Colónia. Evitar agressões sexuais está à “distância de um braço”

Colónia. Evitar agressões sexuais está à “distância de um braço”


“Uma dimensão de crime completamente nova”: é assim que as autoridades descrevem o crime que assolou Colónia na noite de passagem de ano. Presidente da câmara da cidade aconselha as mulheres a manterem-se a “um braço de distância” dos possíveis agressores. Os suspeitos são homens “árabes ou do norte de África”


O que devia ter sido uma noite de festa não o foi para pelo menos 90 mulheres alemãs. Na noite de passagem de ano, em Colónia, na Alemanha, foram roubadas ou agredidas sexualmente por dezenas de homens – algumas testemunhas falam em mil -, na sua maioria bêbedos, que segundo algumas vítimas eram de “origem árabe ou do norte de África”.

A Alemanha está chocada. “Uma dimensão de crime completamente nova”, dizem as autoridades.

A chanceler alemã, Angela Merkel, não se mostrou indiferente aos ataques, expressando o seu choque, pedindo uma “dura resposta do Estado de direito” e afirmando que é necessário “localizar e julgar” os responsáveis “o mais rapidamente possível”.

Também o ministro alemão da Justiça, Heiko Maas, reagiu aos abusos no Twitter. O ministro recusou “tolerar abusos horríveis sobre as mulheres”, prometendo ainda castigar “todos os responsáveis”.

Refugiados

Assim que a notícia foi divulgada pela comunicação social, rapidamente as agressões foram associadas aos refugiados, devido à nacionalidade dos agressores. E vários grupos de direita exigiram mesmo que a Alemanha pare de receber refugiados.

Apesar das críticas violentas de muitos aos acontecimentos de Colónia, há quem considere que estas acusações não fazem qualquer sentido.

Para a presidente da Câmara de Colónia, Henriette Reker, é “completamente inapropriado associar um grupo de homens provenientes do norte de África aos refugiados” – opinião que é partilhada por Wolfgang Alberts, chefe da polícia da cidade, que destacou ser “absolutamente inadmissível” especular que os autores dos ataques sejam refugiados. “De momento não temos nenhum suspeito, por isso não sabemos quem foram os responsáveis. Tudo o que sabemos é que a polícia que estava no local percebeu que os homens tinham idades entre os 18 e os 35 anos e que seriam de origem árabe ou norte-africana”, acrescentou.

O gabinete da chanceler alemã também pediu que não se atribuam os ataques aos refugiados enquanto não forem encontrados os verdadeiros responsáveis.

Apesar de ainda não terem sido identificados os responsáveis, as críticas aos refugiados e às medidas de asilo adotadas por Angela Merkel são uma constante. “É esta a Alemanha cosmopolita e colorida que Angela Merkel desejou?”, criticou Frauke Petry, líder do partido nacionalista Alternativa para a Alemanha, que apelou a uma repressão do número de requerentes de asilo no país. E as críticas por parte de vários políticos continuaram. “Se as pessoas que pedem asilo cometem tais agressões, isso deve ser visto como uma traição aos valores de hospitalidade e conduzir ao fim imediato da sua estada na Alemanha”, avançou Andreas Scheuer, secretário-geral do partido conservador CSU que, apesar de fazer parte da coligação do governo, tem vindo a tecer várias críticas sobre o enorme fluxo de refugiados que chegam ao país.

Thomas de Maizière, ministro alemão do Interior, veio em defesa dos refugiados. Segundo o ministro, a aparência dos agressores “não deve levar a criar uma suspeita geral sobre os refugiados que, independentemente das suas origens, procuram proteção na Alemanha”.

Protestos

Se até os políticos criticam, a população alemã não lhes fica atrás. Na noite de terça-feira foram várias as pessoas que se juntaram frente à Catedral de Colónia não só para protestarem contra as agressões sexuais, mas também para criticarem a chanceler alemã por receber tantos refugiados no seu país.

“Merkel: onde estás? O que dizes? Isto amedronta-nos!”, podia ler-se num cartaz.

Mesmo antes destes incidentes, que vieram agravar o clima de desconfiança, o número de ataques e agressões a refugiados na Alemanha era muito elevado.

Segundo o departamento de Investigação Criminal da Polícia Federal (BKA), até ao início do passado mês de dezembro foram registados 817 ataques na Alemanha contra centros de apoio a requerentes de asilo. O número é quatro vezes superior ao de 2014. Pelo menos 733 ataques foram atribuídos à extrema-direita xenófoba.

Os protestos em Colónia vão continuar, com o grupo antimuçulmano Pegida a anunciar que vai realizar uma manifestação no próximo dia 9, em frente da estação ferroviária de Colónia, onde aconteceram as agressões. Em declarações à estação de televisão Russia Today, a porta–voz do Pegida, Tatjana Festerling, disse que esta é a altura certa para acabar com a entrada de refugiados no país, acrescentando que os ataques são “exatamente” aquilo para que o Pegida “alerta há mais de um ano”.

“Um braço de distância”

Como se já não bastasse a revolta popular e política devido às agressões sexuais e à política adotada por Merkel para os refugiados, também a presidente da Câmara de Colónia foi alvo de críticas. Numa tentativa de evitar que este tipo de ataques volte a acontecer, Reker sugeriu algumas medidas que geraram indignação. A presidente sugeriu que as mulheres se mantivessem a “um braço de distância” dos possíveis agressores e que estivessem sempre em grupo. Logo que foram conhecidas as medidas, surgiram críticas nas redes sociais.

“Eu até tinha intenção de molestar e assaltar esta mulher. Mas porra: ela está a um braço de distância de mim”, ironizou o político alemão Christopher Lauer. “Eu tenho braços curtos. Será um problema para mim?”, escreveu também uma mulher alemã nas redes sociais.

Dada a grande visibilidade que as suas medidas provocaram, Reker já se defendeu e garantiu que as sugestões tinham sido deturpadas.

Na primeira pessoa

Poucos dias depois das agressões, Anna (nome fictício) deu uma entrevista à emissora alemã Deutsche Welle (DW) em que relembrou os momentos pelos quais passou. Anna começa por dizer na entrevista que, de repente, ela e uma amiga ficaram presas no meio da multidão. Quando tentavam atravessar essa multidão, foram empurradas. “Alguém colocou as mãos entre as minhas pernas, mas consegui fugir antes que o pior acontecesse”, confessou Anna à DW. Mais tarde, quando conseguiu entrar dentro da estação, Anna percebeu que tinha sido assaltada ao dar por falta do telemóvel. Nessa altura foi até ao posto da polícia fazer queixa e, quando chegou, deparou-se com o pior. “Havia lá um monte de raparigas, todas a chorar compulsivamente.” Anna relembra ainda que a sua queixa foi desvalorizada pela polícia.

Até agora, as autoridades ainda não conseguiram encontrar nenhum dos suspeitos dos incidentes em Colónia na noite do fim de ano. Para que a investigação se faça da melhor forma, a polícia aconselhou a que todas as mulheres que ainda não apresentaram queixa o façam.

Para que situações deste género não voltem a acontecer, as autoridades já anunciaram que vão aumentar a segurança na próxima festividade, o Carnaval, altura em que centenas de milhares de visitantes acorrem à cidade.