“Já provaram o croquete desta casa? É a coisa mais horrível que se pode comer”, avisa Joaquim Quadros mal nos sentamos à mesa da Pastelaria Cister, no Príncipe Real. Respondemos que, por outro lado, a sandes de panado é incrível. Algo que Tomás Wallen-stein se apressa a corroborar. E quem melhor para o fazer que um dos elementos dos Modernos, banda que no seu primeiro EP “#1” tem uma faixa chamada “Panado Cister”. Trio – composto ainda por Manuel Palha e Salvador Seabra – que é cordão umbilical do coletivo Cuca Monga, editora que une Modernos, BISPO, El Salvador e Ganso, e que agora se apresenta no Musicbox com a primeira edição da Festa Moderna.
Rebentos naturais da pandilha Capitão Fausto que, pela altura do isolamento forçado que “Pesar o Sol” – o seu segundo disco – requereu, se lembraram que bonito, bonito não são as canções do Tozé Brito, mas antes uma editora por conta própria, algo que os livrasse dessa obrigatoriedade de usar o selo de outrem. O primeiro lamiré cucamonguiano estava dado.
E pronto. Ou ponto. Que é igual a dizer que ideias há muitas, cumpri-las é que está quieto. Dizemo-lo porque, em teoria, a Cuca Monga já existe há algum tempo, apesar de no concreto ser, até agora, apenas um autocolante: “Tem graça porque ficámos nesse gap de perceber afinal o que é a Cuca Monga. Não havia discos físicos, havia só um sticker”, confessa Joaquim Quadros, radialista da Vodafone FMe um dos nove membros da editora, que nessa manhã na Cister preferiu comer uma tosta mista. Domingos Coimbra, Francisco Ferreira e Tomás Wallenstein foram os outros representantes da Cuca Monga a marcar presença nesta conversa.
Todos concordam que a Cuca Monga foi, até ao anúncio do lançamento oficial, uma paisagem bonita reencarnada na imagem deste careca barbudo aqui ao lado: “Até tínhamos feito uma página de Facebook, mas nem tinha fotografias nem nada e, de vez em quando, havia gente a ir fazer like, numa coisa que não existia, uma página-fantasma”, explica Wallenstein.
Para exterminar a assombração Ninguém é fantasma a vida inteira, ou fantasma que é fantasma, um dia vira gente, perdão, editora. Uma vez definida esta residência que amanhã se inicia no Musicbox – e se prolonga com mais três edições até ao final do ano –, a Cuca Monga deu corda aos sapatos e saiu, finalmente, do papel. Resta saber se brotou direita, altiva e senhora, se é ou não caso para ultimar um plano de negócios perfeito com vista a um paraíso de milhões e as melhores bandas do mundo. Tomás Wallenstein esclarece de imediato que não: “Estamos mais a querer ter esta experiência do que encontrar um sítio rentável onde nos possamos encostar um bocado. Isso não vai acontecer, a editora nunca vai dar dinheiro.” Falamos antes de “uma assinatura”, como esclarece Quadros, que é igual a dizer que a Cuca Monga é a nova morada destes rapazes, grupo de gente que o público tem em boa conta, a quem gosta de se associar. Domingos Coimbra é pronto a admitir que a melhor forma de ficar garantida a estabilidade e saúde financeira da Cuca Monga é, “sobretudo, com o nosso sex appeal”.
Família que é família não janta com estranhos Isto é se não estivermos a falar de amigos de filhos que, pela primeira vez que passam lá por casa, ficam para jantar, cortesia da mãe. De outra forma, nada feito. E se isto serve uma mesa de jantar também serve um estúdio e uma editora que se quer familiar nos projetos que acolhe. “Pressupõe familiaridade. Nos Ganso há um deles que é muito nosso amigo, acabámos por nos cruzar com eles. Não acho que seja necessário darem-se connosco para estar na Cuca Monga, mas até agora tem sido assim. Mesmo que as pessoas não sejam, à partida, desta nossa pandilha, é importante encontrar pontos em comum e não uma espécie de ‘curto a maneira como trabalhas mas és um atrasado mental’. Não me apetece lidar com isso”, clarifica Wallenstein. O que pode acontecer, e acabou por se dar em Ganso, é que as pessoas se tornem, ao fim de um tempo de convivência e de frases como “acho que aí devias mudar de pedal”, amigas. “Exato, é uma ótima desculpa para criar amizades. Querem amigos? Façam uma editora”, atira Francisco Ferreira.
Ora, família sem lar é que não parece coisa boa. E aí são os mesmos a admitir que a recente descoberta de uma sala de ensaios/estúdio em Alvalade tem sido um grande motor de arranque para a Cuca Monga. Atrevimento o nosso de querer saber se na órbita cognitiva deste careca barbudo já se ponderou a criação de um espaço Cuca Monga, meio albergue, sala de ensaios com beliches no sótão para a sesta, bar com cadeiras altas e copos atrás de copos, palco para concertos familiares, ora sofá ora poltrona, sempre sem manta. “Já se falou nessa hipótese. Abrir uma sala de concertos fixes, mas fazer isso agora era um bocado estar a correr. Responsabilidade de estarmos abertos ao público e dar concertos, não seria fácil. Temos de consolidar tudo isto. Estamos pragmáticos nos planos, 2016 vamos ter quatro festas modernas, começar a fazer mais malhas para Modernos, os BISPO gravarem o disco, por aí”, explica Wallenstein.
Cuca Monga é quase tudo Agora que já passamos um texto a escrever Cuca Monga sem especificar de onde vem a palavra, não temos mais por onde fugir. Nos bastidores de “Pesar o Sol”, os Capitão Fausto andavam a ouvir um disco de Frank Zappa, ou produzido por Frank Zappa, que foi em feito em 1963-64 nos Pal Recording Studio, que se situa no Rancho Cucamonga, localidade californiana que fica a 60 quilómetros do centro de Los Angeles. Eis um dos significados de Cuca Monga, este não utilizado por estes rapazes. Mas há mais: “A expressão Cuca Monga pode significar cuca para a cabeça e estar monga, ou monga para a cabeça estar cuca, é ambivalente”, explica Ferreira, antes de Coimbra largar: “Estás com a cuca monga, estás.”
Por último, a ambivalência explorada pelo jornalista. É que os donos da Cuca Monga desconheciam o facto de no Brasil esta expressão ser utilizada como nós utilizamos cu de judas ou Cochinchina. “Ou seja, algo como ‘essa merda é na Cuca Monga, nem penses que vou’”, explora Joaquim Quadros. “Vou começar a usar, claramente”, remata Wallenstein. Ainda que seja longe, a Cuca Monga, hoje, é no Musicbox.