Com a passagem da contribuição predial para a contribuição autárquica, esta contribuição (mais tarde transformada em imposto municipal sobre imóveis, o famigerado IMI) deixou de ter como referência o rendimento do prédio para adotar um conceito novo, o de valor patrimonial tributário, conceito que o prof. dr. Sidónio Pardal, urbanista e especialista em fiscalidade imobiliária, considera “abstruso”.
Para o prof. Sidónio Pardal, a tributação da renda acrescida ao IMI é uma dupla tributação sobre os prédios arrendados. Para este universitário e profundo estudioso desta realidade, o valor fiscal deveria ser referido ao “valor de base territorial”, quando muito complementado com o “valor de rendimento”. Paralelamente, o IMI nunca deveria penalizar os proprietários que investem na valorização e conservação da sua propriedade.
Aprofundando ainda mais, o professor lembra que sem um enquadramento teórico e de princípios que salvaguarde os direitos reais da propriedade imobiliária, o Estado, como parte mais forte, tenderá fatalmente a estabelecer um regime de apropriação feudal, chamando a si o direito dominial e colocando o proprietário – cito – preso a um direito de utilização com a obrigação de pagar uma “renda” ao “landlord”, ou senhor da terra.
Nunca é demais repetir – repito – que ser dono de uma casa em Portugal, onde as populações foram aliciadas pelo Estado a comprar casa com promessas de facilidades fiscais e com facilidades no acesso ao crédito bancário para habitação, está longe de ser um sinal exterior de riqueza. Em vez de aumentar, o Estado devia, em muitos casos, diminuir o IMI, o que seria automático se o índice de envelhecimento dos edifícios fossem aplicado como e quando deve ser.
Para o Estado, as casas não envelhecem, o que gera um quase automático aumento de impostos como o do IMI, situação que, em tempos de aperto, é uma perigosa ameaça social que em parte, felizmente, poderá ser travada se se confirmar, no próximo Orçamento do Estado, a inclusão das cláusulas de salvaguarda contra aumentos abruptos em sede de fiscalidade imobiliária.
Isto e o que está a ser feito, parcialmente, por alguns municípios, sensíveis ao cenário de elevada austeridade que ainda marca a vida de muitos portugueses e à evidência de que as reavaliações cegas dos impostos sobre o património estão a ser duplamente injustas – pela inoportunidade do momento e pela falta de rigor, sempre a prejudicar o contribuinte –, é positivo, reconheço.
Isto sem prejuízo de uma revisão mais profunda de todo este edifício fiscal leonino, no sentido, entre outros e por exemplo, de reconhecer que o IMI a aplicar nos imóveis que servem de habitação própria permanente e principal dos respetivos proprietários devia ser quase só simbólico, honrando promessas implícitas feitas aos aliciados compradores de habitação própria pelos poderes públicos quando estes aplaudiam e incentivavam estas opções.
A tributação que incide sobre o património imobiliário não pode continuar a avançar para patamares arbitrários e despóticos tendo em vista o aumento das receitas do Estado até ao limite do insuportável por essa via, um recurso fácil face à crónica incapacidade de encontrar fontes alternativas de recursos. Sem mudanças neste campo, dificilmente acreditaremos que as coisas podem mudar.
Presidente da CIMLOP