Depois de 20 anos à frente da UGT, João Proença aposta agora na Associação Mutualista do Montepio, numa lista da qual fazem também parte Bagão Félix e António Godinho. A associação separou-se recentemente da Caixa Económica por decisão do Banco de Portugal, o que fez com que os associados ficassem na parte mutualista, enquanto os clientes passaram a ter os seus investimentos na Caixa Económica, que foi equiparada a um banco, numa separação que está longe de estar clarificada. O processo eleitoral, marcado para dia 2, está a ser marcado por vários incidentes que incluem queixas-crime por falta de democraticidade das eleições e denúncias ao fisco por alegada fuga aos impostos pela instituição financeira liderada por Félix Morgado. Proença também não é particularmente adepto da solução à esquerda defendida por António Costa, defendendo que o Presidente da República só deve indigitar o líder socialista como primeiro-ministro se este lhe apresentar garantias de que o Pacto Orçamental é para cumprir. E lembra que o PCF_também enterrou o governo de François Mitterrand em França, apesar do acordo entre os dois partidos.
Porque está a concorrer às eleições para o Montepio pela lista D?
Essencialmente porque fui desafiado por um grupo liderado pelo António Godinho, que é co-autor de um livro, “Renovar o Montepio”, que defende uma mudança profunda da Associação Mutualista, quer ao nível da forma como está ser gerida quer da garantia de defesa dos associados. A lista da qual eu faço parte, a D, é a mais credível porque tem entre os seus membros o general Pinto Ramalho, Bagão Félix, Amadeu Paiva e o próprio António Godinho, que apresenta novas ideias e uma análise profunda sobre o que se passa actualmente no Montepio, e um projecto de profunda reestruturação.
Que mudanças defendem para a Associação Mutualista?
Em primeiro lugar, queremos pôr a associação ao serviço dos associados. Também queremos criar novas condições para o grupo e para todos os que para ele trabalham. A Associação Mutualista tem sido posta ao serviço da Caixa Económica Montepio Geral e só ganhou uma nova dimensão porque o Banco de Portugal exigiu que houvesse uma separação entre as duas entidades, embora Tomás Correia e os restantes membros da direcção tenham permanecido à frente dela. Não foi a separação em si, mas foi o facto de a anterior direcção do banco se manter na direcção da associação. Essa passagem de um lado para o outro nunca foi esclarecida. A Associação Mutualista acabou por ser o seu ponto de recuo. Ora a associação tem apenas cerca de 86 colaboradores, enquanto o grupo Montepio tem mais de 4500. E também é bom de ver que é a Associação Mutualista que é proprietária de todo o grupo, e é nela que estão os associados. Mas embora seja essa a realidade, os ficheiros dos associados estão na Caixa Económica. Por outro lado, a Associação Mutualista não tem capacidade para definir os produtos bancários ao serviço dos seus associados. Hoje, esta é um mero meio instrumental para criar uma complexidade de empresas e de instituições geridas pelo mesmo grupo de pessoas e com direcções magnificamente remuneradas. Parece-nos fundamental colocar a associação ao serviço dos associados e responder a todos os trabalhadores do grupo, garantindo a transparência e a participação e promovendo uma profunda reestruturação das empresas, o que passa necessariamente pela revisão dos estatutos.
Em que sentido seria essa mudança?
O Montepio foi criado há 175 anos para garantir aos seus associados e às suas famílias protecção a diversos níveis, para assegurar um sistema mínimo de defesa dos trabalhadores e das suas famílias, através de produtos que visavam não só os acidentes que podiam acontecer, como apoiar os familiares em caso de morte e na velhice.
O Montepio desenvolveu claramente essas valências durante muitos anos, como aconteceu durante a liderança de Costa Leal. Nos últimos anos apostou sobretudo em criar um banco forte que pudesse competir no mercado com as restantes instituições financeiras, desenvolvendo produtos com a promessa de altas taxas de rendibilidade, mas deixando de garantir aos associados mecanismos complementares ao sistema de segurança social. É isso que justifica que dos associados que entraram nos últimos anos, quase 50% tenham saído ao fim de um, dois ou três anos.
Responsabiliza Tomás Correia por essa política?
Nos últimos anos houve um desvio total dos objectivos mutualistas, como a compra do Finibanco pelo Montepio, numa operação muito pouco transparente, ou o empréstimo ao grupo GES, que também nunca foi cabalmente explicado. Ou ainda a intervenção na compra de empresas seguradoras do grupo BPN. Hoje, o grupo Montepio ganhou uma maior dimensão no sector financeiro, mas com muito menos segurança para os seus associados.
Tem ideia dos prejuízos que essas mudanças implicaram?
Para já, mais de 100 milhões de euros foram à vida devido ao empréstimo às empresas do Grupo Espírito Santo. Em simultâneo, existe hoje uma muito maior exposição ao risco. A Caixa Económica continua sólida, mas há que preservar e defender essa robustez. E existe claramente uma necessidade de recapitalização. Por outro lado, a actual direcção da Associação Mutualista ainda não apresentou as contas do grupo em 2015, embora tenhamos registado perdas de 500 milhões de euros no conjunto dos anos de 2012 e 1013. E acreditamos que no ano passado também tenha havido perdas significativas.
Isso significa que, se ganharem as eleições, vão mudar radicalmente o estilo da liderança no Montepio?
Vamos acompanhar mais de perto todos os investimentos que foram feitos nos últimos anos, como repensar o investimento feito pelo grupo no Finibanco de Angola. Em 2013, o Montepio tinha uma participação da ordem dos 73% e houve alguns problemas por causa disso. Essa é uma área que também está por esclarecer. Também queremos apoiar os trabalhadores. Há que encetar um diálogo com os trabalhadores quer no quadro da negociação colectiva, quer no quadro de um diálogo diferente que também passa pela Associação Mutualista e outras empresas, acabando com algum mal-estar que se sente, e responder com a valorização do mérito, apostando na valorização profissional e nas qualificações.
Tomás Correia é o vosso principal alvo?
Não é uma luta personalizada contra ele, embora nos últimos anos se tenham congelado salários e criado um clima de intimidação que não pode persistir. Defender os trabalhadores também passa por valorizar o papel da Associação Mutualista e das empresas a ela ligadas como instituições únicas na sociedade portuguesa. Vamos também estudar a fusão de algumas empresas sem pôr em causa o futuro dos colaboradores, mas fomentando a mobilidade.
Quantas empresas tem hoje o Montepio?
Dezanove directas e várias outras associadas. Criou-se uma complexidade tal que não é justificável em termos de gestão racional do grupo. Muitas delas, por exemplo, resultaram da autonomização de departamentos do banco. E alguns dos investimentos estratégicos visaram produtos que são meramente instrumentos financeiros de capitalização.
Como analisa este processo eleitoral, tendo em conta a sua vasta experiência como dirigente sindical?
Trata-se de um processo profundamente antidemocrático e que não garante que não possa haver uma fraude nas eleições. Há uma única lista com acesso a toda a informação dos associados, que é a lista de Tomás Correia. Nem sabemos a listagem por ordem numérica, nem quem tem as quotas em dia.
E se me perguntarem quantos votantes existem em Lisboa ou na Madeira, também não sei. Mas mais do que esta falta de informação, a lista A tem utilizado a máquina do próprio Montepio e da Caixa Económica para promover sessões de esclarecimento. Quanto à comissão eleitoral, disseram-nos inicialmente que tinha sido enviada há vários meses para a Comissão de Protecção de Dados um pedido de autorização para fornecer as listas dos contactos dos associados a todas as listas. Veio agora a verificar-se que esse pedido só entrou a 26 de Outubro, o que inviabiliza qualquer reposta em tempo útil.
Porque estão estas eleições a ser tão mediatizadas?
Porque representam 90% do movimento mutualista em Portugal e é uma IPSS determinante neste movimento em Portugal, talvez só superada pelo Automóvel Club de Portugal.
Reuniu-se na semana passada com o presidente da Caixa Económica, Félix Morgado.
O que saiu desse encontro?
Garantiu-nos que era proibida a comunicação das listas com as agências da Caixa Económica. Transmitimos ao presidente do banco que essa é uma boa intenção mas que, na prática, ainda distorceu mais as condições de concorrência entre as listas, na medida em que a lista A tem os contactos de todos os associados, que ainda não foram disponibilizados aos restantes candidatos. Félix Morgado comprometeu-se a analisar o assunto e já enviou uma nova directiva aos trabalhadores, repetindo que deve haver total isenção. Sabemos que isso diminuiu um pouco a actividade dos colaboradores para contactarem os associados no sentido de votarem na lista A.
Acredita que a providência cautelar que já entregaram no tribunal e a queixa-crime que entrou na PGR podem influenciar o desfecho destas eleições?
Esperamos que sim. As providências devem ser decretadas pelo tribunal, que as devem analisar antes das eleições. Registamos que, em 2012, outra providência cautelar contra a democraticidade do processo e o acesso à base de dados dos associados causou uma luta na comissão eleitoral. Mas depois acabaram por enviar uma camioneta com caixas em papel às outras duas listas, com os dados dos associados.
Estas eleições podem ser consideradas fraudulentas?
A mesa da assembleia-geral diz que não sabe quantos votos foram impressos, o que parece extraordinário num processo eleitoral. Mas nós nem sequer temos a possibilidade de acompanhar onde estão esses votos. Existem 500 associados que têm como morada os próprios balcões da Caixa Económica, o que também nos causa grandes preocupações quanto ao processo antes de chegar às caixas postais. Ainda não há dados sobre as eleições de 2012, não se sabe quem votou nem quantos kits de substituição foram utilizados. E os votos não foram contados por uma mesa, mas sim por máquinas não certificadas. É nesse quadro que vem a providência cautelar e a queixa ao ministério, ao qual compete fiscalizar os processos eleitorais nas instituições particulares de solidariedade social. Agora juntou-se a essa queixa uma outra na Procuradoria-Geral da República. Se houvesse vontade, deveria haver uma decisão antes das eleições de dia 2.
A responsabilidade da forma como está a decorrer este processo eleitoral é apenas de Tomás Correia?
O processo está organizado de uma forma não democrática. As pessoas têm a noção de que estão a cometer ilegalidades, mas que estas só serão analisadas depois do processo eleitoral. Neste caso, cabe à Inspecção-Geral da Segurança Social aferir que o acto eleitoral decorreu dentro das regras democráticas.
Falemos agora de política. Já se manifestou contra a aliança à esquerda de António Costa. Acusou-o de subverter o resultado das eleições…
Sempre achei que não havia nenhuma solução fácil. Mas também sempre defendi que o Partido Socialista não dialogou com a coligação que venceu as eleições, embora se tenha reunido inúmeras vezes com Passos Coelho e Paulo Portas na sede socialista. O partido acabou por subverter os resultados eleitorais ao estabelecer um entendimento com o Bloco de Esquerda e com o PCP para a formação de um governo de esquerda.
Considera que esta plataforma com cariz de apoio parlamentar pode representar um perigo para o país?
Sim. Existe o perigo de colocar em causa o caminho de consolidação orçamental feito até aqui.
E quanto ao papel do Presidente da República?
Neste momento, acho que o Presidente da República, depois da queda do governo de coligação, deve indigitar António Costa como primeiro-ministro e deixá-lo formar governo. Mas é imprescindível que o obrigue a definir algumas orientações. Não estamos num regime meramente parlamentar, mas sim semipresidencialista. Quando Paulo Portas se demitiu, na altura em que Maria Luís Albuquerque subiu a ministra das Finanças, foi ele que impôs a Passos Coelho que ele continuasse no governo.
Então mudou de posição…
O governo de Costa é totalmente legítimo e devem ser-lhe dadas condições de tomar posse. Seria muito mau para o país continuar em gestão por muitos meses, seja qual for o governo, porque não terá nunca a aprovação da maioria de esquerda na Assembleia da República. E só com essa garantia é que eventualmente poderia haver um governo de iniciativa presidencial. Na minha opinião, deveriam ter sido encontradas outras soluções, mais no quadro do bloco central, mas os factos acabaram por apontar outra direcção.
Não o preocupa esta maioria à esquerda, com o Partido Socialista a aliar-se ao PC e ao Bloco?
É evidente que nos preocupam as condições de governabilidade de um governo deste tipo, porque assisto hoje a uma grande crispação na sociedade portuguesa. Vamos ter eleições presidenciais, que poderão contribuir para a diminuição dessa crispação. Mas o diálogo político e o peso das decisões políticas no quadro do parlamento devem ter em conta o reforço dos mecanismos de participação dos cidadãos e, nesse sentido, consideramos essencial que muitas dessas decisões sejam tomadas no quadro da concertação social, reforçando o seu papel.
Enquanto secretário-geral da UGT, sempre defendeu essa posição. Não o preocupa a posição da CGTP, que já veio defender publicamente que o salário mínimo nacional seja fixado pela Assembleia da República?
Se assim fosse, estaríamos a acabar com a democracia como a vemos hoje. O salário mínimo nacional é um dos temas em que o governo tem obrigatoriamente de ouvir os parceiros sociais. E só no caso de não haver acordo é que o governo pode decretá-lo. Mas nunca o parlamento. O governo é a única instituição com poderes para regular essa matéria, com base num relatório anual que deve ser elaborado sobre o impacto dessa remuneração. Mas até hoje sempre foi decidido no âmbito da concertação, através de uma negociação entre os sindicatos e o patronato, até pelas repercussões que pode ter nas empresas.
Considera então que a concertação deve ser reforçada neste momento…
A concertação social ganha uma nova importância porque poderá criar condições para haver reformas importantes e necessárias para defender o Estado social. É claro que algumas dessas reformas serão difíceis, sobretudo se se partir de um quadro de crispação dentro da própria Assembleia da República. Se a maioria parlamentar quiser decidir sobre uma série de matérias, então certamente que haverá maior dificuldade em criar um clima favorável às reformas do Estado, nomeadamente na segurança social e na educação.
A defesa do Estado social passa por uma permanente adequação à realidade. Para isso deve apoiar-se não só numa maioria parlamentar, mas também procurar ganhar o apoio da sociedade. A Segurança Social é, por exemplo, um caso muito específico, porque é um regime financiado por trabalhadores e empregadores.
Acredita no sucesso de um governo socialista apoiado por partidos à esquerda?
Não sei. Depende muito do quadro de actuação do primeiro-
-ministro e dos apoios parlamentares que vai ter. O meu receio é que esses apoios passem por um certo imobilismo em termos de reformas estruturais ou crie grandes condicionantes à actividade económica que possam pôr em causa a criação de emprego e de investimento.
E como vê o apoio do Partido Comunista ao Partido Socialista, num quadro em que sempre houve uma disputa entre os dois pela conquista de votos?
Um governo com o apoio do PCP corre sempre o risco de ver a conflitualidade social aumentar. É preciso não esquecer que em França, quando foi implementada uma solução semelhante, o governo liderado por François Mitterrand no início dos anos 80 acabou por cair por causa das greves.
Já teve uma vasta experiência de tentativas de aliar a UGT à CGTP, com inúmeros insucessos. A Intersindical também não assinou a esmagadora maioria dos acordos de concertação social. Como vê o apoio do PCP ao Partido Socialista?
Digamos que é por isso que considero importante o diálogo social. Os acordos tripartidos têm uma valia adicional. Ouvir trabalhadores e empresários gera confiança nas duas partes relativamente ao futuro. Se não houver pontualmente um apoio do PSD/CDS-PP a determinadas medidas que venham a ser aprovadas na Assembleia da República, poderão criar-se dinâmicas que foram negativas no passado em termos de investimento e emprego. A ver vamos. São tudo pontos de interrogação relativamente ao futuro. Há dificuldades à vista, mas há condições para as ultrapassar. Quanto à CGTP, e embora ambas sejamos centrais sindicais que têm como objectivo defender os trabalhadores, nunca fomos amigas.
E aquela central sindical sempre teve uma postura no terreno que não é coincidente com a nossa.
E quanto ao Orçamento para 2016?
Essa é a grande questão: o que vai acontecer no quadro político a esse nível, tendo em conta que é preciso garantir os critérios do Pacto Orçamental, que depende do investimento e do emprego. E se há ou não condições para o aumento da receita, sem mais cortes na despesa, outra variável fundamental que está muito ligada ao défice, ao equilíbrio das contas externas e à confiança dos mercados.
Acredita que o desfecho deste quadro político vai passar por eleições antecipadas?
Não antevemos essa hipótese. A democracia tem mecanismos para ultrapassar situações como esta. Quando houve grandes problemas na Grécia, ficou claro que nunca poderia haver um golpe dos coronéis porque, obrigatoriamente, existe um sistema democrático. O problema que nos preocupa é que se criem condições para assegurar o crescimento e o emprego, tendo em conta que milhares de famílias estão a passar por imensas dificuldades.