atacado cidades no norte do país. Por sua vez, Moscovo disse que a Turquia estava a disparar fogo de artilharia contra os curdos através da fronteira e pediu aos EUA para controlarem Ancara.
A cessação das hostilidades foi negociada pela Rússia e pelos EUA, tendo deixado de fora os fundamentalistas do Estado Islâmico e da Frente al-Nusra – as partes concordaram que os combates iriam continuar contra estas milícias. O que complica a situação é o facto de a al-Nusra também combater no seio dos rebeldes apoiados pela Turquia, Arábia Saudita e pela coligação internacional constituída por países da NATO.
Ontem, os opositores ao regime de Damasco acusaram a Rússia de, a pretexto do ataque aos fundamentalistas, ter estado a apoiar Assad na sua luta contra os rebeldes. “Há violações das tréguas por parte da aviação russa e da aviação do regime sírio”, acusou Adel al-Joubeir, ministro dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita.
O mesmo fez Raid Hijab, que lidera o Alto Comité de Negociações (um “chapéu de chuva” para dezenas de milícias rebeldes). Numa declaração dirigida ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, considerou que com estas violações do cessar-fogo será difícil retomar as negociações de paz, acusando os russos de terem conduzido 26 ataques contra os rebeldes. Ao mesmo tempo, citado pela BBC, um elemento do Alto Comité considerou que é “positivo ver as pessoas seguras e livres do medo”.
Atuando como fiel da balança, Rami Abdulrahman, diretor do Observatório Sírio para os Direitos Humanos, sediado em Londres, afirmou “desconhecer que aviões levaram a cabo os ataques”. “Não temos a certeza que seja uma violação das tréguas porque não está claro se as cidades atacadas faziam parte das abrangidas pelo cessar-fogo.”
Mas a Rússia também contribuiu para a agitação, apontando o dedo à Turquia por continuar a disparar contra os curdos. E foi pedir explicações aos EUA, já que Ancara faz parte da coligação internacional liderada pelos americanos.
Se os incidentes não impedirem que a paz se mantenha “globalmente respeitada”, as negociações mediadas pela ONU através do enviado especial Staffan de Mistura deverão recomeçar no dia 7 de março. Isso mesmo foi declarado por De Mistura, acrescentando que não tinha dúvidas de que “haverá várias tentativas de minar o processo”.
Nessa altura, o grande tema das conversações será a liderança do país. Em declarações à BBC, o antigo responsável militar pela NATO, James Stavridis, considera que o debate sobre a manutenção no poder de Assad corresponde a cerca de “80% do problema”. Ainda ontem, o MNE saudita reiterou que Bashar al-Assad não tem lugar no futuro da Síria.