O Ministério da Administração Interna confirmou ao i que tem ido buscar dinheiro ao Fundo de Garantia Automóvel, mais de 20 milhões no últimos cinco anos, e que o maior quinhão, um pouco acima dos 18 milhões de euros em quatro anos, foi “distribuído às forças de segurança”, PSP e GNR.
Para o Ministério da Administração Interna (MAI) está tudo normal, a verba que vai buscar ao Fundo de Garantia Automóvel (FGA) é para a “realização de campanhas por parte da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), quer na promoção e apoio de iniciativas da sociedade civil, mediante concursos lançados para o efeito, quer ainda na aquisição de equipamento para as forças de segurança, no âmbito da prevenção e segurança rodoviárias”, disse ao i.
Mas a Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) ou o Automóvel Club de Portugal consideram isso batota. Muitas seguradoras também. O presidente da direcção da PRP, José Miguel Trigoso, lembra que quando o Instituto de Seguros de Portugal fez o acordo com o governo, há mais de duas décadas, segundo o qual ficava com direito a uma percentagem do Fundo de Garantia Automóvel, “a intenção era que o dinheiro fosse utilizado especificamente em acções para reduzir os custos correntes com a sinistralidade automóvel”, para ajudar as companhias a ter menos prejuízos.
Sinistralidade sobe
Talvez a questão não se tivesse levantado se a sinistralidade não estivesse a aumentar. Mas está e de forma alarmante. Até Agosto deste ano, os dados acumulados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária mostravam já mais 3575 acidentes de viação do que em 2014, com mais mortos e mais feridos graves.
O FGA foi criado para garantir a reparação de danos decorrentes de acidentes rodoviários ocorridos em Portugal ou no estrangeiro causados por veículos sem seguro obrigatório de responsabilidade civil.
Em 2014, de acordo com o relatório e contas da ASF, ex-Instituto de Seguros de Portugal, o FGA fechou com 3768 novos processos e “no último trimestre registou um número de acidentes superior a todos os trimestres anteriores, com mais 11% do que no trimestre imediatamente anterior”. Mas nos últimos dez anos o número de acidentes participados ao FGA decresceu 47% – de 7069 em 2005, para 3768 em 2014.
O presidente do ACP, Carlos Barbosa, não tem dúvidas e diz que as campanhas de prevenção rodoviária são decisivas. Mas não tem havido.
José Miguel Trigoso diz que os concursos para financiar acções de segurança rodoviárias são cada vez menos e têm cada vez menos dinheiro. Neste momento, a PRP está a desenvolver uma campanha de reflectorização para peões, “mas nem sei o valor de cor”.
O que o presidente da direcção da PRP sabe é que “desde 2005, por causa de um despacho de António Costa, que era então ministro da Administração Interna, é maior a percentagem desviada para a aquisição de equipamentos para as polícias do que as verbas destinadas a acções de segurança rodoviária”.
A confirmação
Até 30 de Novembro deste ano, o Ministério da Administração Interna tinha recebido do Fundo de Garantia Automóvel mais de 20 milhões de euros, segundo dados enviados pelo ministério ao i.
Desse total, um montante superior a 18 milhões de euros foi “distribuído às forças de segurança” e mais de 1,9 milhões de euros destinaram-se a “concursos de prevenção rodoviária”.
Os dados do MAI mostram que, no total, foi este ano e em 2013 que se gostou menos dinheiro, 2,4 e 2,5 milhões, respectivamente. Por oposição, em 2012 gastou-se mais do dobro, 6,5 milhões, 5,6 milhões só com a GNR e a PSP.
E é isto que o presidente da PRP não compreende. “As verbas para a compra de automóveis – diz José Miguel Trigoso agora, como já tinha dito ao i o presidente do ACP – devem vir do Orçamento de Estado, como acontece em qualquer outro país”.
José Manuel Trigoso até admite a compra de algum equipamento que tem mais directamente a ver com a segurança, como instrumentos de controlo de álcool ou drogas, por exemplo, mas não muito mais do que isso e, seguramente, nada que implique a aquisição de veículos ou equipamentos de rádio, “que não são acções específicas de segurança rodoviária”.
Carlos Barbosa sabia o que estava a dizer quando contou ao i que “todo o dinheiro da prevenção rodoviária tem sido para comprar automóveis e pistolas e radares, e não tem sido para aplicar em campanhas de sensibilização como manda a lei. O Estado vai lá [ao FGA] buscar o dinheiro para comprar automóveis para as brigadas de trânsito, para a GNR, porque considera que as campanhas de segurança rodoviária passam por ter carros novos, radares novos, computadores nos carros. Eu não estou de acordo. Penso que o Orçamento do Estado deve englobar o equipamento de vigilância, o MAI é que gere isso”.
Tribunal
O i quis saber mais sobre o processo que a Prevenção Rodoviária Portuguesa moveu contra António Costa, então ministro da Administração Interna, e o MAI, pelo não pagamento de uma verba aprovada de 4,5 milhões de euros e que corre nos tribunais há oito anos. José Miguel Trigoso respondeu que “esse não é um assunto um assunto do qual eu queira falar neste momento”, acrescentando apenas que está parado.
Recorde-se que António Costa, actual primeiro-ministro, foi responsável pela extinção da Direcção-Geral de Viação e da Brigadas de Trânsito, quando foi ministro da Administração Interna, entre 2005 e 2007, e também quis acabar com a PRP, lembra Carlos Barbosa.